terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Fonte

Ashraful Arefin

Meu amor diz-me o teu nome
— Nome que desaprendi...
Diz-me apenas o teu nome.
Nada mais quero de ti.
Diz-me apenas se em teus olhos
Minhas lágrimas não vi,
Se era noite nos teus olhos,
Só por que passei por ti!
Depois, calaram-se os versos
— Versos que desaprendi...
E nasceram outros versos
Que me afastaram de ti.
Meu amor, diz-me o teu nome.
Alumia o meu ouvido.
Diz-me apenas o teu nome,
Antes que eu rasgue estes versos,
Como quem rasga um vestido!

Autor : Pedro Homem de Mello
in "Grande, Grande Era a Cidade..."

domingo, 4 de fevereiro de 2018

apenas um poema no olhar

anna o.photograf

desejava escrever um poema,
não um poema escrito com palavras,
apenas um poema, onde no olhar
tu soubesses que era,
para ti.
.
Autor : BeatriceMar 2014-02-02 (reeditado)

sábado, 3 de fevereiro de 2018

palavras que não sei

diggie vitt

as palavras que já rasguei
foram tantas que não sei
se algum dia um poema eu serei.

Autor : LuísMCastanheira
https://nagavea.blogspot.pt/

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

12

Barbara Cole

até pode ser que nem gostes muito destas palavras
nem de mim  agora que os meus gestos
são tão diferentes
agora que recordas tanta coisa que eu esqueci
e ainda bem ninguém pode viver
com o peso do que ficou para trás
agora que os livros as canções as laranjeiras
ficaram para sempre naquele cenário de primavera
que fazia de nós todos o garantiam
presas tão fáceis

pressinto que hás-de culpar-me sempre
pelos anos que perdemos por becos ruas avenidas
esquecendo à toa aquilo
que só um ao outro deveríamos ter ensinado

talvez até tenhas razão mas eu chegara
àquele lugar da vida onde só se pode
amar para sempre e sem remédio
e de um dia para o outro a minha boca

desaprendeu disciplinadamente o sabor da tua
e os teus passos   a tua voz   o céu de paris
a janela sobre os telhados   os domingos de sol
atravessaram as mais arrastadas fronteiras
e estabeleceram os seus limites do lado de lá
de todas as madrugadas que eram nossas

houve mesmo um tempo desculpa em que esqueci
as cartas os cigarros as fugas os recados
as canções as camélias o jardim
onde me esperavas às nove da manhã
a velha que nos olhava abanando a cabeça
entre estátuas decepadas e gatos vadios

talvez um dia quem sabe o destino
volte a ter novos contornos e nos olhe de frente
e ainda sobre tempo para reaprender a soletrar correctamente
todas as palavras que admitiam ter nascido
do teu corpo da tua voz do sabor da tua boca
tempo para povoar de novos sons os velhos discos de vinil
e sonhar com mundos à espera de serem salvos
pelas nossas palavras

tempo para nos olharmos e encontrarmos
sem remorsos
a maneira de nos perdermos de novo nos caminhos
que levam ao coração absoluto da terra

talvez um dia quem sabe eu volte
a faltar às aulas para esperar por ti

Autor : Alice Vieira
In Dois corpos tombando na água

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Troco-me por ti

ira zhuyka dzhul

Troco-me por ti 
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi,
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado.

Autor : Pedro Tamen
in “Rua de Nenhures”

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Queria dizer-te que não sei





Queria dizer-te que não sei
que há qualquer coisa
talvez desperdiçada talvez não
Tu sentiste-a disseste que era como
qualquer uma outra coisa que
esqueci
A tarde era talvez já fosse tarde
e a noite não vinha
─ como sempre
Queria dizer-te mas não sei se agora
me saberás ouvir


Autor  : Maria Alberta Menéres
Foto: Anna O.photograph

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Madrigal

Josephine Cardin

A minha história é simples.
A tua, meu Amor,
é bem mais simples ainda:

"Era uma vez uma flor.
Nasceu à beira de um Poeta..."

Vês como é simples e linda?

(O resto conto depois;
mas tão a sós, tão de manso
que só escutemos os dois).

Autor : Sebastião da Gama

in 'Antologia Poética'

domingo, 28 de janeiro de 2018

arrumações

Victor Bauer

eu quero lançar para o mar
esta angústia de dias acinzentados
de mágoas embuçadas
de dores auguradas.

esquecer-me de mim
e deitar fora os farrapos
os laços
os medos
e tudo o que me lembrar de mim.

enquanto eu não me metamorfosear
nada mudará
e
eu serei apenas um caco partido
espalhado pelo chão.
.
Autor : BeatriceM 2013-01-20 (reeditado)

sábado, 27 de janeiro de 2018

Rua da Maianga

eduard gordeev

Rua da Maianga
que traz o nome de um qualquer missionário
mas para nós somente
a rua da Maianga

Rua da Maianga às duas horas da tarde
lembrança das minhas idas para a escola
e depois para o liceu
Rua da Maianga dos meus surdos rancores
que sentiste os meus passos alterados
e os ardores da minha mocidade
e a ânsia dos meus choros desabalados!

Rua da Maiaga às seis horas e meia
apito do comboio estremecendo os muros
Rua antiga de pedra incerta
que feriu meus pezitos de criança
e onde depois o alcatrão veio lembrar
velocidades aos carros
e foi luto na minha infância passada!

(Nene foi levado pró hospital
meus olhos encontraram Nene morto
meu companheiro de infância de olhos vivos
seu corpo morto numa pedra fria!)

Rua da Maianga a qualquer hora do dia
as mesmas caras nos muros
(As caras da minha infância
nos muros inacabados!)
as moças nas janelas fingindo costurar
a velha gorda faladeira
e a pequena moeda na mão do menino
e a goiaba chamando dos cestos
à porta das casas!
(Tão parecido comigo esse menino!)

Rua da Maianga a qualquer hora
o liso alcatrão e as suas casas
as eternas moças de muro
Rua da Maianga me lembrando
meu passado inutilmente belo
inutilmente cheio de saudade!



Autor : Mário Antonio

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O poema ensina a cair

Diggie Vitt

O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede
até à queda vinda
da lenta volúptia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.

Autor : Luiza Neto Jorge

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O tempo passa? Não passa

Ettore Tito

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.

Autor  : Carlos Drummond de Andrade
in 'Amar se Aprende Amando'

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Sem Bússola, sem Leme...

Danielle Richard

Cansada, exausta, do labor insano
duma vida incolor, sem fantasia,
vou ver se encontro, noutro meridiano,
a emoção que desejo em cada dia.

Vou procurar, sem lógica, sem plano,
um pouco de aventura, de alegria.
Não mais o miserável quotidiano,
antes o vendaval que a calmaria.

Antes dor... No barco em que navego,
sem bússola, sem leme, louco e cego,
vou procurar inexistentes rotas.

Ó meu veleiro doido, sem governo,
a caminho, talvez, do céu, do inferno,
sobre espumas e asas de gaivotas.


Autor : Fernanda de Castro

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Ainda te falta


Ainda te falta dizer isto: que nem tudo
o que veio
chegou por acaso. Que há
flores que de ti
dependem, que foste
tu que deixaste
algumas lâmpadas
acesas. Que há
na brancurado papel alguns
sinais de tinta
indecifráveis. E
que esse
é apenas
um dos capítulos do livro
em que tudo
se lê e nada
está escrito.

Autor:Albano Martins 
Foto:KuSiu

domingo, 21 de janeiro de 2018

em procura de memórias

Anka Zhuravleva

num fim de dia ,fui pelas ruas
as mesmas que um dia
andarilhamos – juntos.

sem querer admitir a mim própria
pesquisei resquícios de ti
algo como, um aroma
ou um sorriso esquecido.

as ruas estão diferentes
mas são as mesmas em que deabulamos
e em todas elas, todas
eu senti – ainda-  a tua presença.


Autor : BeatriceM 2017-01-20

sábado, 20 de janeiro de 2018

Nocturno

Victor Bauer
O desenho redondo do teu seio
Tornava-te mais cálida, mais nua
Quando eu pensava nele…Imaginei-o,
À beira-mar, de noite, havendo lua…

Talvez a espuma, vindo, conseguisse
Ornar-te o busto de uma renda leve
E a lua, ao ver-te nua, descobrisse,
Em ti, a branca irmã que nunca teve…

Pelo que no teu colo há de suspenso,
Te supunham as ondas uma delas…
Todo o teu corpo, iluminado, tenso,
Era um convite lúcido às estrelas….

Imaginei-te assim à beira-mar,
Só porque o nosso quarto era tão estreito…
- E, sonolento, deixo-me afogar
No desenho redondo do teu peito…

Autor : David Mourão-Ferreira