terça-feira, 8 de junho de 2021

O Livro Fechado



Quebrada a vara, fechei o livro
e não será por incúria ou descuido
que algumas páginas se reabram
e os mesmos fantasmas me visitem.
Fechei o livro, Senhor, fechei-o,

mas os mortos e a sua memória,
os vivos e sua presença podem mais
que o álcool de todos os esquecimentos.
Abjurado, recusei-o e cumpro,
na gangrena do corpo que me coube,

em lugar que lhe não compete,
o dia a dia de um destino tolerado.
Na raça de estranhos em que mudei,
é entre estranhos da mesma raça
que, dissimulado e obediente, o sofro.

Aventureiro, ou não, servidor apenas
de qualquer missão remota ao sol poente,
em amanuense me tornei do horizonte
severo e restrito que me não pertence,
lavrador vergado sobre solo alheio

onde não cai, nem vinga, desmobilizada,
a sombra elíptica do guerreiro.
Fechei o livro, calei todas as vozes,
contas de longe cobradas em nada.
Fale, somente, o silêncio que lhes sucede.

Autor : Rui Knopfli, in "O Corpo de Atena"

3 comentários:

- R y k @ r d o - disse...

.Poema soberbo. Lindíssimo de ler.
.
Abraço de amizade poética.
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

brancas nuvens negras disse...

Um grande poema de um grande autor. Muito bem escolhido, merecida homenagem a que me associo.

Cidália Ferreira disse...

O poema é magistral .. Obrigada pela partilha!! :))
-
Não deixarei o meu silêncio denunciar
-
Uma excelente noite
Beijos