sou poeta porque nasci só no orvalho das manhãs
e descobri nas palavras que explorei no silêncio
a explicação das coisas a razão da brancura
a vontade inexplicável de estar aqui
onde caí com as mãos presas e os olhos vendados
o corpo negro e nu descoberto ao longo dos montes.
sou poeta. gritei-o longe com a força da minha voz
e as valas fecharam-se e deixaram-me passar.
mantos azuis ventos fortes mares estranhos
céus límpidos tomaram conta de mim. sou poeta.
nasci só, no orvalho das manhãs, protegido
por flores
por bombas, por maldições e o meu corpo é uma haste
ou harpa ou arma, pedaço de pão, fogo, fome ou lanterna
brinquedo rodando nas mãos de jugos. sou poeta.
dêem-me o vosso arado. deixai-me cultivar vossas terras
áridas, vossos desertos secos. deixai-me soçobrar
nos vossos barcos náufragos. deixai-me criar epitáfios
fogueiras, lendas. deixai-me com os vossos filhos vagando pelas
montanhas, pela lã das ovelhas. pelas
ventanias. deixai-me construir um ruído mudo de silêncio
uma voz calada, mais vibrante que esta branda fala
para dizer-vos um poema sou poeta nasci rosa
no orvalho transparente das manhãs.
Autor :José António Gonçalves
Imagem: Victor Bauer
(in «Vinte Textos Para Falar de Mim», Col. Cadernos Ilha, Nº. 1, 1988)
3 comentários:
........ POEMA BRILHANTE ... IMAGEM MARAVILHOSA ...
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Feliz fim-de-semana … cumprimentos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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A eterna questão para a qual não há resposta.
Um abraço
Um poema cheio de brilhantismo! :)
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Sonhei ser o calafrio do momento ...
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Beijos, e um excelente fim de semana..
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