sexta-feira, 19 de março de 2021

Pai, Dizem-me que Ainda Te Chamo

Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono - a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aí

nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me

depois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabem

que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome - porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.

Autor : Maria do Rosário Pedreira, in 'Nenhum Nome Depois'
Imagem : Ricardo Fernandez Ortega

3 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Infelizmente também já não tenho, fisicamente, junto a mim oi meu querido Pai. Mas onde ele estiver, acredito, que estará olhando por mim.
.
Cumprimentos poéticos.
( Feliz dia do Pai )
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

brancas nuvens negras disse...

Um sentido poema, Maria do Rosário Pedreira toca os nossos sentimentos.
Obrigado. Um abraço.

Cidália Ferreira disse...

Fantástico, belo!!
*
Entre o silêncio das palavras
*
Beijo, e um excelente fim de semana.