Apanhar um lugar a esta hora é uma sorte, poder olhar
pela janela e fingir que tenho imunidade diplomática,
que estou de lá do vidro com o hálito das folhas, o sabor
a hortelã e um ar fresco interrompido pela velha senhora
a quem cedo o assento e um sorriso enquanto me agradece
de nada, de ir agora em pé empurrada, de cá do vidro
a apanhar uma overdose de realidade com o bafo quente
do homem gordo na minha orelha, com a mão livre
apertada contra o peito, contra o visco da hora apinhada
na minha pele pública, na minha pele de todos.
No banco em frente uma mulher afaga a neta com o sorriso
doce e cansado, os olhos brilhantes, a candura intacta
toma-me toda como se eu fosse um anjo
descendo à terra com um corpo real para que a minha pele
receba a dádiva da tua, aceite os cheiros de um dia de
trabalho,
o calor excessivo, a proximidade insustentável e leia no teu
rosto
cada mandamento nos solavancos que nos atiram uns para
os outros. No teu rosto ã hora de ponta aprendo a compaixão
até sair na próxima paragem com um suspiro de alívio.
Autor : Rosa Alice Branco
in 'Da Alma e Dos Espíritos Animais'
2 comentários:
Bea,
Conforme fui lendo
fui me vendo nas imagens
que o texto desenhava e foi
um fatástico momento de epifania.
Adorei essa viagem!
Bjins de sexta feira
CatiahoAlc. do Blog Espelhando
http://frasesemreflexos.blogspot.com/
Olá:- Sedutor e maravilhoso poema.
.
Cumprimentos poéticos
*** Caminhar de mãos dadas, contigo ***
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