sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Tempo


Sei de um recanto 
na margem da ribeira 
onde à tarde me sento 
e fico só olhando 
o lento passar do tempo 
ao som dos pássaros 
e da água corrente 

Autor :Isabel Solano 12/11/2007
in Errância, inédito, 2007.
Imagem: -Viktoria Haack

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 

São como as rosas 
as pequenas coisas 
que a tudo conferem 
o brilho das estrelas: 

espalham o seu perfume 
oferecem a sua canção 
fazem a sua dança 
e logo regressam 
ao profundo silêncio 
da terra dormente 

Autor : PBC.(Pedro Belo Clara) 
Imagem : Hossein Zare

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Espanto

Saber que te perdi 
é mais que 
isto 

é mais que este 
sabor 
contraditório 

é mais que todo o espaço 

é mais que agora 

é mais do que o 
teu corpo 
já retido 

e lento é este espanto 
e tão parecido 
com aquele prazer breve 
antigo 
que o rasto dos teus dentes 
não desprende 

ainda mais que dor 
ou suicídio 

saber que te perdi 
é mais que isto 

ainda mais que ferida 
mais que morte 

Autor : Maria Teresa Horta 
Imagem : Mikeilla Borgia

terça-feira, 1 de dezembro de 2020



O que sinto agora
é a tristeza de quando era criança

Quando a brincadeira chegava ao fim
ficava um silêncio cavo de último dia
como se estivesse a abandonar
uma felicidade irrepetível.

O parque infantil ficando para trás,
o brinquedo que se partiu irremediavelmente,
o gelado que chegou ao fim do copo colorido
ou ter de dormir na noite de Natal
e ouvir ao longe as vozes dos adultos
que ainda estavam acordados.

O que sinto agora
é um silêncio cavo de último dia
como se estivesse a abandonar
uma felicidade irrepetível.
A vida a ficar para trás.

Autor : Luís Rodrigues- https://brancasnuvensnegras.blogspot.com/

Foto: Desconheco o autor

domingo, 29 de novembro de 2020

Pretérito

Entrei em contacto contigo em fins de Abril, princípios de Maio ,de um ano que já não importa, feira do livro no Parque Eduardo VII. Ias estar lá, como sempre. Não me lembro se cheguei a pedir para entrar na tua vida enigmática, mas acho que entrei assim como um pássaro que voa e poisa num ramo de arvore, e o elege como seu. Claro que tu não eras um ramo de arvore, mas eu entrei de voo raso ,e fiquei a olhar para ti como se fosses um anjo pequeno com asas grandes e encantadas. Eu sei lá o que via em ti? Um misto de adoração pagã e perdia-me a olhar-te a beber as tuas palavras, a esmiuçar tudo o que de ti brotava. Erramos pela cidade, pelas vielas, e por toda a cidade grande. Eu gostava quando andávamos de mão dada. Entraste em mim e eu em ti, mas, os segredos e os mistérios que engendravas .Não os quis perceber, não quis deslindar. Eu não era nenhum personagem dos teus livros. Era apenas uma miúda deslumbrada. 

Depois os dias eram todos iguais. E cansei-me de mim e de ti. De nós. Já não leio o que escreves mas, lá no fundo, ficou algo que nunca vou esquecer 

Depois foram mudando as datas da feira e eu fui-me esquecendo e deixei de ir. Não me interessava mais...e tu!??

Autor : Beatrice 2020-11-29

sábado, 28 de novembro de 2020

Ramo

Talvez eu não consiga quanto amo
ou amei teu ser dizer, talvez
como num mar que tu não vês
o meu corpo submerso seja o ramo
final que estendo já não sei a quem

Autor - Gastão Cruz,
in “A moeda do tempo e outros poemas”.
Imagem : Brian Oldham

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

perfeição


Um muito de você em mim
É bom.

Um muito de mim em você, também.

Um pouco de nós em nós mesmos,
Mais a mistura acima
Seria a perfeição.

Autor : Ana Peluso
Imagem : Laura Makabresku

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Alvorecer


O sol revela
Cores vivas que luzem
Nova vontade.

Aves ligeiras
Em coro melódico
Abrandam o ser.

Leves e claros:
Cúmulos livres pintam
Um quadro puro.

Autor : Rúben Marques
Imagem : Bertoni Siswanto

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

meia lua meu amor

meia lua meu amor
é tua

a outra metade
guardei-a para o compadre
que me beija a boca
quando chegas tarde
da casa da outra 

Autor : Líria Porto
in "escritoras suicidas".
Imagem :Joan Caroll

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Poesia

 


é a visita do tempo nos teus olhos,
é o beijo do mundo nas palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde:
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde...

Autor: Vítor Matos e Sá
 in 'Esparsos' 
Imagem Jonna Jinton

domingo, 22 de novembro de 2020

Premonição

 


É tarde.  Está frio.  Fixo o olhar sobre uma árvore da praça que tem um ramo partido.  Não tardará muito. E o ramo cairá desamparado sobre o chão encharcado da rua. Um frio percorre todo o meu corpo como se fosse eu o ramo a cair,e como se ao cair ou quando isso acontecer, o mesmo acontecerá comigo. 

Andas estranha, muito estranha. Por vezes nem sei quem és, diz ele. Pareces uma alienada. Sempre exausta. Sempre ausente, para aí a olhar para coisa nenhuma. 

Passo as mãos pelos meus cabelos soltos, e não replico, não me apetece falar para quem não me concede atenção. 

Levanto-me e meto-me na cama, embrulhada na manta polar, para esquecer realmente quem sou agora ou quem fui outrora. 

Nessa noite sonhei com ele, tinha-me oferecido um ramo enorme de flores que eu agarrei sôfrega e fugi na noite. 

Tive medo! Se me deu flores é que eu já morri. 

Porque ele enquanto vivi,nunca me deu flores.


Autor : BeatriceM 2020-11-15 
Imagem : Carla Coulson

sábado, 21 de novembro de 2020

Não sei

 

Não sei para que lado da noite me hei-de virar
onde esconder de ti o rio de fogo das lágrimas
quase a transbordar e acendo mais um cigarro
e falo atabalhoadamente de um futuro qualquer
e suspiro de alívio porque não ouves o que digo
ou se calhar também não sabes onde te esconderes
esperamos que se ilumine o lado certo da noite
é quando se esgotam as palavras e os silêncios
e a minha mão procura a tua que a recebe
e a noite se unifica e todos os rios secam
menos um por onde navegamos
para abolir a noite.

Autor : Carlos Alberto Machado

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

De súbito é o susto


De súbito é o susto
estampado no rosto
refletido no espelho
parado na garganta. 

Invasores transitam
pelo quarto
desrespeitam o sono
em furor incontido.
Colocam algemas
em pulsos inocentes. 

Contra palavras – há muros
contra lamentos, murros. 

Levam jovens na mira
de fuzis reluzentes. 

Autor : Lara de Lemos

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Tu não sabias

 


Tu não sabias que eu sei quanto sabias
Tu exibias o que em ti desconhecias

Porém, tu vias, pressentias
na magia das horas mais amargas
o ponteiro dos segundos com que vias
rodarem no sentido das palavras...

E no silêncio das horas se estendia
um carinho sinuoso, entorpecente,
um meigo sorriso que escorria
num rio de ternura languescente.

Tu não sabias... nem eu... nenhum de nós
que a vida esconde os seus segredos
nos silêncios da nossa própria voz
e no código de amor dos nossos dedos.

Autor : Fernando Peixoto

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Mapeamentos

 

Desenhava caminhos no corpo dela, como se fossem mapas.
Marcava a longitude como se cravasse ali, o coração. 

Em cada parte dela,
eu era e descobria caminhos na presença, nas pintas que a natureza riscava na pele dela. 

A sensação de conhecer cada centímetros da pele dela
me fazia delirar na doce e eterna delícia de amar. 

Mapear os contornos do corpo dela
e deixar ali as marcas das minhas digitais e encontrar a minha constelação. 

Rota, bússola e direção e o corpo dela caminho da minha perdição e redenção. 

Autora: Mariana Gouveia 
Foto: Elena Vizerskaya