domingo, 30 de junho de 2019

Tumulto



Gostava de saber dizer-te o que me vai na alma, e endireitar a minha cabeça no teu corpo, assim, a sentir o cheiro que brota da tua pele, e sentir-me serena e sem medo. Mas o meu medo é só meu. Tu não tens medo. Não necessitas. Tudo para ti é relativo. É dia novo dia vivido com adrenalina e sempre no fio da linha. Sem reservas. Sem conjecturas. Sem correntes. Eu desejava ser como tu. E não sou. Nunca serei. Ainda penso em ti. Ainda sinto saudades de ti. E sei que neste exacto momento. Tu nem sabes nem te lembras mais de mim. E que se um dia adormeceste no meu corpo. Hoje outro corpo deve adormecer no teu. E eu estou a pensar que os pássaros vão e voltam, e que tu não vais voltar. Porque na ânsia de viver tu ainda não viveste e quiçá já morreste na planura de algum voo mais arriscado.


Autor : BeatriceM 30-06-2013
Foto :jenna martin photography

sábado, 29 de junho de 2019

Os Poemas


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Autor : Mário Quintana
Foto: anka zhuravleva

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Epitáfio

Brooke Shadenn.
.
Querida vida.
Pobre pó.
Tão pó a pó.
Após, a pó.

Autor : Luiza Neto Jorge
em Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2ª edição, 2001, p. 288.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Amar você é coisa de minutos…

Richard Blunt.
.
Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui

Autor : Paulo Leminski

quarta-feira, 26 de junho de 2019

..

Saul Landell.
.
um deus que caminha
invisível, por dentro dos jacarandás
desenhando a orla da noite
o arrepio do mar.

os barcos esperam-no
quietos, guardando a luz,
os olhos do deus, o seu deslizar
entre as águas tranquilas.

Autor Maria João Cantinho
POEMAS

terça-feira, 25 de junho de 2019

Compasso para elegia

Adam Bird.
.
Não me venham dizer que há remédio:
nada substitui a presença das coisas,
a presença material das coisas.

Os dias da morte
gravitam no escuro,
enquanto acendo fósforos de sombra
à tua procura nas gavetas,
nos armários, nas cabines,
em todos os lugares
onde fatalmente
tu não estás.

Nenhum prodígio pode reconstituir
a tua voz, o sorriso interior da tua boca,
voz humana, acesa no peito,
cujas palavras eram como labaredas.

Só o silêncio comemora o facto
de teres vivido como o álcool,
possuindo possuída,
com as artérias cheias de vinho doce
- corpo de vaso e sangue de licor.

Autor : albano martins
assim são as algas
campo das letras 2000

domingo, 23 de junho de 2019

É domingo

Roberto  Liang.
.
É domingo,
e eu a sentir os raios
do sol que me entra pela janela do meu quarto. No entanto,
na cama em que me espreito silenciosa,
eu queria abraçar o sol a dormir,
como se fosse um corpo algures,
perdido nas areias quentes da praia.

Autor BeatriceM 17-06-2012

sábado, 22 de junho de 2019

Tentação

Eu não resistirei à tentação, 
não quero que de mim possas perder-te, 
que só na fonte fria da razão 
renasça a minha sede de beber-te. 

Eu não resistirei à tentação 
de quanto adivinhei nesta amargura: 
um sim que só assalta quem diz não, 
um corpo que entrevi na selva escura. 

Resistirei a te chamar paixão, 
a te perder nos versos, nas palavras: 
mas não resistirei à tentação 
de te dizer que o céu é o que rasa 

a luz que nos teus olhos eu perdi 
e que na terra toda não mais vi. 

Autor : Luis Filipe Castro Mendes
in "Os Amantes Obscuros"
Foto: Emerico Toth

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Fragmentos de mim

que me cobre e desnuda a essência,
são como um suculento fruto afrodisíaco
que degusto com ternura e paixão.

Nem sempre despertam o meu sorriso,
mas sempre aquecem o meu coração,
e só de as sentir vibrar dentro de mim
há uma infinita serenidade que me alcança.

As palavras são o meu Mundo, são fragmentos de emoções da alma
que entrego a quem as escuta,
intimamente as saboreia.

Ah! As palavras são as minhas confidentes,
diamantes preciosos que me deslumbram ,
são o grito, lágrima,fragrância e sorriso
que os meus dedos ousam moldar
como o oleiro docemente molda o barro.

As palavras ... são a minha genuína obra de arte,
porém, não se enganem
Eu não sou poeta ... apenas, amante das palavras.

Autor: Sofia Valadares

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Do amoroso esquecimento

Eu agora — que desfecho!
Já nem penso mais em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Autor : Mário Quintana
Foto:Omar Ortiz

quarta-feira, 19 de junho de 2019

chove

Emerico Toth.
para esconder
os pássaros

e recolher
as crianças

Autor : Mariana Botelho

terça-feira, 18 de junho de 2019

XIII


kyle thompson

Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.

Autor: Alberto Caeiro
s.d.
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).  - 42.
“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.

domingo, 16 de junho de 2019

aos poucos

aos poucos afasto-me,
escondida ando nas águas frias,
em que não queiras nunca encontra-me,
ficarei (apenas) nas reminiscências,
minhas e tuas.

Autor: BeatriceM 15/06/2014
Foto: Sergio Mañana

sábado, 15 de junho de 2019

A CANÇÃO MAIS RECENTE

O poeta
com a sua lanterna
mágica está sempre
no começo das coisas.
É como a água, eterna-
mente matutina.

Pouco importa a noite
lhe ponha a pena
do silêncio na asa.
Ele tem a manhã
em tudo quanto faça.
Alem disso o amanhã
nunca deixará de ter pássa-
ros.

Autor Cassiano Ricardo
De A Face Perdida (1950)

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Fatalidade

Não sei tecer
senão espumas,
nuvens
e brumas.

Coisas breves,
leves,
que o vento desfaz.

Como prender-te
em teia tão frágil?

Autor : Luísa Dacosta
in A Maresia e o Sargaço dos Dias