domingo, 29 de abril de 2018

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jonna jinton

gostava de voar, mas as asas por vezes frágeis cortavam-se por entre o improvável voo , vezes outras, eram pesadas demais, nesses dias vogava pelo sonho e aspirava o aroma da maresia do mar .  um dia experimentou chorar e não gostou do sabor a sal das lágrimas. desde esse dia criou um palco de alegrias onde,e, só o sorriso tem lugar.
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Autor: BeatriceM 2012-04-29 (reeditado)

sábado, 28 de abril de 2018

Saudade

anka zhuravleva

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.


Autor : Clarice Lispector


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Canção Final

andre kohn

Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua
de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto,
quer dizer, nem tanto assim.

Autor :Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Fiz um conto para me embalar

Jenna Martim

Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.
Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.
Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

Autor : Natália Correia

quarta-feira, 25 de abril de 2018

...

(ao 25 de abril)
houve dias que marcaram
dias que me mudaram.

hoje faz anos
que longe
a minha vida se alterou...
sem o prever
sem sequer o entender.

não sei se um outro 'eu'
em iguais circunstâncias
seria o mesmo que eu.

do mundo que guardei
de todos os momentos
- espaços, tempos e gentes -
sou produto do que amei.

estive sempre no lugar certo
no momento certo
com as pessoas certas.

posso considerar que tive uma incrível sorte.


Autor : LuísM Castanheira
https://poesiaaremar.blogspot.pt/2017/04/43-anos.html

domingo, 22 de abril de 2018

um olhar sobre a cidade

Ashraful Arefin

os pássaros esvoaçam
tão perdidos de si
nesse voo desencontrado
por entre os beirais.

e já não sabem nada das estações
nem eles nem eu ...

que até esqueci as estações em mim.

Autor : BeatriceM

sábado, 21 de abril de 2018

Adoeço, peno e morro

omar ortiz

Adoeço, peno e morro
quando em ti.

Salteaste-me as defesas.
A sentinela abateste no seu posto.
Puseste fogo na tulha e nas adegas,
condenaste-me ao sono.
Derramaste por acinte
o azeite que restava na candeia.

Exiges
a minha face oculta atrás das mãos
perpetuamente.

Como se eu, digamos, fosse um cão
e como se abrir-te as portas da cidade
fosse um festim
de ossos sobre seda, que o cão
devesse agradecer.

Autor : A.M. Pires Cabral

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Que este amor não me cegue nem me siga.


lukrecja czerwonajcio

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

Autor : Hilda Hilst
in 'Cantares do Sem-Nome e de Partidas'

quinta-feira, 19 de abril de 2018

...

erik johansson

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino

Autor : Paulo Leminski

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Dá-me a tua mão

omar ortiz

Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Autor : Clarice Lispector

terça-feira, 17 de abril de 2018

Aos Filhos


Ashraful Arefin

Já nada nos pertence,
nem a nossa miséria.
O que vos deixaremos
a vós o roubaremos.

Toda a vida estivemos
sentados sobre a morte,
sobre a nossa própria morte!
Agora como morreremos?

Estes são tempos de
que não ficará memória,
alguma glória teríamos
fôssemos ao menos infames.

Comprámos e não pagámos,
faltámos a encontros:
nem sequer quando errámos
fizemos grande coisa!

Autor : Manuel António Pina
in "Um Sítio onde Pousar a Cabeça"

domingo, 15 de abril de 2018

Cogitações

Ezgi Polat

é só e apenas mais um dia,
em que os sentimentos explodem dentro de mim,
porque, por fora a calma reina
num corpo ausente de afectos
mas dócil e perfeito,
pois as cicatrizes finas
ninguém as vê .

hoje, lembrei da passagem da ponte,
todos os dias, o ir e o vir
só que não sei se no outro dia,
quando vieste pela outra ponte,
foi engano,
ou tão somente para esticar
o tempo em nós.

não sei, e também nunca te irei perguntar…

Autor : BeatriceM 2017-04-07

sábado, 14 de abril de 2018

Cantiga do ódio

Ashraful Arefin

O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?

Autor : Carlos de Oliveira
in 'Mãe Pobre'

sexta-feira, 13 de abril de 2018

O que amamos está sempre longe de nós:

Cristina Fornarelli

O que amamos está sempre longe de nós:
e longe mesmo do que amamos - que não sabe
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor.

O que amamos está como a flor na semente,
entendido com medo e inquietude, talvez
só para em nossa morte estar durando sempre.

Como as ervas do chão, como as ondas do mar,
os acasos se vão cumprindo e vão cessando.
Mas, sem acaso, o amor límpido e exacto jaz.

Não necessita nada o que em si tudo ordena:
cuja tristeza unicamente pode ser
o equívoco do tempo, os jogos da cegueira

com setas negras na escuridão.

Autor : Cecília Meireles
in 'Solombra'

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Poema para iludir a vida

Ashraful Arefin

Tudo na vida está em esquecer o dia que passa.
Não importa que hoje seja qualquer coisa triste,
um cedro, areias, raízes,
ou asa de anjo
caída num paul.

O navio que passou além da barra
já não lembra a barra.

Tu o olhas nas estranhas águas que ele há-de sulcar
e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos
portos.

Hoje corre-te um rio dos olhos
e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje
o fim
e que há certezas, firmes e belas,
que nem os olhos vesgos
podem negar.

Hoje é o dia de amanhã.

Autor : Fernando Namora
in "Mar de Sargaços"