quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Saudade

anna o.photography.

Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

Autor : Mia Couto
in 'Raiz de Orvalho'

1 comentário:

Dilmar Gomes disse...

Belo poema, Beatrice. E eu nem sabia que Mia Couto também faz poesia. Imaginava que ele somente escrevia romances.
Um abraço daqui do sul do Brasil. Tenhas uma boa tarde.