sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Agradecimento

 

Eis que finda mais um ano.

O Ano de 2021 em plena pandemia, foi um ano violento e doloroso para o mundo inteiro, embora a ciência ao lado da saúde, minimizassem o que ainda podia ter sido pior.

Esperamos que o Ano novo de 2022 nos traga algum sossego e que daqui a pouco se possa trocar os afectos com mais segurança.

Para todos os meus amigos e seguidores deste espaço, que ao longo do ano tiveram a gentileza de me visitarem e deixarem as suas amáveis palavras, desejo um melhor e mais Feliz Ano Novo.

Bem hajam!

BeatriceM

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

...


Houve uma Ilha em Ti
Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.
Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.
Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.
A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Autor : Joaquim Pessoa , in 'Ano Comum'

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

...

 

tínhamos os olhos muito abertos.
queimávamos madrugadas de fio a pavio
e as aves desmanteladas que te dava para consertares
conheciam sempre finais felizes.

foram noites gigantes
a olhar pelo buraco da agulha
e a imaginar que do outro lado chegavam as mãos
e as bocas e os peitos.

ocupámos a casa inteira
e suturámos lentamente o coração.

agora estou dentro do sono.
um barco encalhado assinala esta tragédia
e já não sei como convocar os ventos e as marés.
as noites passam lentas e perseguem-me
como animais ainda por nomear.

Autor : Leonor Castro Nunes
Imagem : Natália Drepina

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Todas as minhas fontes vêm de ti

Todas as minhas fontes vêm de ti
As nascentes
E amo-te com a constância do moribundo que respira
Já sem saber de que lado o visita a morte
Procuro a ligação entre ti e a luz muito miudinha depois dos temporais
Entre a luz e os estilhaços nas ruas bombardeadas
Desconheço o colar onde unes tudo
Procuro entender como é que moldas
Os meus pés ao equilíbrio que os desloca no chão
Sei que és tu que me levantas
Que remendas o meu corpo cada dia
Em ti encontro a pulsação
Que rebenta - uma artéria como nunca
Tinha jorrado. Cratera onde durmo
Recluso, árvore à chuva
Em dificuldade extrema
De respiração
Ponho a cabeça entre os ramos, lanço os braços para fora
Como um pássaro entre um bando
De disparos
Tu moves as agulhas, tu unes de novo
As minhas asas à curva do céu

Autor : Daniel Faria
Imagem : Ilya Kisaradov

domingo, 26 de dezembro de 2021

Dizem ...

Dizem que ontem foi Natal
Eu já não sei bem o que é Natal
Há muitos anos eu gostava desse dia
Havia um quarto em que o presépio
Era enorme com muitas figuras
Luzes e até um riacho com água
E a árvore de Natal, cheia de ornamentos
Cheirava a verde e a alegria

Depois o meu pai morreu
Depois a minha mãe morreu

Ficamos órfãos e desprotegidos
E os Natais foram sucumbindo

Sei que o Menino Jesus nasceu em Belém
Numa gruta sem luz
Apenas iluminado pelas estrelas
Eu acredito que Ele nasceu
E que o perdão faz parte
Desse nascimento
Mas agora apenas sinto um vazio
E uma solidão tão descomunal
Que só quero que o dia passe depressa

Autor: BeatriceM 2021-12-26

sábado, 25 de dezembro de 2021

Para haver Natal este natal


Para haver Natal este natal
talvez seja preciso reaprendermos
coisas tão simples!
Que as mãos preocupadas
com embrulhos
esquecem outros gestos de amor.
Que os votos rotineiros que trocamos
calam conversas que nos fariam melhor.
Que os símbolos apenas se amontoam
e soltam uma música triste
quando já não dizem
aquela verdade profunda.

Para haver Natal este natal
talvez seja preciso recordar
que as vidas começam e recomeçam
e tudo isso é nascimento (logo, Natal!).
Que as esperanças ganham sentido
quando se tornam caminhos e passos.
Que para lá das janelas cerradas
há estrelas que luzem
e há a imensidão do céu.

Talvez nos bastem coisas afinal
tão simples:
o alento dos reencontros
autênticos,
a oração como confiança
soletrada,
a certeza de que Jesus nasce
em cada ano,
para que o nosso natal alguma vez, esta vez,
seja Natal.

Autor : P. José Tolentino Mendonça

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Falavam-me de amor

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Autor : Natália Correia, in “O Dilúvio e a Pomba”

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Quando eu der à costa


Quando eu der à costa
gostava que fosses tu
à minha espera
à minha procura
os teus olhos como faróis em flor
e palavras inúteis de amor.

Autor : Raquel Serejo Martins

Foi para isso que os poetas foram feitos

semear tempestades
e assegurar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos

esgrimir com a mais idónea
das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos

namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos

Autor : A.M. Pires Cabral

Resumo: A poesia em 2012 [de A vista desarmada, o tempo largo], org. de Armando Silva Carvalho, José Alberto Oliveira, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas, Documenta/Fnac, Lisboa, 2013.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Salmo,

 


Ninguém nos moldará de novo em terra e barro,
ninguém animará pela palavra o nosso pó.
Ninguém.

Louvado sejas, Ninguém.
Por amor de ti queremos
florir.
Em direcção a ti.

Um Nada
fomos, somos continuaremos
a ser, florescendo:
a rosa do Nada, a
de Ninguém.

Com
o estilete claro-de-alma,
o estame ermo-de-céu,
a corola vermelha
a purpúrea palavra que cantámos
sobre, oh sobre
o espinho.

Autor : Paul Celan
(tradução de Yvette Centeno e João Barrento)
Imagem -Alexei Antonov

domingo, 19 de dezembro de 2021

Recolho pétalas

 

Recolho pétalas da roseira do jardim,
com que decoro a cama,
quando idealizo que ainda te estendes nela,
entre ilusões e realidades,
sou prisioneira deste amor,
e do desejo inextinguível,
que abrasa em sigilo,
pelas noites que não (nos) tivemos.

Autor : BeatriceM 2021-12-18

sábado, 18 de dezembro de 2021

O último recado antes do Inverno

O tempo vai passando. Vamos morrendo devagar,
subindo o rio, descansamos sob os choupos,
as vinhas escurecem com a luz do dia.

Muitas vezes, nesta altura do ano, não chega a amanhecer,
a água do rio turva rente às margens,
os areais prolongam-se, claros demais, brancos.

O tempo vai passando entre a erva,
emudece como o musgo do Outono nos pinhais,
escuta as vozes poisando mais além, entre os canais

onde a morte aguarda, serena. Amo estas árvores,
é o último recado que gostaria de deixar,
mais que as mulheres que me amaram,
ou que amei. O tempo vai passando devagar.

Autor : Francisco José Viegas
Imagem : Adam Bird

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

As portas que batem…

 

As portas que batem
nas casas que esperam.

Os olhos que passam
sem verem quem está.
O talvez um dia
Aos que desesperam.
O seguir em frente.
O não se me dá.
O fechar os olhos
a quem nos olhou.
O não querer ouvir
quem nos quer dizer.
O não reparar
que nada ficou.
Seguir sempre em frente
E nem perceber.

Autor :  Maria Judite de Carvalho
Imagem : Tina Spratt

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

CF

Nos teus lábios a noite
descreve um arco.
É o ciclo da melancolia
que se fecha.
Talvez não regresse.
Por outros sinais
lamentaremos a beleza
que, nos teus lábios,
a noite fez cessar.

Autor : Luís Quintais, in 'Lamento'
Imagem : Adam Bird

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Narcisista

Como aprender a me achar
sem me perder?
O reflexo não me explica,
apenas me consome
e me prende.

Uno-me tanto a mim
que meus átomos se juntam
ao meu reflexo.

Como Narciso,
acho-me
no reverso, no inverso,
no espectro que me devora.

Quando me perco,
é quando me encontro.

Autor : Solange Firmino
(No livro “Fragmentos da insônia”)

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

o relógio da estação marcava



o relógio da estação marcava
dezanove e quarenta

um alto e entroncado homem
sorria de um dos lados da linha

todos os dias

do outro sorria uma mulher
com os seus dezanove
e quarenta anos

a reter, os brincos da mulher
estridentes de silêncio

e as botas dele
invulgarmente mudas

a dilecção dela
eram homens pontuais

a dele mulheres
sorridentes ao silêncio

dia dezanove de um mês
invernoso
do ano de quarenta

de um lado da linha
não havia vislumbre
de mulher ou homem

e do outro
também não

Autor : Nuno Travanca

domingo, 12 de dezembro de 2021

Não me esqueci de ti …

 

Não me esqueci de ti, nem do mar, nem do caminho que me leva todos os dias para a rua da praia, mesmo em dias inóspitos.

É uma catarse que ninguém consegue entender, nem é preciso, são coisas minhas e da minha génese. De todas as cicatrizes que tenho no interior de mim.

Há dias em que sei que tenho de esquecer o caos que ainda existe em todo o meu corpo, depois de tudo.

Foste a bonança e depois o caos, mas foi libertador e também doloroso.

Não me esqueci de ti.

Nunca !

Autor : BeatriceM 2021-12-11

sábado, 11 de dezembro de 2021

..


Tudo muda
quando um verso rebenta
nos lábios
certos

Autor : Gil T. Sousa
Imagem :Nastia Fortune

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Amor


O amor! O amor! Ninguém o definiu.
É sempre o mesmo. Acaba onde começa.
Quem mais o sente menos o confessa,
e quem melhor o diz nunca o sentiu.

Conhece a todos mas ninguém o viu.
Se o procuramos, foge-nos depressa.
Se o desprezamos, todo se interessa,
só está presente quando já fugiu.

É homem feito sendo criança.
E quanto mais se quer menos se alcança,
ninguém o encontra, e em toda parte mora.

Mata a quem dele vive. É sempre assim.
Só principia quando chega o fim,
morreu há muito e nasce a cada hora.

Virginia Vitorino
Imagem Laura Makabresku

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A conferência improvisada

 

Minhas Senhoras e meus Senhores:

Mulheres e homens são as duas metades da humanidade – a metade masculina e a metade feminina.

Há coisas inteiras feitas de duas metades e aonde não se pode cortar ao meio para separar essas duas metades. Exemplo: a humanidade com a metade masculina e a metade feminina. São duas metades que deixam, cada uma, de ser uma metade se não houver a outra metade.

A linha que passa por entre estas duas metades é parecidíssima com o ar por dentro de uma esponja do mar, seca.

Autor : José de Almada Negreiros

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

...


Quando deitados somos
do que dizemos
nos carreiros e cheirarmos mais
a presença vertical da água
quando aceitamos

o degredo mútuo
o silêncio humano
na cópula das árvores
e o poema pede-nos
(em que rua moras
nesta cama?)
e não há palavras.

Autor : Catarina Mendes de Almeida
Imagem Tina Spratt

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Hoje que me sinto

hoje que me sinto
perfeitamente morto,
seria o bom momento de romper
a membrana celeste, implacável de azul,
sair, independente, para o lugar de pensamentos
lúcidos, quase reais! mas

fico preso à gangrena, o precioso
lugar dos músculos na carne,
e a memória do prazer mistura-se ao redondo
fio do horizonte;
não estou, afinal, senão vazio de todos os corpos,
apenas alheado das maquinações e dos
encontros. Deixo ficar a paisagem como está,
quando não olho é que as árvores se iluminam por dentro.

Autor : António Franco Alexandre
Imagem: 

domingo, 5 de dezembro de 2021

busco refúgio


busco refúgio no silêncio
e nas paredes da casa,
a explicação para a ausência,
que fizemos de nós,
questiono-me onde estarás,
que só te vejo nas neblinas,
das minhas noites de vigília,
e no frio das madrugadas,
que se inviscerou em mim.

Autor : BeatriceM 2021-11-09
Imagem : Tina Spratt

sábado, 4 de dezembro de 2021

Não tenho certezas

 

Não, não tenho certezas.
Se era esse o canto que vos atraía,
Deixai-me só nesta melancolia
De baixo, aberto e liso descampado
Quero viver, quero morrer, e quero
Que ao fim a soma seja um grande zero
Do tamanho da ardósia... E apagado.

Mas são desejos da fisiologia...
Vagas aspirações do dia-a-dia
Duma bilha de barro
Que não vale um cigarro
Que se fuma.
Não, não tenho certezas;
Tenho bruma.

Autor : Miguel Torga
Imagem :Laura Makabresku

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Ida e Volta

 


Quando nos encaminhamos para o amor
todos vamos ardendo.
Levamos amapolas nos lábios
e uma centelha de fogo no olhar.
Sentimos que o sangue
nos golpeia as têmporas, as pelves, os pulsos.
Damos e recebemos rosas vermelhas
e vermelho é o espelho do quarto na penumbra.

Quando voltamos do amor, vagarosos,
desprezados, culpados
ou simplesmente estupefatos,
regressamos muito pálidos, muito frios.
Com olhos e cabelos envelhecidos e o número
de leucócitos nas alturas,
somos um esqueleto e sua derrota.

Porém continuamos indo.

Autor : Amalia Bautista
Imagem : Aykut Aydogdu

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Nesgas do Azul

 

Não sei se a tua voz, ou se o murmúrio
do fim da tarde que se ouvia quase
como uma gota d'água que tombasse
em calmo lago ali alheio e mudo.

Nossos olhos retinham o crepúsculo
que lentamente audaz se aproximava
e pelo céu ainda alavam pássaros
que sulcavam as nesgas do azul.

Foi um momento singular aquele
em que os sentidos todos reunidos
apelavam ao gozo do silêncio:

um instante perene de certeza
de que era fogo aquilo que vivíamos,
que não se via: bramidor ardendo.

Autor :António Salvado
Imagem : Ilya Kisaradov

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Cristais

 

Inundada
de mar
diz-me se sou feliz
antes que o descubra
tarde de mais.

Autor : Maria José Meireles
Imagem : Paul Kelly

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Com a Minha Mão


Com a minha mão que ainda escrevia, toquei a
sua face
e estremeci.

Quebraram-se os cálices, os espelhos, as lâmpadas
que iluminavam a minha idade,
a minha vida.

Alguém gritou, de repente,
e a sua voz profunda golpeou para sempre o
adormecimento das casas.

O cisne disse a última palavra no lago à
deriva,
e o tigre preparou o salto quando nos seus
olhos se acenderam dois archotes.

Os cordeiros do quinto mês
procuraram, em pânico, os redis do anoitecer.

Com a minha mão que ainda ardia, toquei
a sua lã,
que mais tarde teria a cor do sangue,
a cor do medo na sua alma.

Caminhei pelos campos vermelhos,
pouco depois do extermínio.
Parei, perplexo, sem dizer nada,
sem ser capaz de olhar outra vez o coração das
trevas.

Estás perdido, ouvi ao longe,
à saída da floresta,
estás perdido nos labirintos que te perseguem
durante o sono.

Com a minha mão que ainda arde, escrevo,
esqueço,
sou aquele que parte.

Autor _: José Agostinho Baptista In Esta Voz É Quase o Vento
Imagem :Maria Magdalena Oosthuizen

domingo, 28 de novembro de 2021

Recolhimento

 
Nada me leva a sair deste círculo,
em que esquecida de todos me isolei,
nesta casa tão perfeita,
e tão quebrantada de afectos,
daqui a dias, é novamente Natal,
para mim será apenas mais um dia,
como todos os outros,
em que a saudade e a solidão,
estarão comigo de mãos dadas.

Autor : BeatriceM 28-11-2021
Imagem :Erika Hopper

sábado, 27 de novembro de 2021

Perder a manhã

 


Perder a manhã
assim:
no eco profundo
do verdilhão distante
caindo doce
como cascata de flores

no voo enlaçado
de duas borboletas
enamoradas

na dança lenta
de ramos floridos
cedendo à sedução
da brisa

Perder assim
a manhã e o corpo
deixando um sorriso
ganhar asas
e pela graça do sol
ser malmequer de luz

Autor : Pedro BeloClara

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O Passado


Débil luz surgindo no céu
de súbito entre
dois galhos de pinheiro, as finas agulhas

recortadas agora sobre a superfície radiosa
e acima disto
o alto céu emplumado –

Cheira o ar. Este é o cheiro do pinheiro branco,
sobretudo intenso quando o vento passa por ele
e o som que faz é igualmente bizarro,
como o som do vento num filme –

Sombras movendo-se. Produzem as cordas
o som costumeiro. O que ouves agora
será o som do rouxinol, chordata,
o pássaro macho a cortejar a fêmea –

As cordas agitam-se. A rede
balouça no vento, bem
amarrada entre dois pinheiros.

Cheira o ar. Este é o cheiro do pinheiro branco.

É a voz da minha mãe que ouves
ou tão-só o som que fazem as árvores
quando o ar passar por elas

pois que som faria
o passar por nada?

Autor : Louise Glück
Imagem :Julian Calverley

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

PLÁTANOS



Depois de ter fechado tudo, abro de novo a porta
e corro, cambaleante, para a vazia escuridão
assusta-me a certas horas a companhia
do que não adormece
a resistência disso
que permanece no nosso espaço
movido por outras forças

Mas também acontece acender primeiro a luz
e só depois sentir um medo louco da casa que me acolhe
dos seus redemoinhos imperceptíveis
que julgo cada vez mais perto
como se estivesse para ser morto
às mãos do próprio Deus

Não sei bem acordar vivo destas coisas:
por vezes aproveito o ruído do entardecer e grito muito alto
ou deixo-te um instante só (um instante só)
para fechar os olhos que tanto ardem
ou atiro das margens folhas ao rio
para medir o tempo de uma vida
a naufragar

Autor  :José Tolentino Mendonça

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Podias obedecer a um registo de perder

  

Podias obedecer a um registo de perder
o respeito, levantar a saia se a tivesses,
alçar a perna se cão fosses, mandar à merda
quem vem socorrer-te da vida e te decepa os dedos.

Com um rigor de artilharia que amortece o cansaço,
o combate quase sereno. De vez em quando,
fazes a conta de cor e dizes apesar de tudo, inspiras-me,
e não queres saber muito mais do que isto.

Estás na vida com na montra alguns relógios,
parado, e pensas numa sepultura no mar, tudo
menos esta terra, tudo menos uma corda, tudo menos
viver a pulso e ter de sacudir a chuva contra o casaco.

Os dias sem prognóstico, vivendo apenas para
esperar a madrugada, e que ela venha como cortejo
e aprendas a ficar.

Autor :  Marta Chaves
Imagem : Annegien Schilling

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Gosto das noites frias de inverno

 


Gosto das noites frias de inverno
quando não estás. Escuto
canções de homens cansados de cantar
e vejo como a solidão
se dispersa no fogo lento da lareira.
Ou releio poemas que me falam das águas
do coração e das suas marés,
amontoo pratos e talheres no lava-loiça,
abro a última garrafa
de um vinho precioso.

Nas outras noites de inverno,
quando estás, nada de semelhante acontece.
A casa mantém-se sóbria, silenciosa,
perplexa. Por isso, desligo as luzes
e ponho-me a seguir os traços
contínuos do teu rosto no escuro,
depois da morte de deus
parece impossível mas a luz irrompe ainda
onde nenhum sol brilha.

Autor : Luís Filipe Parrado
Imagem : christiane vleugels

domingo, 21 de novembro de 2021

Anotações


Desaprendi, tanta coisa que não queria ter aprendido
nem experimentado
agora porta de casa já não fica destrancada
e cá dentro o frio é cada vez maior
mesmo que o aquecedor esteja ligado.

Penso que por vezes uma palavra apenas
me aqueceria senão o corpo
pelo menos o coração
mas tudo o passado levou
e nem migalhas deixou.

Ainda tenho a TV,
a gata sabes, morreu um dia destes!

Autor : BeatriceM 21-11-2021
Imagem : Christine Elgger

sábado, 20 de novembro de 2021

Dá-me a tua mão



Dá-me a tua mão.
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão,companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.

Autor : José Gomes Ferreira
Imagem António Macedo (Pintor)

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

50 anos

 

Talvez escreva
poemas
que já li
que outros já escreveram
que eu mesma já escrevi
esqueço-me
da minha vida

Autor : Adilia Lopes
Imagem : Natasha Bieniek

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Sonhos Irreais


Dentro da noite, meu sonho voa sem destino
Sem rumo, procurando no além encontrar-te
Sem descanso, num trilho duro, clandestino
A fim de doar meu coração que quer amar-te

Sonha o meu coração durante noites serenas
Embora sangrando pelas feridas da saudade
Fantasias das noites tranquilas e tão amenas
Girando na utopia, das palavras de verdade

Nesse sonho, meu coração, sente-se amante
De um outro coração que por douto instante
Surge no sonho mas já perdeu a razão de ser

Porque se tem que sonhar um anseio irreal
Quando é um pesadelo e nos gera tanto mal
E se acorda sentindo nosso coração a sofrer

Autor :  R y k @ r d o
https://pensamentosedevaneiosdoaguialivre.blogspot.com/
Imagem : Alexei Antonov