quinta-feira, 24 de junho de 2021

Perdi-me por amor

Perdi-me por amor,
fui aquele que procurava a casa do coração e
a luz, mas agora,
prisioneiro da bruma, junto ao altar,
penso
nas manhãs em que voava para longe,
ao lado dos irmãos.

Penso em quase todas as flores que vi nos
canteiros do céu,
penso nas mãos que estendiam as formas do
centeio e do trigo
para a minha boca.

E os meus olhos que viram os deslumbrantes
cristais do mundo
baixaram as suas pálpebras sobre a noite da
terra,
sobre os sepulcros abertos.

Não sei onde sepultarão os meus ossos,
onde soltarão ao vento as minhas cinzas.
Sei apenas que perdurarei no murmúrio dos
teus lábios
e nas pedras onde me sentei e chorei.

Pouco tempo me resta para contar aos filhos
que não tive
o fulminante desejo das viagens.
E hoje,
entre estas quatro paredes de cal mutilada,
quando chove por dentro, para sempre,
só te posso dizer adeus.

Autor : José Agostinho Baptista
In: Esta voz é quase o vento
Imagem : Moritz Aust

2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Deslumbrante poema. Sublime fascínio poético que me deliciou ler.
.
Cumprimentos poéticos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Cidália Ferreira disse...

Parabéns pelo excelente poema que partilhou connosco! :)
.
Numa saudade que só tu sabes a dor
.
Beijos, e um excelente dia.