sábado, 1 de maio de 2021

Poema à Mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite. Eu vou com as aves!

Autor : Eugénio de Andrade
Imagem :  Auguste Renoir

5 comentários:

Mário Margaride disse...

Olá amiga!
Excelente poema de Eugénio de Andrade!
Numa bela homenagem à mãe.

Grato, pela belíssima partilha!

Bom fim de semana!

Beijinhos!

" R y k @ r d o " disse...

Encantador declaração de amor à mãe. Fiquei em reflexão.
.
Um Sábado feliz
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Cidália Ferreira disse...

Que bonito!! :))
~~
Coisas de uma Vida
~
Beijo, e um excelente fim de semana.

brancas nuvens negras disse...

Muito boa escolha este poema. A mãe, o refúgio, o nosso passado todo. Tudo se foi.
Um abraço

LuísM Castanheira disse...

Um grande Poema dum grande Poeta.
Nada melhor para ler no dia da mãe.
Um beijo B