quarta-feira, 21 de outubro de 2009

há dias que me fitas

há dias que me fitas a partir do monitor,
e não sei se é a nudez dos teus olhos
ou dos teus ombros,ou se é um mero efeito de luz
sobre os cabelos, os lábios,
que me traz preso à tua presença
ausente, porque nunca partiste
nem chegaste, nem sei quem és,
imagem que apenas afloraste ao ecrã,
num desamparo teu e meu.

Autor:Vítor Oliveira Jorge
Foto: Moniks

terça-feira, 6 de outubro de 2009

As nossas madrugadas


As nossas madrugadas

Desperta-me de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas
o sono em que me deito

pois suspeitas

que com ele me visto e me
defendo

É raiva
então ciume
a tua boca

é dor e não
queixume
a tua espada

é rede a tua língua
em sua teia

é vício as palavras
com que falas

E tomas-me de foça
não o sendo
e deixo que o meu ventre
se trespasse

E queres-me de amor
e dás-me o tempo

a trégua
a entrega
e o disfarce

E lembras os meus ombros
docemente
na dobra do lenços que desfazes
na pressa de teres o que só sentes
e possuires de mim o que não sabes

Despertas-me de noite
com o teu corpo

tiras-me do sono
onde resvalo

e eu pouco a pouco
vou repelindo a noite

e tu dentro de mim
vais descobrindo vales.


Autor:Maria Teresa Horta
Foto:Asieek

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Eu sei, não te conheço, mas existes



Eu sei, não te conheço, mas existes.
Por isso os deuses não existem,
a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira
ou um grito.

Não me perguntes como mas ainda me lembro
quando no outono cresceram no teu peito
duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos
e perfumaram depois a minha boca.

Eu sei, não digas nada, deixa-me inventar-te.
Não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos sobre a tua
nudez
como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,
porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares
Em todas as palavras do meu canto.

Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
Tenho feito amor de muitas maneiras
docemente,
lentamente,
desesperadamente,
à tua procura, sempre à tua procura
até me dar conta que estás em mim, que é em mim que devo
procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti
que eu amo.



Joaquim Pessoa
125 Poemas
Litexa Editora, 1990
Foto: konradluczenczyk