quarta-feira, 30 de abril de 2025

Escrevia à mão a cidade.

Habitava da cidade
os lugares mais pequenos.

Limpava-lhe o pó,
pintava-lhe os cabelos,
escondia-lhe as rugas
(chegava mesmo a deitar-se
ou a deitar areia sobre as ruas
abertas).

Às vezes chorava-lhe no centro
a ausência,
ou matava-lhe os homens
que corrompiam os homens.
Por fim,
esquecia-lhe as feridas.

Escrevia à mão a cidade
e a cidade escrevia-se
sobretudo
no cinzento
no esquecimento.

Eram tão simples as palavras
da cidade,
mas complexos os amigos
que dela habitavam
os lugares mais pequenos.


Autora : Filipa Leal
 in ‘Talvez os Lírios Compreendam‘, Cadernos do Campo Alegre, 2004.
Imagem : Pinterest

1 comentário:

brancas nuvens negras disse...

Eis um poema com conteúdo. A poesia é para pensar.