sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Principe

katia chausheva

Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.
São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me

Autor : Ana Hatherly

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

do chão

elena shumilova

Precisava de falar-te ao ouvido
De manter sobre a rodilha do silêncio
A escrita.
Precisava dos teus joelhos. Da tua porta aberta.
Da indigência. E da fadiga.
Da tua sombra sobre a minha sombra
E da tua casa.
E do chão.

Autor : Daniel Faria
Poesia

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

enigma



No primeiro dia que saí contigo
disseste que o teu trabalho era estranho.
Mais nada. Todavia, eu sentia
a pele a rasgar-se como trapos
de cada vez que me tocavas com a mão.
E os teus olhos pareciam-me punhais
a fazer-me doer os meus.
Daí para a frente foi sempre a mesma coisa:
tu orgulhavas-te da tua arte,
mais subtil e directo em cada dia
e eu nunca percebia nada.
Mas agora sei. Já conheço o teu ofício:
Atirador de facas. A mais certeira
atiraste-ma ao coração.

Autor : Amalia Bautista

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Ecos

Steve Hanks

Procuro no âmago
de cada palavra ,
Ecos de um corpo ,
Já desnudado !
Em cada instante ,
Imprevisto , mergulho ,
No vale dos silêncios ...
Do outro lado dos espelhos ,
Emergem ,
Olhares cintilantes !
Os sons das árvores ,
Moldam o teu rosto .


autor : (Albino Alves )

domingo, 11 de setembro de 2016

procuro-te

Federico Erra

procuro-te (ainda)
no recanto da noite
quando o dia me desampara.

nem sempre te vejo
mas tu ainda vives em mim
e no meu respirar.

Autor : BeatriceMar

sábado, 10 de setembro de 2016

Que nenhuma estrela queime o teu perfil


Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Autor : Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

...

Anna O.
Todos te beijaram
…menos eu.
Todos te abraçaram
…menos eu
Todos te amaram
…menos eu.
Todos te possuíram
…menos eu.
Um dia tu partiste e todos te esqueceram
…menos eu.

Autor : César Alexandre Afonso 12/12/1998

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Não sabemos nada



Nunca saberemos se os enganados
são os sentidos ou os sentimentos,
se viaja o comboio ou a nossa vontade
se as cidades mudam de lugar
ou se todas as casas são a mesma.

Nunca saberemos se quem nos espera
é quem nos deve esperar, nem sequer
quem temos de aguardar no meio de um cais frio.

Não sabemos nada.

Avançamos às cegas e duvidamos
se isto que se parece com a alegria
é só o sinal definitivo
de que nos voltamos a enganar.

Autor : Amalia Bautista

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O quarto

eric zener

II

fogem-me as palavras, meu amor.
as palavras que em tempo foram nossas
e agora se colam ao tempo, às memórias.
o que fazer com o tempo que me cresce nas mãos?
o tempo que agora me percorre o corpo
e que antes nos fugia quando estávamos juntos.
o que fazer com o tempo
que me trouxe a tua ausência
e me envelhece, lentamente, a cada hora?

Autor : Paulo Eduardo Campos
in A Casa dos Archotes

domingo, 4 de setembro de 2016

Cara ou Coroa

Serge Marshennikov

Deixo-te
O segredo por desvendar
Do outro lado da porta

Se nunca a descerrares
Ficarás na eterna dúvida
E na incerteza

Talvez
O medo não te deixe
Voar no momento


Escolhe!

Autor : BeatriceMar

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

o poema

Lord Kevinz


às vezes o poema é como o nevoeiro da manhã
retarda-nos dentro de casa a triturar os sonhos
penetra-se nos ossos e na espinha
causa um calafrio intenso na boca
enquanto se não se põe de pé e se levanta
cega-nos com a fragilidade das palavras
mas faz música nas costuras do coração

Autor : João Manuel Ribeiro