quarta-feira, 16 de abril de 2025

Luto


Que farei agora com as dores tépidas
que me consomem os ossos do entendimento?

Que farei com tantos gritos atirados
ao esquecimento agora que a garganta é
um crivo deformado e a voz uma depressão
incómoda na sequência dos significados?

As esperas inacabadas, os equívocos das mãos
abertas para nada, que farei eu com elas?

Porque não escrevi todos os poemas quando
o mundo era ainda um lugar belo e perfeito,
quando o meu coração era ainda inteiro
e virgem, quando tinha ainda os olhos limpos
de tanto mal?

Que farei agora com as cinzas do meu peito?
Onde vou eu sepultar as alegrias mortas?

Autor : Virgínia do Carmo
Imagem : Anka Zhuravleva

1 comentário:

Dan André disse...

Beatrice, que escolha poderosa… esse poema da Virgínia do Carmo é um grito abafado em forma de elegância. Cada verso carrega uma dor que parece antiga, mas ainda pulsa — como se o coração escrevesse com os próprios cacos. A pergunta "Que farei agora?" ecoa como quem tenta varrer as ruínas da esperança com as mãos nuas. E essa sensação de ter perdido o timing dos poemas, de não ter dito tudo quando o mundo ainda tinha cor... me atingiu em cheio. É belo, melancólico, e estranhamente reconfortante saber que outros também tentam sepultar alegrias que já não cabem mais no peito. Obrigada por trazer essa pérola de dor e beleza.

Abraços fraternos,
Dan
https://gagopoetico.blogspot.com/2025/04/receita-de-um-caos-controlado.html