quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Corpo de Mulher

A pele

os olhos densos
húmidos do reflexo da lua

o corpo acolhedor
materno-terno

a boca que de tão macia
se torna água

e o regaço morno
onde as mãos
um vago odor
a canela
repousam.

Autor : Angela Leite In Metáforas spbre o amor Pág 61

Foto: anchor

domingo, 12 de dezembro de 2010

Gostava de ser o espelho que te olha



Ainda persiste, onde te disse adeus, aquele terrífico espaço tão lúgubre. Eu nunca digo essa palavra. Mas nesse dia, disse! Fazia frio. Esse adeus não foi definitivo, mas é o mesmo frio que me acompanha desde então. Nunca será definitivo, enquanto um de nós viver.

Respiro, imóvel, o ar da manhã cheia de nevoeiro. Sabes, há vida na laranjeira porque as flores querem desabrochar. Sinto que as pétalas me sobrevoam e os meus cabelos rebeldes esvoaçam numa luxúria alucinada de voos lunáticos. No fundo do poço há águas espantadas, sem patos a nadar, já não existem. O vento, agora, penteia-me no términos de um sono que me avassalou pelas colinas de um tempo embriagado, que me acaricia na leveza em forma de espelhos líquidos, que me percorre numa fracção de tempo esgotado, que me abraça nas asas em que me transporto para além de mim e do (teu) espelho em que te contemplas pelas manhãs.

Gostava de ser o espelho que te olha, logo pela manhã, antes de saíres para o dia agitado. Para de ti guardar os olhares, os cheiros, as cores. Tudo numa miscelânea que tu nem ninguém pode entender.
.
Foto:Marta Ferreira olhares com

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Paixão


Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos
situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos
erguer entre eles uma parede e abrir
depois caminho à água.

Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia
de súbito em profundas minas, a memória
das suas mais lonquínquas galerias
extrai aquilo de que é feito o coração.

Ficávamos no quarto, onde por vezes
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior
paixão que pelo coração se chega à pele.
Não há então entre eles nenhum desnível.

Autor:Luís Miguel Nava
Foto:
Jowita Kubowicz

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A palavra

Ah como eu queria
encontrar a palavra
que mesmo calada
tivesse a força
de ser tudo
sem dizer nada


Autor: Isabel Solano, in Errância 15-11-207
Foto:netiee

sábado, 4 de dezembro de 2010

A voz


Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido

os dedos que me
vogam
nos cabelos

e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los...

Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos...

Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens

Autor:Maria Teresa Horta
Foto:Petrus olhares com

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

?

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dôr me fere, em busca d’um abrigo;
E apesar d’isso, crês? Nunca pensei n’um lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito,
Como a esposa sensual do Cântico dos Cantos

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua côr sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de vêr esse sorriso
Que me penetra bem, como esse sol de inverno.

Passo contigo a tarde, e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jámais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo.
Eu não sei que mudança a minha alma presente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
.
Autor:Camilo Pessanha
In «Clepsydra», Relógio d’Água
Foto:Marysia.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sonhei contigo


Sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes tu, a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefacção de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituisse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer ao amor,
quando entre mim e ti se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que faz com que
a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.
.
Autor: Nuno Júdice
Foto: PA weł

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O medo


O medo é uma brasa a arder no coração das flores
mata de sede como as searas que a chuva abandona
e o chão abre-o em fendas para que o pranto
lhe regue a colheita de mágoas.
O medo é um cardo
teve o cheiro do nardo e a sombra do trigo
antes de ser semente enlouquecida
na agonia de germinar e ganhar raíz em terra de ninguém.
O medo tem dedos como ferros
apertados na garganta sem palavras.
.
Foto:Żaba-Ewa

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Escrevo pássaros e nada sei


Escrevo pássaros e nada sei
do corpo deles nem das suas
inclinações – nada sei do amor
tão pleno de falsificações. Se canto,
se escrevo assim às escuras da noite
do meu lençol
é porque não sei incorporar
os ruídos, as veredas da casa
nem olhar para o lado
e ver por dentro
o rosto da amada, o sono
da filha – os ritmos da morte
que dão e só eles são
sabor
à passagem do tempo.


Autor :Casimiro de Brito in «Livro das Quedas

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Há quem diga


Há quem diga
que o poema só vale uma ilusão
de salvar do naufrágio a certeza
arrumada além-mar do coração.
.
Há quem jure
que a alegria vale menos que a pobreza
de carpir a presença da saudade
no sorrir macilento da tristeza.
.
Também dizem
que um poeta só vale a ingenuidade
a cuidar que é verdade o seu amar
sem julgar o que é falso ou realidade.
.
Ainda assim,
é no todo que eu busco o meu trovar
sem banir a contenda que me assola
no silêncio dos cantos por achar.

.
Autor:Nilson Barcelli http://nimbypolis.blogspot.com/
Foto:dgadzik

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

desilusão

gritei
mas ninguém
me ouviu
chamei
ninguém
respondeu

chorei
e enterrei
o sonho que me morreu



Autor:Vieira da Silva
In Marginal Pág.17
Foto: Kuszący

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

DÉDALO DE BRUMAS

Só queríamos um espaço
rasgado
onde fosse possível voar
sem olhar os pássaros
um silêncio de pavio
a preto e branco
um qualquer infinito
onde cruzássemos outros timbres
e fossemos a última folha
do outono
em pleno voo


Só queríamos afagar a nudez
em todos os póros
e foi tão pouco
que ainda hoje te procuro
neste dédalo de brumas
precisamente
no lado incerto do espelho
onde me dispo.
.
Autor: mar arável http://mararavel.blogspot.com/
Foto:mAja

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quando eu morrer


Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.
.
Autor :Maria do Rosário Pedreira
Foto:- anchor

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Tempo de Vésperas...



busco antigos sinais e exorcizo o tempo
e as entranhas da palavra que soltam o grito
e a noite com seu manto estrelado...

calam-se os nomes que soletro!...

bem sei que o galo canta noutro ritmo
que (me) dizem diurno - apenas adornos coloridos
e um céu estranho...

a alvorada não lhe pertence
nem decifra as cores
nem a mágica poção
nem o cálice
que erguemos...

deixo assim que o tempo vadio
traga o regresso - que em delírio expio!
e recolho as vestes
para em esperança nua
beber a hora (in)certa!

domingo, 7 de novembro de 2010

há-de flutuar uma cidade


pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
.
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
.
Autor: Al Berto