quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dêem-me as tábuas



Dêem-me as tábuas, 
essas tábuas de madeira firme 
com que se constroem os barcos. 

Dêem-me as tábuas rijas do tempo, 
as tábuas livres e cantantes de madeira 
com que se erguem os muros fortes 
das cidades inexpugnáveis. 

Deixem-me juntá-las às folhagens 
do despojamento da sua condição de árvores. 
Com elas, prometo, 
irei vigorosamente alicerçar, 
no entrelaçar das tempestades 
que se lêem nos intervalos das nuvens invernais, 
as jangadas calmas 
que respondem nas manhãs de nevoeiro 
pelo simples nome de casas. 

Depois, se verdadeiramente me apetecer, 
decoro-as com dois pares de asas 
e deixo-as voar. 

A promessa permanece no poema. 
Deixemos as casas, na sua condição de jangadas, 
cumprir com a sua missão de navegar. 

Autor : José António Gonçalves 
in Memórias da Casa de Pedra"
Foto: Jordi Feliu 

2 comentários:

Cidália Ferreira disse...

Gostei bastante! :))
~~
uero sentir que pertenço à liberdade.
-
Beijo e um dia feliz!

" R y k @ r d o " disse...

Foto e poema lindíssimas. Os barcos, as tábuas, a imaginação, a conjugação perfeita.

Saudações