Aqui estão as minhas escolhas do que considero melhor em Poesia,Prosa Poética e Fotografia. Domingo é dia de trabalhos de minha autoria.
segunda-feira, 31 de março de 2008
Andanças do Corpo
venderem a peso o ar que respiras
em tendas balançadas pelo vento
à sombra de armas contra passáros
sem asas nem plumas ---Vi países
fazerem a guerra como quem salva
o património de povos devastados
pelo sono usura da noite
que todos alguma vez acumulamos ---
vi máquinas objectivas dissecarem
a loucura sem margens o cristal rigoroso
de palavras novas de cidades fugazes
e tão sós (subsclares) e tão pobres
como ghettos bombardeados---vi países
Autor:Casimiro de Brito
In Negação da Morte
Foto:derianek
domingo, 30 de março de 2008
Hoje as Palavras...
sábado, 29 de março de 2008
quando
quinta-feira, 27 de março de 2008
diz-me o teu nome
terça-feira, 25 de março de 2008
com uma pedra
(escrito com a alma de uma pedra a 12/7/2004)
Autor:Almaro
Foto:Maria Isabel Batista olhares.com
segunda-feira, 24 de março de 2008
Poema à miragem
que se ateia e logo morre
não disse nada, amor
domingo, 23 de março de 2008
Fado Pensado
Pensado,
São os teus etéreos passos
A bailar
Nas minhas mãos
Que me transportam afincos.
Dos altos montes
Que subo
Sem temor ou desalento,
Aconchegando o teu corpo
Envolto em brisas
Sinceras,
Vejo a fresca
Na jornada,
Do nosso contentamento,
Amansando
De prazer
O calvário da saudade.
Não perco o sono,
Não sofro,
Porque do nosso destino
Já se finou a partida,
Só importa a caminhada.
Foto:Radostaw F.Lis.
sábado, 22 de março de 2008
vagueio
sexta-feira, 21 de março de 2008
quinta-feira, 20 de março de 2008
Os Figos
Colheram-se ontem
os figos doces dos seios
da mulher que se perdia
nas esquinas
das ruas abandonadas ao amor.
Provei-os.
Encontrei-a hoje pela manhã
desfazendo-se em beijos
no asfalto frio
ainda com a face
plena
de rubor.
José António Gonçalves
(in "Esquivas São as Aves", Col. Cadernos Ilha, nº. 11,
Ed. Correio da Madeira, 2001)
quarta-feira, 19 de março de 2008
beijo-te
dá-me um sorriso
.
.
Autor :ALMARO
.
Foto:Graça Loureiro
terça-feira, 18 de março de 2008
O esconderijo do homem triste
Lembro-me de ter percorrido meio mundo à procura de imagens. Tinham- me dito: é no movimento incessante de quem viaja que encontrarás a imobilidade que desejas.
Mas eu não sabia para onde ir. Deambulei anos a fio, e nunca encontrei as imagens que queria. Gastei as parcas forças que tinha neste trabalho, até que um dia me perdi junto ao mar.
Resolvi construir, ali mesmo, uma casa.
Tencionava não sair mais daquele lugar onde me perdera. Imobilizar- me, viver e envelhecer dentro de quatro paredes nuas erguidas pelas minhas mãos. Morrer frente ao mar, sozinho, como num romance que lera havia anos. Esperar que a casa se esboroasse e me servisse, por fim, de túmulo.
Assim não aconteceu. Algum tempo depois, a casa transformou-se subitamente em prisão. E talvez tenha sido isso que me pôs, assim, triste para sempre. Custava-me a crer que aquilo que eu próprio construíra acabasse de me atraiçoar.
Assustei-me e fugi nessa mesma noite. Ignoro o que se passou com a casa. Não sei se ainda existe... o que sei é que a meio daquela fuga deseperada ocorreu-me o que me levaria, enfim, a encontrar o esconderijo para a minha imobilidade.
É desse lugar iluminado que, hoje, vos falo.
Fui ter com um fotógrafo meu amigo e pedi-lhe para me retratar. Ele acendeu um foco de luz. Sentei-me no centro dele. A máquina disparou sem cessar.
Gesticulei, abri os braços, mexi-me muito - como se soubesse que nunca mais o voltaria a fazer.
Quando o meu amigo mergulhou o papel fotográfico no revelador, eu também mergulhei. Mas devo ter desmaiado uns segundos, talvez minutos, porque ao retomar consciência senti as pernas e os braços dormentes - e todo o meu corpo estava mole.
Um véu de luz toldou-me a visão. Ceguei por instantes, mas não foi uma sensação desagradável. Depois, o corpo começou a ondear, a impregnar-se no papel e a coincidir com o retrato que o meu amigo fizera de mim.
Segundos mais tarde uma pinça metálica tirava-me do revelador. Senti, então, a frescura da água - e toda a superfície da folha de papel, o meu novo corpo, brilhou. Em seguida deixei-me enteorpecer na temperatura tépida, voluptuosa, do fixador.
Tinha encontrado o esconderijo.
E aqui estou, diante de quem me visita e olha. Apesar de não ter deixado de ser um homem triste, adquiri a vantagem de estar sentado, e de já não precisar de fugir ou desejar seja o que for.
Mas o pior momento do dia é aquele em que nos separamos. Não consigo dormir. Fico noite fora com a minha solidão - e quem esteve a ver-me parte com o susto de continuar a existir.
Nenhum de nós é capaz de murmurar: fica comigo e toca-me. E a noite cai, de certeza, mais escura para quem parte.
Eu sou apenas a imagem do que fui. Não sinto nada.
Certa vez, um homem e uma mulher pararam diante de mim. Olharam-me muito tempo.
Aproximaram-se, afastaram-se, voltaram a aproximar-se do vidro que me protege. O nariz da mulher quase me tocou nos joelhos.
De repente, a mulher inclinou a cabeça, sobressaltou-se e disse:
- Zé, perdi o vidro do relógio.
O homem baixou-se e procurou-o. Quando o encontrou, deu-lho. Mas ela argumentou:
- A culpa foi tua. Eu não queria vir aqui.
O homem, muito sério, respondeu-lhe.
- Francamente, Fátima, não te toquei no pulso. Não mexi no tempo. Nunca mexo no tempo...
Outras vezes, quando não está ninguém olhar para mim, ponho-me a cismar:
A luz é o meu túmulo.
Em tempos, os meus gestos tiveram o rigor da abelha que rouba o pólen à flor. Com esses gestos quis construir um espaço para o silêncio. Uma morada onde fosse possível ignorar o mundo, ou esquecê- lo.
De vez em quando, aceito ainda o mistério das palavras que me cercam e não coincidem, em nada, com a realidade. Eu só quis celebrar a vida. Encontrar o esconderijo onde fosse possível um derradeiro acto de paixão. O esconderijo onde pudesse, de novo, tocar teu rosto e recusar a aridez da calúnia.
Mas a luz é o meu túmulo.
A pouco e pouco incendiaram-se os negros profundos, o círculo luminoso aprisionou-me, e as mãos gesticularam sem sentido. O interior das paisagens guardou a tua ausência. E numa última visão a madrugada irrompeu do mar adormecido.
As mãos abriram-se novamente, quando o dia começou a devorar a nudez do corpo.
Comovido, perdi a voz.
Não podia chamar-te, lembro-me, por isso desatei a escrever o teu nome nas paredes da cidade. Tempo perdido. Já não podias ouvir-me nem ler-me. Foi quando desejei, com ardor, este esconderijo.
Aqui, pelo menos, respiro ar condicionado, e um foco de luz simula a eternidade dos dias.
Hão há emoções, nem palavras ditas em voz alta. Não acontece nada, nem se ouve respiração alguma.
Quem me visita diz coisas fantásticas a meu respeito. Nunca confirmo nem desminto. Limito-me a ouvir e calo-me. Porque há coisas que devem correr com o tempo e, mais tarde ou mais cedo, nele se apagam.
É claro que também há coisas guardadas na mionha memória de papel. Mas essas, já não tenho a certeza de que alguém as tenha dito ou eu as tenha, de facto, ouvido.
Por vezes ponho-me a sorrir, mas ninguém consegue ver que sorrio, porque o retrato que me esconde - como eu - está morto e desfocado.
E a luz é o nosso túmulo.
Al Berto, O Esconderijo do Homem Triste, "VER", Círculo
de Leitores, Lisboa, Verão 1992, N' 19, pp. 74-75
(foto de Paulo César olhares com)
segunda-feira, 17 de março de 2008
quando choro
todos os amanheceres me anoitecem no olhar
assim
de braços calados.
sem lágrimas.
Foto:Paulo César http://www.paulocesar.eu-paulo/ cesar
domingo, 16 de março de 2008
Noite encantada
Noite encantada, cobre-me com o teu manto,
Será que sabes que te amo loucamente?
Anseio o teu cheiro amargo a suor quente,
Onde me perco e encontro em teu encanto.
.
Quebro o tédio dos dias cinzentos em pedaços,
E enlouqueço por disfarçar toda a saudade
Da beleza negra que exibes com vaidade,
Enquanto descubro prazeres dos teus regaços.
.
Como é doce mergulhar nos teus braços,
Descobrir-me outro na tua imensa liberdade,
E desvendar cada pedaço da nova verdade,
Que trazes nas tuas formas, nos teus traços.
.
E pela manhã quando, saudoso, me levanto,
Ainda sinto nos lábios o teu sabor ardente,
Recordo ecos de versos do poema eloquente,
Que me segredaste ao ouvido para meu espanto.
Gonçalo Nuno Martins
Página 10
Nada em 53 vezes
papiro editora
sábado, 15 de março de 2008
tu não existes
sexta-feira, 14 de março de 2008
Fico admirado quando alguem
quinta-feira, 13 de março de 2008
Notas para o diário
deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,vivos e limpos.
a dor de todas as ruas vazias.
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio.
e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo. sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo.
a dor de todas as ruas vazias.
mas gosto da noite e do riso de cinzas.
gosto do deserto, e do acaso da vida.
gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a dor de todas as ruas vazias.pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite.
basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame.
é isto que é preciso dizer:
daqui ninguém sai sem cadastro.
a dor de todas as ruas vazias.
sujo os olhos com sangue.
chove torrencialmente.
o filme acabou.
não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto.
e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas.
e
nada escrevo.o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.
Autor:Al-Berto
Horto de Incêndio
Assírio & Alvim3ª edição - Dezembro 2000
quarta-feira, 12 de março de 2008
Vem
Anda…
Não sei se é musica.
É chamamento, que percorre o corpo, e se prende nos passos.
Só eu vou,o resto fica.
Não sei o que fica, e se o que fica sente.
É flauta mágica que encanta e me chama.
Só a forma se esquece,quase estátua,sem vida.
Anda…
Vem…
Oiço mar,da praia para onde ia,e vou,não sei se na gaivota,se na onda,se no vento ou na brisa,apenas vou…
( escrito a 29-5-2004)
Foto:Paulo Madeira