domingo, 31 de dezembro de 2017

Feliz Ano Novo


Dentro de algumas horas, deixaremos a ano de 2017 a quem chamaremos o ano velho.

Desejo a todos os  que visitem este espaço muita saúde e sucesso durante o ano de 2018.

Feliz Ano Novo

sábado, 30 de dezembro de 2017

Uma coisa inocente

Natália Drepina

Estendi a mão por qualquer coisa inocente
uma pedra, um fio de erva, um milagre
preciso que me digas agora
uma coisa inocente

Não uses palavras
qualquer palavra que me digas há-de doer
pelo menos mil anos
não te prepares, não desejes os detalhes
preciso que docemente o vento
o longínquo e o próximo
espalhe o amor que não teme

Não uses palavras
se me segredas
aquilo que no fundo das nossas mentiras
se tornou uma verdade sublime

Autor : José Tolentino Mendonça

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Partir

Não sei
se te deixei partir

Mas num segundo
já não estás na minha mão
nem à minha frente no papel

Ficando eu sem saber
quem eras
quando te encontrei

Se o retrato que de ti
tracei te é fiel

Ou se de tanto te inventar
eu te perdi, por entre
as florestas das histórias

Penumbras dos palácios
Pensamentos, poesias e diários
Oceanos e ventos

Pois nem sequer
percebo se por mim
te afastei ou te larguei

Se obstinada fugiste
ou te esqueci
Se a Torre onde te pus é de Babel

E dela partirás
para viver a única
paixão da tua vida

Não, nem sequer sei
qual foi o meu olhar
pousado em ti

Se com ele te espiei
te persegui
E no espelho onde te vias

Eu te olhei

Autor : Maria Teresa Horta

in Poemas para Leonor, Dom Quixote, 2012, p. 138-9

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

..



Andre Kohn

…E minhas rugas são ruas
e minhas ruas
são rias ou rios de risos
de crianças ao luar
correndo felizes, descalças e nuas
com suas estrelas acabadas
de roubar…

Autor : António Gil
in Obra ao Rubro (Lua de Marfim, 2012)

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

...


Victor Bauer
Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi
talvez para sempre ― a casa e o cheiro dos livros,
a suave respiração do tempo, palavras, a verdade,
camas desfeitas algures pela manhã,
o abrigo de um corpo agitado no seu sono.
.
Guarda-o
serenamente e sem pressa, como eu nunca soube.
.
E protege-o de todos os invernos ― dos caminhos
de lama e das vozes mais frias. Afaga-lhe
as feridas devagar, com as mãos e os lábios,
para que jamais sangrem. E ouve, de noite,
a sua respiração cálida e ofegante
no compasso dos sonhos, que é onde esconde
os mais escondidos medos e anseios.
.
Não deixes nunca que se ouça sozinho no que diz
antes de adormecer. E depois aguarda que,
.
na escuridão do quarto, seja ele a abraçar-te,
ainda que não te tenha revelado uma só vez o que queria.
.
Acorda mais cedo e demora-te a olhá-lo à luz azul
que os dias trazem à casa quando são tranquilos.
.
E nada lhe peças de manhã ― as manhãs pertencem-lhe;
deixa-o a regar os vasos na varanda e sai,
atravessa a rua enquanto ainda houver sol.
.
E assim
haverá sempre sol e para sempre o terás,
como para sempre o terei perdido eu, subitamente,
por assim não ter feito.

Autor : Maria do Rosário Pedreira
in A CASA E O CHEIRO DOS LIVROS (Quetzal, 1996), in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Deram-me o silêncio

Pier Toffoletti
Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.

Autor : Adolfo Casais Monteiro

domingo, 24 de dezembro de 2017

Feliz Natal


Para todos os que gostam de poesia e que por aqui passaram 
aproveito para deixar votos de umas Festas Felizes,
que seja um tempo de paz, saúde, e muita felicidade.

BeatriceM

sábado, 23 de dezembro de 2017

do mundo que malmolha ou desolha não me defendo

eduard gordeev

do mundo que malmolha ou desolha não me defendo,
nem de mim mesmo, à força
de morrer de mim na minha própria língua,
porque eu, o mundo e a língua
somos um só
desentendimento

Autor : Herberto Helder
In A Faca não Corta o Fogo, 2008

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Não entendo

Natália Drepina

Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.

Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais:
mas pelo menos entender que não entendo.

Autor : Clarice Lispector

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Água morrente

Meus olhos apagados,
Vede a água cair.
Das beiras dos telhados,
Cair, sempre cair.

Das beiras dos telhados,
Cair, quase morrer…
Meus olhos apagados,
E cansados de ver.

Meus olhos, afogai-vos
Na vã tristeza ambiente.
Caí e derramai-vos
Como a água morrente.

Autor  : Camilo Pessanha
in clepsidra

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Queria dizer-te que não sei

Kyle Thompson

Queria dizer-te que não sei
que há qualquer coisa
talvez desperdiçada talvez não
Tu sentiste-a disseste que era como
qualquer uma outra coisa que
esqueci
A tarde era talvez já fosse tarde
e a noite não vinha
─ como sempre
Queria dizer-te mas não sei se agora
me saberás ouvir


Autor  : Maria Alberta Menéres

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Quando, do nome do mar

paul kelley

Quando digo o nome do mar não é do mar
que digo o nome, mas de tudo o que
antes e para lá do mar ficou
em sobressalto nos perigos da sua travessia.

Aprendi isso em lugares raros,
como o último silêncio, a última gota
de água ou de mel.

Autor : Francisco José Viegas

domingo, 17 de dezembro de 2017

memórias

anka zhuravleva

nunca te pedi nada,
tu nada tinhas para dar,
mas, naquele dia que a mãe não estava em casa
e a fome apertava

foste ao pomar
e colheste a maçã maior e mais bonita
que existia na macieira

partimos em duas porções
e repartimos

e, ainda hoje eu tenho
memórias do sabor doce, e
a imagem dessa maçã.

Autor : BeatriceM

sábado, 16 de dezembro de 2017

Poemas

André Kohn

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Autor : Mário Quintana

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Pedaços de mim

Eduardo Arg_elles

Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos

Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão

Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci

Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante

Tive noites mal dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não-prometidas

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir,para não enfrentar
sorri para não chorar

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.

Autor : Martha Medeiros

.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Amo o caminho que estendes

leszek paradowski

Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões.
Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo
Se se recorda dos movimentos migratórios
E das estações.
Mas não me importo de adoecer no teu colo
De dormir ao relento entre as tuas mãos.


Autor : Daniel Faria
in “Dos Líquidos”

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Recado aos amigos distantes

Frank Wilcox oleo

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.


Autor : Cecília Meireles

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O lado de fora

Tela de António de Macedo

Eu não procuro nada em ti,
nem a mim próprio, é algo em ti
que procura algo em ti
no labirinto dos meus pensamentos.Eu estou entre ti e ti,
a minha vida, os meus sentidos
(principalmente os meus sentidos)
toldam de sombras o teu rosto.O meu rosto não reflete a tua imagem,
o meu silêncio não te deixa falar,
o meu corpo não deixa que se juntem
as partes dispersas de ti em mim.

Eu sou talvez
aquele que procuras,
e as minhas dúvidas a tua voz
chamando do fundo do meu coração.


Autor : Manuel António Pina

domingo, 10 de dezembro de 2017

Sonhos

by Evan Raditya Pratomo

apago todos os vestígios,
dos assassinos de sonhos,
e fico com as estrelas,
a recordar  os meus  devaneios 
de criança.
.
Autor : BeatriceM 2013-12-15



sábado, 9 de dezembro de 2017

Sombras


Voltam-se as sombras sobre nós
coisas soltas, costumes muito antigos
acompanham-nos os gestos desde perto,

desenham figuras nas paredes.

A casa sossegou, o vento veloz
Em cada recanto obscuro faz jazigos
onde se perde o olhar antes aberto.

Crescem líquenes, raros musgos verdes.
As janelas fecharam-se, vazio

o quarto. Perguntas por fazer
suspendem-se da voz

para sempre remetida ao seu silêncio.
Nada pois a temer,
sombras somos nós.

Autor:Bernardo Pinto de Almeida
Foto:dudeusz

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Na casa antiga, cada um de nós levava

Diggie Vitt
Na casa antiga, cada um de nós levava
consigo um candeeiro, com que arrastava
o seu duplo de penumbra e de sombra.
A chama do petróleo ardia junto à boca,
podíamos devorar a própria luz.
Chamas nos queimavam as entranhas
e em archotes vivos nos tornaram,
vagueando por corredores e por escadas
atrás do Outro, que nada nos dizia.

Autor : Fiama Hasse Pais Brandão

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Autor : Manuel Bandeira

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Das palavras

Natália Drepina
Das palavras
de algumas palavras
temos de conhecer mais
que seu significado,
temos de lhes sentir o tacto
o gosto, ouvir a voz,
temos de as provar
beber, comer, saborear
mastigar suavemente
e depois com ternura,
as engolir para que permaneçam
guardadas em nós.
Amor! O que é amor
se não for vivido!

Autor : Alice Queiroz
In“Jardim de Afectos”

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Este Inferno de Amar

Diggie Vitt

Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

Autor : Almeida Garrett
in 'Folhas Caídas'

domingo, 3 de dezembro de 2017

Quero partir e ficar


Elena "Kassandra" Vizerskaya



A manhã pariu um dia por onde  fundeio nos acinzentados serpenteados  no horizonte
Os barcos partiram  sem mim
O oiro do meu cabelo desfez-se na brisa que o mar  semeou
E o tempo esvai-se
Que parem todos os relógios do mundo
Que eu quero partir e ficar
.
BeatriceMar

sábado, 2 de dezembro de 2017

Leve

Kyle Thompson

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento…

Autor : Mário Quintana

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Exausto



Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.


Autor : Adélia Prado