Quase desisti
De germinar
Na infância
Do meu corpo
Intocado
Quase me esqueci
De florescer
... Quase não fui...
... Quase não quis...
Mas eis que em mim
Caiu
A água dos teus olhos
E na ressonância do teu nome
Me refiz
imagem : Jovana Rikalo
Aqui estão as minhas escolhas do que considero melhor em Poesia,Prosa Poética e Fotografia. Domingo é dia de trabalhos de minha autoria.
Quase desisti
De germinar
Na infância
Do meu corpo
Intocado
Quase me esqueci
De florescer
... Quase não fui...
... Quase não quis...
Mas eis que em mim
Caiu
A água dos teus olhos
E na ressonância do teu nome
Me refiz
sou poeta porque nasci só no orvalho das manhãs
e descobri nas palavras que explorei no silêncio
a explicação das coisas a razão da brancura
a vontade inexplicável de estar aqui
onde caí com as mãos presas e os olhos vendados
o corpo negro e nu descoberto ao longo dos montes.
sou poeta. gritei-o longe com a força da minha voz
e as valas fecharam-se e deixaram-me passar.
mantos azuis ventos fortes mares estranhos
céus límpidos tomaram conta de mim. sou poeta.
nasci só, no orvalho das manhãs, protegido
por flores
por bombas, por maldições e o meu corpo é uma haste
ou harpa ou arma, pedaço de pão, fogo, fome ou lanterna
brinquedo rodando nas mãos de jugos. sou poeta.
dêem-me o vosso arado. deixai-me cultivar vossas terras
áridas, vossos desertos secos. deixai-me soçobrar
nos vossos barcos náufragos. deixai-me criar epitáfios
fogueiras, lendas. deixai-me com os vossos filhos vagando pelas
montanhas, pela lã das ovelhas. pelas
ventanias. deixai-me construir um ruído mudo de silêncio
uma voz calada, mais vibrante que esta branda fala
para dizer-vos um poema sou poeta nasci rosa
no orvalho transparente das manhãs.
Autor :José António Gonçalves
Imagem: Victor Bauer
(in «Vinte Textos Para Falar de Mim», Col. Cadernos Ilha, Nº. 1, 1988)