quarta-feira, 1 de março de 2017

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Omar Ortiz

com que palavras irei escrever agora o nome
das horas que entram pela cama em que noutra vida
te ensinei o caminho do meu corpo
e da justeza dos gestos com que a alegria
se desenhava em mim quando dizias
agosto tu vais ver é a nossa pátria

nessa altura o verão vinha ainda muito longe
e por isso era possível acreditar em frases dessas
esperando que tudo acontecesse
como nos perdoáveis lugares-comuns dos filmes
que estreiam sempre no natal
e furiosamente desejei que a paixão se enredasse
entre os limos e sargaços das tuas pernas

mas agosto foi apenas um lugar de emboscadas
em todos os precipícios da nossa cama
e lentamente as águas definiram
com rigor implacável
o que sobrava de ti nas minhas mãos
e o silêncio baixou sobre as águas
como antes da invenção do mundo

e agora não sei onde acaba o teu nome

e começa o nome de deus

Autor : Alice Vieira
in DOIS CORPOS TOMBANDO NA ÁGUA
Pág 74 ( Editorial Caminho, 2007)

1 comentário:

LuísM Castanheira disse...

Mais um belo e dorido poema da Alice Vieira.
... e fica tão bem, aqui, e é tão boa a escolha.
Foi um prazer lê-lo.
Um abraço, BeatriceM.