Acordei com os primeiros pássaros,
já minha lâmpada morria.
Fui até à janela aberta e sentei-me,
com uma grinalda fresca
nos cabelos desatados...
Ele vinha pelo caminho
na névoa cor de rosa da manhã.
Trazia ao pescoço
uma cadeia de pérolas
e o sol batia-lhe na fronte.
Parou à minha porta
e disse-me ansioso:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, belo caminhante,
sou eu.
Anoitecia
e ainda não tinham acendido as luzes.
Eu atava o cabelo, desconsolada.
Ele chegava no seu carro
todo vermelho, aceso pelo sol poente.
Trazia o fato cheio de poeira.
Fervia a espuma
na boca anelante dos seus cavalos...
Desceu à minha porta
e disse-me com voz cansada:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, fatigado caminhante,
sou eu.
Noite de Abril.
A lâmpada arde neste meu quarto
que a brisa do Sul
enche suavemente.
O papagaio palrador
dorme na sua gaiola.
O meu vestido é azul
como o pescoço dum pavão,
e o manto verde como a erva nova.
Sentada no chão, perto da janela,
olho a rua deserta ...
Passa a noite escura
e não me canso de cantar:
— Sou eu, caminhante sem esperança,
sou eu.
Autor : Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões
Imagem ; TJ Drysdale
1 comentário:
Que coisa mais linda e melancólica! 🌙✨
Esse poema é um sussurro ao tempo, um canto calado de espera e identidade não revelada. Há nele a doçura da esperança e a dor do silêncio — uma mulher que se reconhece no amor, mas que não é reconhecida de volta.
A repetição do “sou eu” em cada cena é de cortar o coração, como se o poema todo fosse uma dança entre o desejo de ser vista e o medo de se mostrar.
É lírico, cinematográfico, quase uma peça de teatro muda, onde tudo é emoção represada — da grinalda fresca aos cavalos cansados.
A solidão aqui não é só ausência do outro — é o sentimento de invisibilidade diante da própria essência.
E a última estrofe? Um canto de quem aceita o não-acontecer, mas ainda assim canta. Porque amar, mesmo sem ser vista, também é existir.
Belíssimo, delicado, e ao mesmo tempo devastador.
Parabéns por essa joia de sentimento contido em palavras.
Abraços,
Dan.
https://gagopoetico.blogspot.com/2025/04/vale-tudo.html
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