sábado, 31 de dezembro de 2016

Feliz Ano Novo de 2017

Olga Astratova


Mantenho este espaço porque gosto, sinto e vivo a poesia.
Procurarei durante o próximo ano manter aqui as minhas escolhas e partilhar convosco .
Feliz Ano Novo a todos os meus amigos e seguidores que ao longo do ano tiveram a gentileza de me visitarem.
Muito obrigada a todos!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

...



Ionut Caras

É o teu rosto que encontro. Contra nós, cresce a manhã, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, não te posso esconder, ainda há uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz fina a recordar-me todo o silêncio desse silêncio que calaste. Pai. Quero que saibas, cresce uma luz fina sobre mim que sou sombra, luz fina a recortar-me de mim, ténue, sombra apenas. Não te posso esconder, depois de ti, ainda há tudo isto, toda esta sombra e o silêncio e a luz fina que agora és.

Autor : José Luís Peixoto,
in 'Morreste-me' Página 15

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Dorme meu amor

Olga Astratova

Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega — o pior já passou há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão desvia os passos do medo. Dorme, meu amor — a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste e pode levantar-se como um pássaro assim que adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra não hão-de derrubar-me — eu já morri muitas vezes e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos agora e sossega — a porta está trancada; e os fantasmas
da casa que o jardim devorou andam perdidos nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme, meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui, de guarda aos pesadelos — a noite é um poema que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.

Autor : Maria do Rosário Pedreira

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Ainda a Poesia


A poesia não é feita por um nem por todos,
nem esteve nunca na rua.
A poesia está na aspereza das coisas contra nós,
tão mais nítidas ao nosso olhar isento
quanto mais doem no coração silencioso.

Autor :  Luis Filipe Castro Mendes

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

...

Graça Loureiro

Aquele que o meu coração ama
não encontra em lado algum
o incenso que de meus olhos rompe
para ensinar a prender o corpo das mulheres
abandonadas fora de horas
às portas da cidade

mas sabe que para todas as distâncias
há uma ave enlouquecendo quem parte
do tempo
e a túnica que dispo entre os seus dedos
é a espada que os reis ungiram
para enfrentar a ameaça das manhãs
em que tudo acorda

Autor : Alice Vieira
in O que Dói às Aves

domingo, 25 de dezembro de 2016

Natal é quando um homem quiser

SWEET DIGITAL ART BY DESTINYBLUE

Tu que dormes à noite na calçada do relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão, amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce
Uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
Que há no ventre da mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão, amigo, és meu irmão

Autor : José Carlos Ary dos Santos

sábado, 24 de dezembro de 2016

A vida de um Livro

Karin Elizabet

Acredito que a vida de um livro enquanto está nas mãos do autor não é mais importante do que quando está nas mãos do leitor. O leitor é quase sempre um autor ele próprio. É ele que dá significado às palavras e por isso até acho muito interessante quando as pessoas me vêm apontar coisas que não eram minha intenção, mas que de facto estão lá. E há muitas outras coisas que foram minhas intenções e que nunca ninguém me referiu, e no entanto também lá estão. Se calhar alguém reparou nelas ou ainda vai reparar. Tudo o que um leitor leia num livro é legítimo porque nessa fase o leitor é tudo, é ele que faz o livro.

Autor : José Luís Peixoto
in 'Diário de Notícias (2003)'


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Solidão


Imensas noites de Inverno,
com frias montanhas mudas,
é o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.

(...)

A noite fecha seus lábios
- terra e céu - guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.

Autor : Cecília Meireles
in 'Viagem'

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

E por vezes

Huda Fauzan

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

Autor : David Mourão-Ferreira

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Saber

federico erra
saber
é saber saber-te
sabermo-nos unir

unirmo-nos
é conhecermo-nos
sabermos ser

por fim sermos
é sabermos
sabermo-nos

conhecermos
a surda áspide

Autor : Ana Hatherly
in "Um Calculador de Improbabilidades"

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Ausência


Boyana Petkova


Fala

Ouvir-te-ei
Ainda que os segredos
As amoras me chamem

Diz-me
Que existirão lágrimas para chorar
Na velhice
Na solidão

Ainda que acordes os olhos dos deuses

Fala

Ouvir-te-ei
A coragem

Alguém de nós que já não está

Autor : Daniel Faria
in "Oxálida"

domingo, 18 de dezembro de 2016

recordando as flores

como se a cor das flores,
ainda guardassem o teu aroma,
nas pétalas,
o sorriso cheio de sol,
tombado sobre mim,
e eu sem saber,
que fazer do fogo que ardia,
na minha pele.

BeatriceMar 2014-07-27

(reeditado)

sábado, 17 de dezembro de 2016

Quero

 Andre Kohn

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado,
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até à exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso.

Autor :  Carlos Drummond de Andrade
in As Impurezas do Branco

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Rua Morta

É isso que me dói. Estares aí sentada.
Submissa. Isso ou não me desejares
e seres o país perdido.
Eu, ainda com o tambor vazio do revolver,
reconstruindo o silêncio
o toque no pátio do quartel
todos os dias à mesma hora
do outro lado da janela sem cortinas.
Eu, ainda à procura de uma rua morta.
Mário Contumélias
Sou Deste Mar
Pág.28

Foto:J.P.Sousa olhares com
(reeditado)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Morrer de Amor

steve hanks
Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

Autor : Maria Teresa Horta
in “Destino”

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Raízes

raízes

onde estão minhas raízes
onde estão
a prenderem-me ao chão?

agora que o voo é solto
a terra só me quer morto.

10.set.2014
Autor :LuísM Castanheira

domingo, 11 de dezembro de 2016

...

Federico Erra

Apenas o eco do silêncio
Inunda a cidade
E eu sonho o teu sorriso
No reflexo da água
Com que o rio me presenteia


E tu chegas num eco de saudade

Autor : BeatriceMar
(reeditado)

sábado, 10 de dezembro de 2016

Dezembro


Fazer da areia, terra e água uma canção
Depois, moldar de vento a flauta
que há de espalhar esta canção
Por fim tecer de amor lábios e dedos
que a flauta animarão
E a flauta, sem nada mais que puro som
envolverá o sonho da canção
por todo o sempre, neste mundo

Autor :Carlos Drummond de Andrade
(Dezembro de 1981)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Bela Adormecida

Eric Zener

Estou alegre e o motivo
beira secretamente à humilhação,
porque aos 50 anos
não posso mais fazer curso de dança,
escolher profissão,
aprender a nadar como se deve.

No entanto, não sei se é por causa das águas,
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas,
Atitude ou se é por causa dele que volta
e põe tudo arcaico, como a matéria da alma,
se você vai ao pasto,
se você olha o céu,
aquelas frutinhas travosas,
aquela estrelinha nova,
sabe que nada mudou.

O pai está vivo e tosse,
a mãe pragueja sem raiva na cozinha.
Assim que escurecer vou namorar.
Que mundo ordenado e bom!
Namorar quem?

Minha alma nasceu desposada
com um marido invisível.
Quando ele fala roreja
quando ele vem eu sei,
porque as hastes se inclinam.

Eu fico tão atenta que adormeço
a cada ano mais.
Sob juramento lhes digo:
tenho 18 anos. Incompletos.

Autora : Adélia Prado

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Mãe


Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.

Autor : António Ramos Rosa
in 'Antologia Poética'

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Desespero


7 de Dezembro 1936
18 Janeiro de 1984

Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o esperma que te dou, o desespero.

Autor : Ary dos Santos
in 'Liturgia do Sangue'

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Dies Irae

Leslie Ann O'Dell
Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

Autor : Miguel Torga
in 'Cântico do Homem'

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

....

Norvz Austria

De tanto olhar pelo olho de vidro da dor
secaram-se-me os olhos.
Faço-me e desfaço-me em pele por vestir
um olhar apagado no passar dos teus dias
onde não me acho real.

O tempo habitua a dor para que já não doa.
Depois que se entende tudo é um denso vazio
a apontar o lugar onde antes havia uma ferida.

Ali esgravato para que sangre sobre a folha
duas ou três gotas de um verso só
onde um mundo gira ao contrário
para chegar ao encontro das horas.

Amarro o teu nome à palavra instante
antes que durma
e até por detrás do véu dos sonhos
o instante não é nome
ou palavra mais ou menos que seja
do que aquilo que na minha noite mergulha:
- coisa nenhuma.

O relógio marca a ilusão
de um amanhã que não chega.
Ainda assim te digo

até amanhã...

Autor : Sónia M
http://soniagmicaelo.blogspot.pt/

domingo, 4 de dezembro de 2016

Cantiga para não morrer


Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira foi um escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo.
 10 de setembro de 1930
 4 de dezembro de 2016


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

Autor : Ferreira Gullar

sábado, 3 de dezembro de 2016

Tarde

é tarde
já devia estar deitado

mas
continuo sentado
à minha mesa
de estudo
a escrever
coisas que penso

coisas de nada
e de tudo

num desabafo
em silêncio
com o papel
nu e mudo


Autor: Vieira da Silva In Marginal Pág 29
Foto: pararirararara

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Sabes por vezes queria beijar-te



Federico Erra

“Sabes por vezes queria beijar-te. Sei que consentirias.
Mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado porque os beijos apagam o desejo quando consentidos.
Foi melhor sabermos quanto nos queríamos, sem ousarmos sequer tocar nossos corpos.
Hoje tenho pena. Parto com essa ferida.
Tenho pena de não ter percorrido teu corpo como percorro os mapas, com os dedos teria viajado em ti do pescoço às mão da boca ao sexo. Tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro. Acordado perto de ti. As noites teriam sido de ouro e as mãos teriam guardado o sabor de teu corpo.”

Autor : Al Berto

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Fim

norv austria
faz-se tarde
e eu deixei de esperar-te.

todos os portos se fecham sobre mim
e a floresta adensa-se -

nenhuma clareira se abre à passagem dos
animais e do homem antigo.

são 4 horas na manhã de todos os relógios.

Autor:José Agostinho Baptista
in Deste Lado Onde