sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Os (teus) gestos


Disto ficarão pequenos gestos
nada grandioso que se exclame

sorte de te ter junto aos meus restos
memória da tua boca fogo infame.

Vitória do teu corpo sobre o meu
no exacto momento em que te venço

tão só correr de nuvens sobre o céu
ou no fim do mundo um recomeço.

Queria inventar-te um sítio sem palavras
em que só sobre o corpo a luz derrama

sua generosa claridade.
Lembrar-te nos momentos em que amavas

— os corpos extenuados sobre a cama —
e havia um sol de não haver idade.


.

Autor ; Bernardo Pinto de Almeida

Foto:dark nebula


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Antes que o inverno acabe


Não fixes os olhos
onde desnascem pedras
e em bando se precipitam os pássaros

Vem afagar os cães
o coração dos meus barcos

deixa que abrupta a chuva caia
em desalinho rasgue neblinas
quebre silêncios

Recolhe os sons da água
e os latidos
até que se encham os cântaros
rebente de vez a indiferença
dos ranchos
vergados a decepar videiras

Deixa que tudo se mova
Vem amar esta terra
às mãos cheias
mesmo que a voz se deite em surdina
para mais tarde acordar
a partir do chão

Deixa que abrupta a chuva caia
de preferência com relâmpagos
para te incendiar a íris
o rancho se levantar
e as videiras ganharem força

Vem
antes que o Inverno acabe
.
Autor: mar arável http://mararavel.blogspot.com/
Foto: komarek66

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Nos bicos de cereja


em cada segundo de vida
plantei a semente da ilusão
nos bicos de cereja
das colinas dos teus seios
à espera de um dia colher a flor

.

Autor :Miguel Barbosa

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Na Palma da Mão


Não tenho vocação para a saudade
é o agora que amo
em cada gesto em cada cheiro
em cada cor em cada choro.
É o brilho das coisas e a neblina
o claro e o escuro
da condensada noite,e a fluidez da manhã
acordada sozinha.

É o mistério das coisas que contemplo
olhos para o futuro que trago comigo
desde que nasci.


Autor:Angela Leite

Foto:BALTORO



sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Se um dia secarem as palavras


Se um dia secarem as palavras
do rio que só nós soubemos navegar
se acordarmos sós e despidos
das quimeras que já não podemos segurar
restará ainda a velha ponte
hirta e fria, abandonada,
sobre um leito desfeito, vazio,
e alguns versos soltos pelas margens
como as folhas de outono

de nós nada mais se ouvirá

Autora : Isabel Solano 15/04/2009

Foto:Caradel Neil

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Poema

Mesmo sem ti
o meu poema nasceu.

Sem razão aparente
sem forma
sem tema.

Foste tu ausente
a origem do meu
poema.
.

Autor : Maria do Carmo Abecassis

Foto Mitsus

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sei que o silêncio morde a minha boca



Sei que o silêncio morde a minha boca.
Hoje, na melancolia de um fim de tarde,
Chamei por uma estrela solitária.
Essa que morreu antes de chamar pelo teu nome.
Sei hoje que a tua ausência
É a voz do silêncio do meu corpo,
O tempo que faltou ao nosso encontro,
Se pudesse ser outro que não eu
Talvez me pudesse despir de antigas mortes
E olhar-te na madrugada súbita dos teus olhos
E dizer-te que amanhã
É sempre o dia em que te procuro.
Amanhã, será sempre o dia em que te digo
“Amo-te”
.
Autor : Paulo Eduardo Campos in «Na serenidade dos rios que enlouquecem»

sábado, 1 de janeiro de 2011

ano novo


é dia de ano novo.
a chuva nao cai lá fora,
mas apenas dos meus olhos.


Foto: Cezary Filew


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Poética da música


Ao escrever
escrevo como quem canta
no encanto da minha imaginação
de um poema surge a canção.

E ao cantar
Não se ouve a mais pura melodia
Lêem-se apenas palavras
Que ao escrever eu não sentia.

Autor:Tiago Oliveira http://wakeupmovement2009.blogspot.com/
Foto: Ertu

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

À chegada do Inverno


Nem sempre
a vida acolhe ou alimenta
os nomes do passado, o seu abismo
repetido num sonho, na mais lenta
assombração, no mais íntimo sismo

Do que chamamos alma. Não existo
sem essa febre mansa que relembro
enquanto as nuvens cobrem tudo isto
com o frio escuro de um dezembro

Longe de mim, de ti, de qualquer lei
ou juízo a que dêmos um sentido:
o que finjo saber é o que não sei
e as palavras colam-se ao ouvido.


Autor:Fernando Pinto do Amaral
Foto:papajedi

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal


Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Autor:Manuel Alegre

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

cançao do mar


Esta mulher é formosa
como uma flor da montanha,
mas é fria, fria, e é fria
como a margem de neve
onde fria floresce.

Autor: Herberto Helder
Foto: pararirararara

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Paradoxo


Deixaste em minhas mãos o gelo da ausência
Banhaste o meu corpo de um sopro gélido
Mas, tão só, ficou a capa, a aparência.

O corpo (meu)
Continua possuído pelo calor
Do corpo (teu).
.
Autor : Helena Domingues http://orionix.blogspot.com/
Foto: tycjana

domingo, 19 de dezembro de 2010

Ausência


Meu amor, como eu sofro este tormento
da tua ausência!... Ando magoada
como a folha arrancada pelo vento
ao carinhoso anseio da ramada...

Procuro desviar o pensamento...
mas oiço ao longe a tua voz molhada e
em lágrimas, vibrando o sofrimento
da nossa vida asim, tão separada!

Os meus beijos escutam os teus beijos
exigentes - perdidos de saudade...
crispando amargamente os meus desejos!

E dia a dia essa canção de dor,
ritornelo sombrio de ansiedade,
exalta ainda mais o meu amor!


Autor Judith Teixeira in «Poemas»,
Foto:Żaba-Ewa

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

É mais fácil partir quando o silêncio


É mais fácil partir quando o silêncio
transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto - repara
como em abril as aves são tão felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde
e esquece-te do mundo.
.
Autor : Fernando Pinto do Amaral Eco de Acédia, Poesia Reunida, Lisboa, Assírio&Alvim, 1990