quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

FELIZ ANO NOVO DE 2021

 

Quero agradecer a todos os meus amigos, seguidores e leitores deste espaço as visitas fiéis com que me presentearam durante o ano que agora finda.

Que o Ano Novo de 2021 nos traga paz, e a fé e esperança seja renovada e fortificada no coração de cada um. Que Deus oriente, proteja e abençoe este Mundo tão magoado em 2020. 

Que durante o ano possamos agradecer a Deus as bênçãos que certamente teremos. 

Feliz Ano Novo de 2021

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Feliz Natal


Para todos os meus leitores ,comentadores, seguidores,e amigos e para os que ainda visitem este espaço ficam os votos de um

Santo e Feliz Natal de 2020

Cheio de saúde, paz em nossos corações e Esperança.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Ode aos Natais Esquecidos

 

Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que dava acesso aos mistérios da noite,
daquela noite em particular, por ser a mais terna
de todas as noites que a minha memória
era capaz de guardar, com letras e sons,
no seu bojo de coisas imateriais e imperecíveis.
Tinha comigo os cães e os retratos dos mortos,
a lembrança de outras noites e de outros dias,
os brinquedos cansados da solidão dos quartos,
os cadernos invadidos pêlos saberes inúteis.
E todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque a meia-noite morava já dentro do sono,
no território dos anjos e dos outros seres alados,
hora inatingível a clamar pela nossa paciência,
meninos hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora de uma árvore sem nome.

Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusões também.
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante
como a tristeza de um fantasma confrontado
com a beleza da vida para sempre perdida.
Deixaram de me dar presentes e de dizer
que era o Menino Jesus que os trazia
para premiar a minha grandeza de alma,
o meu desejo de ser bom para os outros.
Passei a escrever sobre tudo isso, sofregamente,
só para não ter de escrever sobre a saudade
que esse tempo fugidio deixou em mim.

A árvore mirrou de frio num canto da sala,
os presentes apodreceram no sótão da casa,
juntamente com os doces da Consoada
que ninguém teve vontade de comer,
nem mesmo os mais gulosos como eu.
Um homem de muita idade bateu-me à porta
e depositou-me nas mãos um pequeno embrulho:
«Eis o teu presente de Natal» — disse-me.
Abri-o e vi um livro onde se contava
toda a minha vida desde o primeiro Natal
de que conseguia lembrar-me, tudo o mais esquecendo.
Ali estava eu de pé, muito quieto, junto da árvore,
à espera que alguém me viesse dizer
que o céu era pródigo em revelações e dádivas.
Era para lá que eu sonhava ir quando morresse.

Quando Dezembro se aproximar do fim,
lançarei pétalas ao vento como se tentasse
semear o perfume do que fui enquanto acreditei.
Talvez o homem volte com outro embrulho secreto,
só para me dizer que esse é o livro que ainda me falta escrever.
Então, juntarei os amigos, os filhos e os netos
numa roda de luz à minha volta e direi do Natal
o que os antigos diziam dos heróis e dos deuses:
foi à sombra deles que nos fizemos homens.
Quando eu partir de vez, lembrem ao menos
a ternura do meu sorriso de menino
quando a meia-noite soava no relógio da sala
e eu acreditava ainda que a felicidade era possível.

José Jorge Letria, in 'Natal'

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Resignação

 

Da resignação nada sei.
O mar está encapelado
sou um barco.
Guardo os sapatos, fecho as portas
passeio à chuva.
Espero o vento
há que colher os frutos. 

Tu descansas serenamente
folha leve, por terra
fim de cacimbo 

Os heróis não voltam.
Dormes, não queres estar vivo. 

Autor : Maria Alexandre Dáskalos
Imagem :Emerico Toth

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Homem consigo próprio


E por uma voz que ainda não escutou
que se levanta do Inverno.
Esperou anos por uma sombra,
um pedaço de terra sem pedras,
uma janela donde pudesse olhar
a inviolável paisagem,
as distantes casa crepusculares, o pó
que derruba no silêncio
a tangível e cintilante melancolia do olvido,
Tomou a sua vida nas mãos, a transparência solar,
fluidez ardente da paixão
Nunca cantou do alto dos palcos da pesporrência
ou entre cintilantes plêiades de comissionistas
da moralidade, 
mas nas derrubadas colunas dos templos,
junto às lágrimas e ao sangue
dos dias
em que morria por tanto amar
um ramo de nespereira quebrado
no olhar duma mulher.
Tem agora postura soturna, alquebrada pelo
reumatismo
uma garça de angústia voa-lhe no coração.
Senta-se no átrio da igreja coçando os joelhos,
cabelos ralos adejando. As verrugas, acentuadas,
são profundas fissuras de mármore.
Alheio, vulnerável, quieto como um álamo,
não se lhe adivinha o andarilho.
Esteve em Nova Iorque, viu ópera,
foi assaltado por um drogado numa galeria
em São Francisco enquanto se concentrava num
[Dalí,
comeu piza olhando, perturbado,
decotes desinibidos numa praça de Paris,
passou em frente à Casa Branca numa demonstra
[ção contra a guerra, bebeu
tequila em esconsos povoados mexicanos
[até se esquecer do próprio nome, amou
tão febrilmente que julgou
pisar de leve a superfície dum paraíso
abstracto. Viveu como um príncipe
deserdado,
e trabalhou num fábrica de sabões tantos anos
Que até a primavera cheirava a sabonete
reformado, ombros caídos, mãos calosas
e deformadas pela solidão,
sentiu no peito o ressoar
da última morte.
Fez as malas, juntou fotografias da sua juventude
em estações de neve, entre amigos e abraçado
a uma irlandesa,
seus pais, vultos cinzentos
na idade da memória.
Mas só ao chegar à ilha,
estonteado e perdido,
compreendeu que a saudade
nunca leva um homem
ao princípio do tempo.

Autor :Eduardo Bettencourt Pinto

domingo, 20 de dezembro de 2020

Às vezes

Às vezes acho que sinto o eco da tua voz 
Nas profundidades da planície 
Olho á minha volta e não te vejo 
Mas fecho os meus olhos 
E agradeço 
Pois sei quem em algum local 
Tu ainda e sempre me proteges 

Autor: BeatriceM 2020-12-18
Foto:Monia Merlo

sábado, 19 de dezembro de 2020

quando falo de lugares

 

quando falo de lugares cidades países 
não são viagens não são imagens para ter à sobremesa ou vestidas de cão 
à hora de fugir no saco com gavetas incerto voante por Sintra 
de nada servirá sentares-te ao espelho no meio de tanto gado e porcelanas 
sorridente amável satanás de província 
abres os olhos sobre os teus olhos intemerato pensa-dor 
e as coisas ardem por dentro alheias á tua memória 
a terra imóvel apesar de toda a árdua astronomia E eis senão quando 
as carruagens apressam o passo para o cais 
cavalos pesarosos com coloridas grinaldas militares É altura de exclamares avidamente 
Paris, Berlim, São Petersburgo, o Mundo! Como quem engole lorenine 
antes da neve pedra cair por dentro como um coágulo de vozes 
um pássaro cai na água adormecido por um tiro arriscando-se a uma morte prematura 
a cada passo tropeço em ti E este é um poema de amor encomendado de véspera 
embrulho-me nele acordo com a tua boca húmida nos cabelos 
não direi que te amo

Autor  : António Franco Alexandre

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Mãos



As pontas dos teus dedos
Juntam-se aos meus
Entrelaçamos o sentir
Num toque levíssimo
Percorres as minhas mãos
Que desejam as tuas
Sequiosas de carícias
Instigam
O coração descompassa
Os olhos fixam-se
Os lábios desejam
As mãos seduzem-se
Trémulas, impetuosas
Pulsam premência
Numa envolvência extenuante
Consentem o beijo
Cálido, sôfrego
Assim, neste duo ardente
Mãos ávidas
Lábios indigentes
Perpetuam o momento
Desta fogosa paixão.

Autor : Cecília Vilas Boas
In Tempo da Alma

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Precipício




As imagens gastas de tão lidase os sofisticados lugares comuns da poesia
colam-se-te à pele – pelo incómodo trajo do bom senso
e do bom gosto que repudias.
Vil chegada do que amaste, e que agora recordas.A poesia faz-se contra o esquecimento?
Melhor seria dizer, contra a memória se faz a poesia.

sem a arruinada ponte não há precipício?
O que conta é o precipício além da arruinada ponte.

Autor : Luís Quintais, Angst, Livros Cotovia, 2002

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

restauração




Risquei o último fósforo
e estou agora vazia,
não esperando sequer
o deserto. Posso de novo
sublinhar os livros
sem pensar noutros olhos,
numa vontade que não coincida;
como quem se despe
de portas abertas, luzes acesas,
buracos na roupa,
indiferente ao desejo
de vizinhos e espelhos.

Sou finalmente o único fantasma
da minha vida inteira.

Autor : Inês Dias
in “Um raio ardende e paredes frias”

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Cheguei a ter medo de te perder,



Cheguei a ter medo de te perder,tu não chegaste sequer a ter medo.
Este silêncio de já não termos palavras
ouve-se nas outras palavras que trocamos.

Miserável mundo nosso e alheio,
igual ao que todos disseram da sua época,
e pior, porque este vivemos nós
e conhecemos nós, cada um conforme pode.

Já morrerem os ídolos todos da infância
e os da adolescência vão a caminho,
sobrevivente é o teu olhar cego
(hoje há já só um dos Righteous Brothers).

Na feira de velharias uma caixa
para tabaco com uma rosa verde.
Tem o preço ainda em escudos, uma falha
num dos cantos, uma pequena cruz de cal.

Permaneces aí, à lareira, lendo livros vivos
e o seu turbilhão de palavras profundas.
Nunca mais chega o medo de nos perdermos,
eco um do outro em ricochete de silêncios.

Autor : Helder Moura Pereira
In Mútuo Consentimento
Foto: Jaroslow Blaminky

domingo, 13 de dezembro de 2020

Utopia

 


Retorno sempre ao ponto de partida, 
ou chegada se assim quiserem, 
normalmente escrevo para o vento, que sopra lá fora, 
acreditando que ele leve minhas palavras além,
e que alguém (especialmente) tu as leias ,
 uma utopia, eu sei, não tenho dúvidas, 
mas escreverei sempre,
mesmo que tu nunca me leias. 

Autor : BeatriceM 2020-12-11 

sábado, 12 de dezembro de 2020

Nunca mais regressaste a casa desde agosto.

 


Nunca mais regressaste a casa desde agosto.
O teu lugar à mesa ficou vazio. Eu passei a coleccionar
os nomes de coisas distantes, sentei-me a desenhar
sistemas de coordenadas, soletrei os hemisférios
das palavras, regressei às zonas epidérmicas do toque,
à fome anatómica dos gestos, às regiões endémicas
dos sismos, à solidão unívoca das margens dos rios,
ao silêncio lento das magnólias. Trouxe o domingo
para dentro de casa e guardei-o junto ao parto
em que me deste à luz.

Digo: Os dias são todos de morrer.
Nenhuma das memórias que tenho de ti
sabe negar essa evidência.

Autor : José Rui Teixeira

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Tempo

Há um país antigo que se abriga em mim
um país de que não me lembro
senão de mim menina, uma língua
de sol e água que se cola à minha pele,
obstinadamente quer ser tempo em mim,
quer ser boca, procura a abertura,
escorre entre as fendas da memória,
como um pássaro de asas partidas.

Há um país que se abriga em mim
e eu procuro a voz do vento que o cante,
nessa harpa fria que é memória minha.

Autor : Maria João Cantinho
Foto: Kindra Nikole

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dêem-me as tábuas



Dêem-me as tábuas, 
essas tábuas de madeira firme 
com que se constroem os barcos. 

Dêem-me as tábuas rijas do tempo, 
as tábuas livres e cantantes de madeira 
com que se erguem os muros fortes 
das cidades inexpugnáveis. 

Deixem-me juntá-las às folhagens 
do despojamento da sua condição de árvores. 
Com elas, prometo, 
irei vigorosamente alicerçar, 
no entrelaçar das tempestades 
que se lêem nos intervalos das nuvens invernais, 
as jangadas calmas 
que respondem nas manhãs de nevoeiro 
pelo simples nome de casas. 

Depois, se verdadeiramente me apetecer, 
decoro-as com dois pares de asas 
e deixo-as voar. 

A promessa permanece no poema. 
Deixemos as casas, na sua condição de jangadas, 
cumprir com a sua missão de navegar. 

Autor : José António Gonçalves 
in Memórias da Casa de Pedra"
Foto: Jordi Feliu 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O Mar dentro de nós


Por dentro de mim corre um longo rio
De seiva, ao por do sol de um campo arado,
E a ceifeira, que ceifa ao desafio,
Esquecida de o ceifar, passou-lhe ao lado…

Talvez volte amanhã, se fizer frio,
Ou se o vento, ao soprar, tiver lembrado
O leito das razões que nele desfio
Na seiva em que o descrevo humanizado

Entretanto, outras foices de ceifeiras
Passaram já por ele de outras maneiras
Mas nunca desaguaram nessa foz

Que, a jusante de mim, beija as ribeiras
Quando elas se lhe oferecem, sempre inteiras
E recomeça o mar dentro de nós…

Imagem: Mariam Sitchinava

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

feridas



Não há paisagem,
árvores,
moinhos,
telhados,
montes,
nuvens,
papoilas,
ninhos,
ou mar,

há um vazio imenso

e uma gaivota na cicatriz-do-olhar…

Autor:Almaro

domingo, 6 de dezembro de 2020

Desisto


Vou na ambiguidade de encontrar o que me agita, no sentir e no jeito que me faz ser assim,como sou.

Ave em corpo de mulher, que voa e não sai de onde está, que espera merecer uma compensação para merecer asas  para o voo ser leve e integro.

Vou para longe do meu lugar de conchego. Vou para a cabana perto do rio. Aquela a que chamo casa.

Talvez o oxigénio seja mais puro, talvez me lave das impurezas que não quero para mim.

Desisto da dor, da prisão e da lassidão.

Se não voltar, não terá nenhum problema.

Menos uma porta por abrir , onde ate as janelas

Já não existem carcomidas pela salubridade

Será menos um número mecanógrafo

De alguma estatística não concluída

 

Se voltar!

Voltarei quebrada, ou resgatada,

Mas, nunca derrotada.


Autor : BeatriceM 2020-12-05

Foto: Patrizia Burra

 

sábado, 5 de dezembro de 2020

A noite e os Poetas

 

Os poetas são loucos

Porque os poetas amam a noite:

            As noites não têm luz

            E se calhar é isso

            Os poetas usam a escuridão

            Para verem para além das coisas

Os poetas são loucos

Utópicos e paradoxais:

            Cantam loas à vida

E suicidam-se, noite dentro

No fumo do cigarro

            E na bebida

Os poetas são loucos

Mas necessários:

            Fazem-nos amar as florestas,

            O mar e as estrelas,

            Os animais

            Ah! E o próprio amor

            Porque,

            Com as palavras,

Que são a sua principal ferramenta,

Pintam a vida

De outra cor

E depois

Porque são loucos

Os poetas perdem-se na noite

Tal e qual como a cigarra

Sobretudo se está escuro

E há silêncio

Para acompanhar o som

De uma guitarra ~

 

Autor : Carlos Cunha

http://jcmcunha.blogspot.com/

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Tempo


Sei de um recanto 
na margem da ribeira 
onde à tarde me sento 
e fico só olhando 
o lento passar do tempo 
ao som dos pássaros 
e da água corrente 

Autor :Isabel Solano 12/11/2007
in Errância, inédito, 2007.
Imagem: -Viktoria Haack

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 

São como as rosas 
as pequenas coisas 
que a tudo conferem 
o brilho das estrelas: 

espalham o seu perfume 
oferecem a sua canção 
fazem a sua dança 
e logo regressam 
ao profundo silêncio 
da terra dormente 

Autor : PBC.(Pedro Belo Clara) 
Imagem : Hossein Zare

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Espanto

Saber que te perdi 
é mais que 
isto 

é mais que este 
sabor 
contraditório 

é mais que todo o espaço 

é mais que agora 

é mais do que o 
teu corpo 
já retido 

e lento é este espanto 
e tão parecido 
com aquele prazer breve 
antigo 
que o rasto dos teus dentes 
não desprende 

ainda mais que dor 
ou suicídio 

saber que te perdi 
é mais que isto 

ainda mais que ferida 
mais que morte 

Autor : Maria Teresa Horta 
Imagem : Mikeilla Borgia

terça-feira, 1 de dezembro de 2020



O que sinto agora
é a tristeza de quando era criança

Quando a brincadeira chegava ao fim
ficava um silêncio cavo de último dia
como se estivesse a abandonar
uma felicidade irrepetível.

O parque infantil ficando para trás,
o brinquedo que se partiu irremediavelmente,
o gelado que chegou ao fim do copo colorido
ou ter de dormir na noite de Natal
e ouvir ao longe as vozes dos adultos
que ainda estavam acordados.

O que sinto agora
é um silêncio cavo de último dia
como se estivesse a abandonar
uma felicidade irrepetível.
A vida a ficar para trás.

Autor : Luís Rodrigues- https://brancasnuvensnegras.blogspot.com/

Foto: Desconheco o autor

domingo, 29 de novembro de 2020

Pretérito

Entrei em contacto contigo em fins de Abril, princípios de Maio ,de um ano que já não importa, feira do livro no Parque Eduardo VII. Ias estar lá, como sempre. Não me lembro se cheguei a pedir para entrar na tua vida enigmática, mas acho que entrei assim como um pássaro que voa e poisa num ramo de arvore, e o elege como seu. Claro que tu não eras um ramo de arvore, mas eu entrei de voo raso ,e fiquei a olhar para ti como se fosses um anjo pequeno com asas grandes e encantadas. Eu sei lá o que via em ti? Um misto de adoração pagã e perdia-me a olhar-te a beber as tuas palavras, a esmiuçar tudo o que de ti brotava. Erramos pela cidade, pelas vielas, e por toda a cidade grande. Eu gostava quando andávamos de mão dada. Entraste em mim e eu em ti, mas, os segredos e os mistérios que engendravas .Não os quis perceber, não quis deslindar. Eu não era nenhum personagem dos teus livros. Era apenas uma miúda deslumbrada. 

Depois os dias eram todos iguais. E cansei-me de mim e de ti. De nós. Já não leio o que escreves mas, lá no fundo, ficou algo que nunca vou esquecer 

Depois foram mudando as datas da feira e eu fui-me esquecendo e deixei de ir. Não me interessava mais...e tu!??

Autor : Beatrice 2020-11-29

sábado, 28 de novembro de 2020

Ramo

Talvez eu não consiga quanto amo
ou amei teu ser dizer, talvez
como num mar que tu não vês
o meu corpo submerso seja o ramo
final que estendo já não sei a quem

Autor - Gastão Cruz,
in “A moeda do tempo e outros poemas”.
Imagem : Brian Oldham

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

perfeição


Um muito de você em mim
É bom.

Um muito de mim em você, também.

Um pouco de nós em nós mesmos,
Mais a mistura acima
Seria a perfeição.

Autor : Ana Peluso
Imagem : Laura Makabresku

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Alvorecer


O sol revela
Cores vivas que luzem
Nova vontade.

Aves ligeiras
Em coro melódico
Abrandam o ser.

Leves e claros:
Cúmulos livres pintam
Um quadro puro.

Autor : Rúben Marques
Imagem : Bertoni Siswanto

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

meia lua meu amor

meia lua meu amor
é tua

a outra metade
guardei-a para o compadre
que me beija a boca
quando chegas tarde
da casa da outra 

Autor : Líria Porto
in "escritoras suicidas".
Imagem :Joan Caroll

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Poesia

 


é a visita do tempo nos teus olhos,
é o beijo do mundo nas palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde:
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde...

Autor: Vítor Matos e Sá
 in 'Esparsos' 
Imagem Jonna Jinton

domingo, 22 de novembro de 2020

Premonição

 


É tarde.  Está frio.  Fixo o olhar sobre uma árvore da praça que tem um ramo partido.  Não tardará muito. E o ramo cairá desamparado sobre o chão encharcado da rua. Um frio percorre todo o meu corpo como se fosse eu o ramo a cair,e como se ao cair ou quando isso acontecer, o mesmo acontecerá comigo. 

Andas estranha, muito estranha. Por vezes nem sei quem és, diz ele. Pareces uma alienada. Sempre exausta. Sempre ausente, para aí a olhar para coisa nenhuma. 

Passo as mãos pelos meus cabelos soltos, e não replico, não me apetece falar para quem não me concede atenção. 

Levanto-me e meto-me na cama, embrulhada na manta polar, para esquecer realmente quem sou agora ou quem fui outrora. 

Nessa noite sonhei com ele, tinha-me oferecido um ramo enorme de flores que eu agarrei sôfrega e fugi na noite. 

Tive medo! Se me deu flores é que eu já morri. 

Porque ele enquanto vivi,nunca me deu flores.


Autor : BeatriceM 2020-11-15 
Imagem : Carla Coulson

sábado, 21 de novembro de 2020

Não sei

 

Não sei para que lado da noite me hei-de virar
onde esconder de ti o rio de fogo das lágrimas
quase a transbordar e acendo mais um cigarro
e falo atabalhoadamente de um futuro qualquer
e suspiro de alívio porque não ouves o que digo
ou se calhar também não sabes onde te esconderes
esperamos que se ilumine o lado certo da noite
é quando se esgotam as palavras e os silêncios
e a minha mão procura a tua que a recebe
e a noite se unifica e todos os rios secam
menos um por onde navegamos
para abolir a noite.

Autor : Carlos Alberto Machado

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

De súbito é o susto


De súbito é o susto
estampado no rosto
refletido no espelho
parado na garganta. 

Invasores transitam
pelo quarto
desrespeitam o sono
em furor incontido.
Colocam algemas
em pulsos inocentes. 

Contra palavras – há muros
contra lamentos, murros. 

Levam jovens na mira
de fuzis reluzentes. 

Autor : Lara de Lemos

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Tu não sabias

 


Tu não sabias que eu sei quanto sabias
Tu exibias o que em ti desconhecias

Porém, tu vias, pressentias
na magia das horas mais amargas
o ponteiro dos segundos com que vias
rodarem no sentido das palavras...

E no silêncio das horas se estendia
um carinho sinuoso, entorpecente,
um meigo sorriso que escorria
num rio de ternura languescente.

Tu não sabias... nem eu... nenhum de nós
que a vida esconde os seus segredos
nos silêncios da nossa própria voz
e no código de amor dos nossos dedos.

Autor : Fernando Peixoto

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Mapeamentos

 

Desenhava caminhos no corpo dela, como se fossem mapas.
Marcava a longitude como se cravasse ali, o coração. 

Em cada parte dela,
eu era e descobria caminhos na presença, nas pintas que a natureza riscava na pele dela. 

A sensação de conhecer cada centímetros da pele dela
me fazia delirar na doce e eterna delícia de amar. 

Mapear os contornos do corpo dela
e deixar ali as marcas das minhas digitais e encontrar a minha constelação. 

Rota, bússola e direção e o corpo dela caminho da minha perdição e redenção. 

Autora: Mariana Gouveia 
Foto: Elena Vizerskaya

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Varanda de Pilatos

Não há tempo. Há o espaço. O sol e as nossas voltas.
Os bocejos da lua, o clã dos astros.
Os buracos negros.
Ó mãe! Para onde foram os seres vivos de ainda
Há pouco em todo o seu esplendor?
Mortos como tu, a natureza recebe-os.
A Terra, essa criança atroz, destrói os seus brinquedos
Numa rotina mecânica.
Quantas noites me faltam? Quantos beijos no escuro?
Quanta luz me cabe ainda nas pupilas?
Os anos não me matam, não me ferem os meses,
As horas não me guilhotinam.
As células vão ardendo nos seus mapas
De nervos, o sangue demora sempre mais um pouco
A chegar ao seu destino orgânico.
Devagar, devagar, a cabeça amolece.
Devagar no colo do sono.
Ó mãe. Um ninho. Uma cama macia no teu ventre.
Uma exposição de sinais. Uma geometria
Que me liga ao saber acumulado.

Autor : Armando Silva Carvalho
in 'Sol a Sol'
Imagem: Mikael Aldo