domingo, 29 de setembro de 2019

Setembro


Bebo limonada
Sentada na esplanada da praia

É Setembro e apanho os últimos raios de sol
Sobre a pele já bronzeada

Setembro traz a monotonia da tarde

E a visão sobre o entardecer
Pede que se prolongue,além do horizonte

Também me traz a saudade
Mas isso, não é para ninguém saber…

Autor : BeatriceM 2019-09-22
Imagem : Victor Bauer

sábado, 28 de setembro de 2019

Eu amava


Eu amava
Como amava algum cantor
De qualquer clichê
De cabaré, de lua e flor...

E sonhava como a feia
Na vitrine
Como carta
Que se assina em vão...

Eu amava
Como um sonhador
Sem saber porquê
E amava ter no coração
A certeza ventilada de poesia
De que o dia, amanhece não...

Eu amava
Como um pescador
Que se encanta mais
Com a rede que com o mar
Eu amava, como jamais poderia
Se soubesse como te encontrar...

Eu amava
Como a um cantor
De qualquer clichê
De cabaré, de lua e flor...

Eu sonhava como a feia
Na vitrine
Como carta
Que se assina em vão...

Eu amava
Como um pescador
Que se encanta mais
Com a rede que com o mar
Eu amava como jamais poderia
Se soubesse como te encontrar...

Autor : Oswaldo Montenegro
Imagem : Joan Carol

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Não...


Não sei nada do seu mundo
e você sabe muito pouco do meu
Apesar de, aparentemente, respirarmos

Autor  : Ana Peluso
Imagem : Antoine Renault

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Presença




 Entra-me em casa o murmúrio do mar
e ao fim da tarde assoma na janela
uma gaivota que me vem deixar
a mensagem mais simples, mais singela,
que podia na vida desejar:
esta certeza de que estás comigo
mesmo quando te ausentas e eu invento
mil e uma formas de escutar no vento
o eco das palavras que te digo.

Autor :  Torquato da Luz
Imagem : Jenna Martin

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

...


rasguei o silêncio...
soltei a palavra. o gesto.
mudei o nome. a cidade. a história.
fiquei à tua espera...

olhei-me nua.
alisei a pele.
desejei o espanto do primeiro olhar.
o arrepio do primeiro abraço
a inquietação do primeiro beijo
a inocência da primeira vez...
para entregar nas mãos que te estendia.

bordei um manto de estrelas
inventei uma noite sem mácula.
um luar fecundo...
deixei a sede ser lava.
estrofe.
melodia
e chamei-te baixinho...

autor : maria tavares (retirado do facebook da autora 2019-09-22)
imagem : Joan Carol

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Enterro sob o sol

Era a calma do mar naquele olhar
Ela era semelhante a uma manhã
teria a juventude de um mineral
Passeava por vezes pelas ruas
e as ruas uma a uma eram reais
Era o cume da esperança: eternizava
cada uma das coisas que tocava
Mas hoje é tudo como um fruto de setembro
ó meu jardim sujeito à invernia
A aurora da cólera desponta
já não sei da idade do amor
Só me resta colher as uvas do castigo
Sou um alucinado pela sede
Caminho pela areia dêem-me um
enterro sob o sol enterro de água

Autor :Ruy Belo
em «Transporte no Tempo» (1973), in Todos os Poemas
Imagem : Mirella Santana

domingo, 22 de setembro de 2019

O pintor de Aguarelas


Já não sinto a cidade
mas
um pássaro
arredio
sonhador
e
de olhos
salpicados de giz
segredou-me
que ela ainda te sente.

E

Saber-te a pintar
em aguarelas difusas
ou por vezes rubras
cinzentas
ou mesmo sem cores
por agora
 é  suficiente.
.
Autor : Beatrice M 2013-08-22 (reeditado)
Imagem: laura makabresku

sábado, 21 de setembro de 2019

às vezes me sinto

às vezes me sinto 
igual a uma folha 
que após se soltar da árvore 
vai de acordo com o vento 
voando rumo ao chão 
num voo lindo e breve 

para alguns, outono 
para outros, suicídio 

para a folha 
foram cinco segundos 
da melhor viagem de sua vida. 

autor : @kaio bruno dias
imagem : kiki123

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Para a menina

Desmancho as tranças da menina
e os meus dedos tremem
medos nos caminhos
repartidos de seus cabelos.

Lavo o corpo da menina
e as minhas mãos tropeçam
dores nas marcas-lembranças
de um chicote traiçoeiro.

Visto a menina
e aos meus olhos
a cor de sua veste
insiste e se confunde
com o sangue que escorre
do corpo-solo de um povo.

Sonho os dias da menina
e a vida surge grata
descruzando as tranças
e a veste surge farta
justa e definida
e o sangue se estanca
passeando tranqüilo
na veia de novos caminhos,
esperança.

Autor : Conceição Evaristo
no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.
Imagem : Jasmeine Moonsong

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Século XXI

Falam de tudo como se a razão
lhes ensinasse desesperadamente 
a mentir, a lançar 
sem remorso nem asco um novo isco 
à espera que alguém morda 
e acredite nessa liturgia 
cujos deuses são fáceis de adorar 
e obedecem às leis do mercado. 

Falam desse ludíbrio a que chamam 
o futuro 
como se ele existisse 
e as suas palavras ecoam 
em flatulentas frases 
sempre a favor do vento que as agita 
ao ritmo dos sorrisos ou das entrevistas 
em que tudo se vende 
por um preço acessível: emoções 
& sexo & fama & outros prometidos 
paraísos terrestres em horário nobre 
- matéria reciclável 
alimentando o altar do esquecimento. 

O poder não existe, como sabes 
demasiado bem - apenas uma 
inútil recidiva biológica 
de hormonas apressadas que procuram 
ser fiéis aos comércio 
dos sonhos sempre iguais, reproduzindo 
sedutoras metástases do nada 
nos códigos de barras ou nos cromossomas 
de quem já pouco espera dos seus genes. 

Autor : Fernando Pinto do Amaral
in 'A Luz da Madrugada'
Imagem : Ildiko Neer

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

“O Poema ensina a cair”



O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede

até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada e subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós numa homenagem
póstuma.

Autor : Luiza Neto Jorge
Imagem : Igor Morski

terça-feira, 17 de setembro de 2019

....


O amor é um animal selvagem que chega até nós em silêncio. Aloja-se em nós e ocupa cada ponto do nosso corpo, mais, toda a nossa vida. [...] No amor oscilamos entre tudo poder ser e nada poder ser, a impossibilidade de tudo. É este o amor, é esta a nossa vida.Tu sabes, não sabes? Eu sei muito pouco, quase nada. ... Ver mais de ti quero aprender tudo. O melhor e o pior. O resto é-me indiferente.

Autor : Pedro Paixão
Imagem:  anna o.

domingo, 15 de setembro de 2019

Amanhã coloco a casa à venda



Quando cheguei a casa, achei que a casa tinha crescido,depois de teres partido, a tua ausência é um dado adquirido, só que eu não contava com a saudade que se infiltrou em tudo, até nas paredes.
Eu sei que assim seria.  Sempre soube. Ou talvez não!
Ontem vi-te sem querer ao longe com a tua nova companheira. Fiquei admirada! É uma cópia de mim quando te conheci. Deve ter menos uns trinta anos que tu, mas ia feliz e acho que tu também.
Ando a procurar uma imobiliária.
Amanhã coloco a casa à venda!

Autor : BeatriceM 2019-09-14
Imagem : Noell S.Osvald

sábado, 14 de setembro de 2019

Esplanada


Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

Autor : ManuelAntónio  Pina
 in 'Um Sítio onde Pousar a Cabeça'
Imagem: Cristina Fornarelli

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Eu


Eu até já tentei ser diferente, por medo de doer, mas não tem jeito: só consigo ser igual a mim.

Autor:  Ana Jácomo

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Paixão


A vida ou é paixão ou não interessa,
tudo o mais é somente imitação
e, por mais que dês voltas à cabeça,
não acharás outra razão
que dê sentido a esta caminhada
de aparente rumo ao nada.

Apenas a paixão sabe explicar
o que não tem qualquer explicação:
esta urgência de se dar
sem supor compensação.

Autor : Torquato da Luz

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Como...



Como quando se tira um vestido velho do baú, um vestido que não é para usar, só para olhar. Só para ver como ele era. Depois a gente dobra de novo e guarda mas não se cogita em jogar fora ou dar. Acho que saudade é isso.

Autor : Lygia Fagundes Telles

terça-feira, 10 de setembro de 2019

quase sempre



quase sempre
morria de medo
mas fingia que não
quase sempre
morria de amor
mas fingia que não
quase sempre
morria de tudo
mas era bom em fingir
talvez a vida fosse isso.

autor : @kaiobrunodias
Imagem : Logan Zilmer

domingo, 8 de setembro de 2019

Ando por aí misturada no tempo



Ando por aí misturada no tempo
por momentos livre como o vento
outras vezes
presa na infinidade
das partículas que vagabundeiam
nos atropelos do dia.

Ando deslembrada na memória
de quem um dia para mim foi tudo
ou quiçá
nunca nada fui.
  
Autor : BeatriceM 03-09-2019
Imagem : Cristina Coral

sábado, 7 de setembro de 2019

(XVIII Poema de «O Alar das Redes»)


O cemitério é ali.
Casa de gente pobre;
Serenidade e sono calmo.

Apenas lá do alto sobre
Ele, uma nuvem a aguardá-lo.
Uma nuvem calma,
Sem ânsias, sem histerismos...

Ali na total ausência d'alma,
Serenamente, eu sinto
Que não há abismos.

Quem os traz é ela
A animar os impossíveis
Devaneios d'uma estrela.

Autor: António de Navarro (1902-1980)

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Falta de Tempo


Há tantas coisas em que nunca pensámos por falta de tempo! Na esperança, por exemplo. Quem vai perder cinco ou dez minutos a pensar na esperança, quando pode usá-los muito mais proveitosamente a ler um romance ou a falar ao telefone com uma amiga, a ir ao cinema ou a redigir ofícios no emprego? Pensar na esperança, que coisa imbecil! Até dá vontade de rir. Na esperança... Sempre há gente... E ela metida como areia nas pregas e nas bainhas da alma. Passam anos, passam vidas, aí vem o último dia e a última hora e o último minuto e ela então aparece a tornar inesperado aquilo por que esperávamos, a fazer o que já era amargo ainda mais amargo. A tornar mais difíceis as coisas. 

Autor : Maria Judite de Carvalho, 
in 'Tanta Gente, Mariana'
Imagem : Cristina Fornarelli

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Metade


Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

Autor : Oswaldo Montenegro
Imagem: saul landell