terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Elegia Azul

 

Clara, como talvez tu antes da última esquina da noite,
uma imagem redonda colava-se aos meus dedos por entre
as folhas de papel que lentamente ardiam. Foram sempre
mais as páginas que juntei do que aquelas de que pude
separar-me, naquele T1 pequeno com vista para Monsanto
e para o teu corpo sempre azul.

Infelizmente, não fora capaz de preparar
o silêncio que sempre se segue a tudo o que
não somos, dirias tu, o rumor de instantes que nos apanha
na canga e nos sugere o vale sem luzes e a varanda grande.

Parado sei que isso é poesia, um sonho, pequenas alucinações
de primavera sem apelo no fundo destas veias e sei também
que continuas a existir e vais ser minha muitas vezes,
como eu quero ser teu intermitentemente em cada lua nossa.

Mas tu sabes como os astros nos pregam partidas ao telefone,
como em certos dias a pique para o sol embatem nas antenas,
e este ligeiro pesadelo é apenas o desconforto baço de saber
que há coisas demasiado belas para não serem tristes.

Autor : Rui Costa in "Os Dias do Amor"
Imagem : Michael Vincent Manalo

2 comentários:

brancas nuvens negras disse...

Sei o que é morar num lugar com vista para Monsanto.
Um abraço.

- R y k @ r d o - disse...

Imagem e poema deslumbrantes de ver e ler
.
Saudações cordiais e poéticas
.