sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Canto do nascimento

 

Aceso está o fogo
prontas as mãos 

o dia parou a sua lenta marcha
de mergulhar na noite. 

As mãos criam na água
uma pele nova 

panos brancos
uma panela a ferver
mais a faca de cortar 

Uma dor fina
a marcar os intervalos de tempo
vinte cabaças deleite
que o vento trabalha manteiga 

a lua pousada na pedra de afiar 

Uma mulher oferece à noite
o silêncio aberto
de um grito
sem som nem gesto
apenas o silêncio aberto assim ao grito
solto ao intervalo das lágrimas 

As velhas desfiam uma lenta memória
que acende a noite de palavras
depois aquecem as mãos de semear fogueiras 

Uma mulher arde
no fogo de uma dor fria
igual a todas as dores
maior que todas as dores.
Esta mulher arde
no meio da noite perdida
colhendo o rio 

enquanto as crianças dormem
seus pequenos sonhos de leite. 

Autor : Ana Paula Ribeiro Tavares
Imagem :Victor Bauer

3 comentários:

Mário Margaride disse...

Belo e sentido poema! Onde o poeta divaga, pela essência de ser mulher...
Gostei muito. Parabéns á autora!
Votos de um ótimo fim de semana, com muita saúde!
Beijinhos!

" R y k @ r d o " disse...


Poesia fascinante em sublime relevância. Maravilhoso de ler.
.
Abraço
Cuide-se
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Cidália Ferreira disse...

Uma partilha maravilhosa!!
-
A voz que me afaga e endoidece
.
Beijo, e bom fim de semana.