domingo, 30 de abril de 2017

equilíbrio em mim onde ...

Fabrizia Milia

...ainda guardo estrelas luminosas,
para iluminar-me a escuridão,
da noite,  e muitas vezes do dia.

e não deixo que a penumbra
me isole, e embrulho-me
em constante encanto.

e muitas vezes escondo o pranto,
e o desencanto,
energicamente,aí  num recanto.

Autor : BeatriceM

sábado, 29 de abril de 2017

Vida


Três votos fará aquele
que não ser tolo decida
e venha deles primeiro
o de obediência à vida

será o segundo a vir
o de não querer ser rico
o muito passe de largo
o pouco lhe apure o bico

não violar-se a si próprio
como principal o veja
alto ou baixo gordo ou magro
assim nasceu assim seja.

Autor : Agostinho da Silva
in 'Poemas'

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Serenata à Chuva

Laura Lee Zanghetti

Chuva, manhã cinza, guarda-chuva.
Entrar no contexto, dois pontos. Ele e ela
abraçados caminham sob o tecto
do guarda-chuva que os guarda.
Pelas ruas vão com a vontade de voltar
ao branco dos lençóis. Esse objecto prosaico
que às vezes se vira com o vento
torna-se objecto de poema. Dizer também
como a chuva é doce neste dia de verão.
Como o amor altera o sentido da chuva,
sim, como ela se eleva no ar e as frases se colam
ao vestido. No interior da pele o poema mudou
desde que entraste no guarda-chuva esquecido
a um canto do armário. Talvez o amor seja tudo amar
sem excepção. Eu que nunca uso guarda-chuva
assino incondicionalmente este poema.

Autor : Rosa Alice Branco
in 'Soletrar o Dia'

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Noutra praia

Victor Bauer

Mas tu pensas
que o mar te não esqueceu:
por isso voltas cada ano a esta praia
onde tudo o que permanece te ignora;
e encaras o mar como se fosses tu,
ainda tu,
quem recebe na face a mudança dos ventos

Autor :Luís Filipe Castro Mendes

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Prelúdio



anastasiya valiulina

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra desce com ela.

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos
nas suas mãos apertadas...

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
tem voz de noite descendo
de mansinho pela estrada.

... Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada.
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo,
Mãe-Negra...

É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaços,
bem quieta, bem calada...

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo
de mansinho pela estrada...

Autor :Alda Lara

terça-feira, 25 de abril de 2017

Há nesta memória



Há nesta memória uma inóspita dor. Subterrânea.
Ou talvez uma gravidez calada.
E um rastilho aberto (ainda não fogo).
E um murmúrio de água que se deslaça do interior da pedra
Antes da fonte. E os dedos de colhê-la.

Ou a sede que se pressente
Neste arfar. E no desalinho da cidade...

Há nesta espera um novelo
Que os olhos desfiam. Gota a gota...

E há um estio bravio. E uma inquietação que lampeja.
E uma dor que se faz canto e uma centelha
Que almeja. E o fio oculto da chama.
Ou um grito.

Há talvez um dia outro - que a memória se desprenda!...
Ou uma brisa. Que incendeia. Ou um mar. E gente
Sofrida que não cala.

Há talvez alamedas. Míticas e cheias.
E flores no cântico das armas.

Que então a pedra seja chama. E as praças sejam parto.
E os corpos se incendeiem.
E a água seja cântico.

E Abril seja límpido. E claro.
E a justiça viceje no rosto do meu Povo.
E na boca dos famintos...

Autor : Manuel Veiga
...............................................
25 de Abril, Sempre!...
http://relogiodependulo.blogspot.pt/2014/04/

domingo, 23 de abril de 2017

palavras estranhas ...ou a definição do amor

Vincent Baurilhon

há palavras estanhas…
é estranho também é o amor, e a sua definição
estranhas palavras, essas,
que não ousamos dizer, nem rejeitar
estranha estou eu…sentada entre as palavras,
por entre o desamor,
e o amor (por definir)
em palavras...

Autor : BeatriceM 2017-04-21

sábado, 22 de abril de 2017

Súplica

Rosanne Pormerleau
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Autor : Miguel Torga

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Mirada Secreta


Natália Drepina

Foram-se
os amores que tive
Ou me tiveram. Partiram
Num cortejo silencioso e iluminado.
A solidão me ensina
A não acreditar na morte
Nem demais na vida: cultivo
Segredos num jardim
Onde estamos eu, os sonhos idos,
Os velhos amores e os seus recados,
E os olhos deles que ainda brilham
Como pedras de cor entre as raízes.

Autor : Lya Luft

quinta-feira, 20 de abril de 2017

...

Achraf Baznani

Apenas nos iludimos, pensando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.

Autor : Miguel de Sousa Tavares

terça-feira, 18 de abril de 2017

Sono


eric zener

Dormir
mas o sonho
repassa
duma insistente dor
a lembrança
da vida
água outra vez bebida
na pobreza da noite: 
e assim perdido 
o sono 
o olvido 
bates, coração, repetes 
sem querer 
o dia.

Autor : Carlos de Oliveira
in 'Cantata'

domingo, 9 de abril de 2017

mentira

Neil Driver

há em mim, um medo do temporal
quando lá fora chove
e o vento agreste, bate nas persianas.

traz com ele um ruído, que me relembra
eternamente,
tu a bater na minha porta.

eu sei que não é
mas, isso não me afasta o medo.

e sempre que isso acontece
tapo a cabeça com o lençol
e finjo que gosto de dormir assim.

fico sempre com a sensação
da minha mentira
quando digo que já está tudo olvidado
e que não gosto, nem nunca gostei de ti …

Autor : BeatriceM

sábado, 8 de abril de 2017

ser...

Omar Ortiz


quero o silêncio pelo meio
entre o que foi e há-de ser

quero um outro amanhecer
com um sorriso em teu seio

quero também sentir o vento
e me deslumbrares em marés

e se não for pedir muito, o alento
de seres aquilo que és.

Autor: LuisM Castanheira
https://barcaarmada.blogspot.pt/

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O Poema

Jenna Martin

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Autor : Sophia de Mello Breyner Andresen
De Livro Sexto (1962)

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Lembra-te

jenna martin

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

Autor: Mário Cesaruny



quarta-feira, 5 de abril de 2017

Tu tens um medo

Ben Zank

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Autor : Cecília Meireles

domingo, 2 de abril de 2017

sonhar-te...ainda

Fabrizia Milia

quis ser sonho, em ti
mas, qual quimera solta
deambulando em ecos
no vento, de que apenas
suspiram ruínas
dum sonho apenas,
e só meu.


Autor : BeatriceM