sábado, 11 de junho de 2016

Personagem

Ezgi Polzt

Teu nome é quase indiferente
e nem teu rosto já me inquieta.
A arte de amar é exactamente
a de se ser poeta.

Para pensar em ti, me basta
o próprio amor que por ti sinto:
és a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença
é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto é que pensa
o olhar de todas as saudades.

Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silêncio, obscuro, disperso.

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu só conheço a tua ausência.

Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.


Autor : Cecília Meireles
in 'Viagem'

2 comentários:

Majo Dutra disse...

~~~
Gosto muito de Cecília Meirelles,

Leio-a sempre com muito carinho,

Beijinho.
~~~~~~

Pa
Devia deixar umas palavras amáveis
aos seus leitores, ainda que fosse
apenas, de vez em quando.

Mar Arável disse...

Os poetas são assim
veem de olhos fechados