domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre o chão descalço, construo mundos que destruo na minha cabeça.


Foto:Introit

domingo, 14 de dezembro de 2008

Amei a mulher amei a terra amei o mar
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar
De muitas delas de resto falei
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Autor:Ruy Belo
Foto:derianek

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

De mãos a arder. risco uma cruz

De mãos a arder, risco uma cruz
na lisura da areia, para confessar
o remoto exercício da tristeza.
Já não sei, se são de asas ou de velas,
os sons que aportam meus ouvidos
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Autor:Graça Pires
Foto:wostass

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sensação musical para embalo de almas


Onde a vida foi, fugitiva,
a forma inatingível,
a pura música cativa
e livre, como um sensível
alheio a nós, e sendo-nos,
há só o puro longe, o pólen
em suspensão e estige
de ausência - pétalas cismantes
recortando a sua origem
não em nós, na morte de instantes.

Autor:António de Navarro
Foto:miszkaa

domingo, 16 de novembro de 2008

....

Agarro em pincel e deslizo-o, a ouvi-lo segredar, murmúrios de cores que riem sozinhas.Traço risco leve, não leve o vento o vento, o segredo do rabisco…É saltimbanco, o risco colorido , palhaço-saltitante, vagabundo, navegante…Procura ilha perdida, de menina que sonha versos de fantasia.Rabisco tonto!Desvalido de sorte!Anda perdido sem norte, que a menina sonha coisas outras, de fadas e rainhas, não coisas tolas, coloridas por rabisco de Quixote…
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@ almaro — July 13, 2005

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A Lãmina, o Punhal

Não haverá futuro — e haverá
somente esta lâmina
de quartzo lacerando
a carne amarrotada. E haverá
somente este punhal
de cinza cravado
entre almofadas inúteis
e lençóis vazios.
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Autor:Albano Martins
Foto:Ricardo

sábado, 8 de novembro de 2008

As casas

As casas habitadas são belas
se parecem ainda uma casa vazia
sem a pretensão de ocupá-las
tornam-se ténues disposições
os sinais da nossa presença:
um livro
a roupa que chegou da lavandaria
por arrumar em cima da cama
o modo como toda a tarde a luz foi
entregue ao seu silêncio
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa.
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Autor:José Tolentino Mendonça
foto:Yust

sábado, 1 de novembro de 2008

30

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.


Autor:António Franco Alexandre
In:Duende
Foto:jimij

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Quero-te



Quero-te
no secreto segredo de dizer-te
na asa da brisa repousada
no fulgor deste sol
no arrepio da água na levada
no sobressalto da pedra na falésia
no silêncio dos cumes
na claridade das madrugadas brancas
no respirar nocturno das ruelas
no calor do vinho a perfumar a boca
na solidão das mãos
na fímbria do desejo
(quero-te assim
longínquo e doce
terno e ausente)
só posso desejar-te nas palavras.
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Autor:Maria Aurora Carvalho Homem
Foto:Antropina

domingo, 26 de outubro de 2008

Pergunta-me


Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Autor:Mia Couto

Foto:KxxG


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Para ti...


"Tu e não eu, se encarregará da tarefa de destruir tudo o que vivemos, de acordo com a lei do excesso que é a única que compreendes: tudo ou nada, verdade ou mentira, amor ou ódio.
Tu odiar-me-ás e eu nada poderei fazer, senão sofrer o teu ódio em silêncio, sofrê-lo na carne, como açoites, dilacerando o meu corpo que foi teu tantas vezes, como nunca foi de mais ninguém.
Assim vou vivedo sem ti e sem procurar saber de ti. Mas sei de mim, sei do imenso vazio da tua falta, que nada preenche nem faz esquecer."
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Autor :Miguel Sousa Tavares, Não te deixarei morrer David Crockett
Foto:_-_Eau_-_

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Cedo ou tarde

Cedo ou tarde
Devias saber
que é sempre tarde
que se nasce, que é
sempre cedo
que se morre. E devias
saber também
que a nenhuma árvore
é lícito escolher
o ramo onde as aves
fazem ninho e as flores
procriam.
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Autor:Albano Martins
Escrito a vermelho


quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Se eu nao te amar mais

Se eu não te amar mais me
Caia o mar nos ombros
Me caia
Este silêncio pelos ossos dentro
Me cegue os olhos esta sombra
Me cerre
Esta noite num escuro mais profundo
Do que a chuva de ti de mãos tão leves
A figueira do meu sangue se emudeça
De pássaros à espera dos teus passos
De outra voz por sobre a minha
Morta
E as ruas do teu corpo eu desaprenda
Como desaprendi os dedos que em tocam
E se eu não te amar mais me caia a casa
De costa no teu peito como o vento
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Autor:António Lobo Antunes
Foto:Artur77

terça-feira, 14 de outubro de 2008

"

"E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.
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autor:Miguel Sousa Tavares

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

As palavras em trânsito


Resvalas neste sopro.
Sabes
que tens o olhar ferido
desde sempre, que o incêndio
das palavras em trânsito celebra
prescritas sílabas, ancorados
ritos, desprevenidos
equinócios.
Dantes, havia um mar crispado
na fissura dos lábios.
Hoje, apenas
algumas gotas de sal.
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Autor:Albano Martins
in:O Mesmo Nome(1996)
Foto:Natália Strag