terça-feira, 25 de outubro de 2016

felicidade

Ashraful Arefin

eram os dias um diamante
burilado a cada corrida
era feliz
desconhecia.

Autor : Pedro Teixeira Neves

domingo, 23 de outubro de 2016

estados

anna o. photography

trespassadas na laringe
esgotei as palavras,
perdia-as,
e nem me importa.

não sei viver
com esta dor impregnada na alma
a preencher-me os dias
a enrolar-me as lágrimas.

mas ainda sei  sonhar sóis,
amanhã,
sei e sinto que,
virão aquecer-me o corpo e a alma.


Autor : BeatriceMar

sábado, 22 de outubro de 2016

Dá-me a tua mão

Natália Drepina


Dá-me a tua mão,
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
– para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.

Autor : José Gomes Ferreira

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O espírito

Trini Schultz

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
A vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

Autor : Natália Correia

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

As Facas


kylli sparre

Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Autor : Manuel Alegre

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Pai



Os meus dias caíram na água
como um naufrágio de folhas secas.
Caminho lentamente para a idade
com que partiste.
Observo um poente antigo por trás
do teu nome; cega-me
o esplendor desse mistério.
Levanta-se uma revoada de pássaros
num horizonte de neblina.
Confio ser esse o tempo que nos separa

.Autor : Eduardo Bettencourt Pinto

domingo, 16 de outubro de 2016

...

Paolo Barzman

e eu sei que resisto
cansada e esperançosa

na palavra que o vento alado
traz no meu sentimento

hoje a cidade grande estava vazia
de ti e de nós

Autor : BeatriceMar

sábado, 15 de outubro de 2016

Anoitece em Inferno a Minha Casa

christian schloe
Anoitece em inferno a minha casa.
Fico com este começo de verso
a serenar a exaltação de não dizer nada.
Deixem-me com este sorriso a morrer
por uma sílaba mais real onde um verso
me sossegue
com unhas de lama e sangue,
como garras.
Anoitece em inferno a minha casa.
Fica a certeza de não ter fim o que
de inutilidades se basta,
ou apenas o instante em que,
por um verso, eu fui
à outra parte da casa.

Autor : Helga Moreira
in 'Os Dias Todos Assim'

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

...

josephine cardin

Na penumbra dos ombros é que tudo começa
quando subitamente só a noite nos vê
E nos abre uma porta nos aponta uma seta

para sermos de novo quem deixámos de ser

Autor : David Mourâo-Ferreira
in OBRA POÉTICA (Ed. Presença, 1988)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Corpo Ausente

Natália Drepina
Mistério, esse, o da vida...
Aquele que morre nos ponteiros do tempo
Das almas guardadas num oceano sem fundo
Porque os corpos já não comandam
Os dias que passam, inúteis...

Guardei no bolso o sonho
Porque nos olhos já não cabia!
Era grande demais, e os olhos são pequenos...
O bolso, é fundo e escuro
Acomoda a eternidade do que é utópico.

Tomo café, ainda assim, todas as manhãs
Com os raios de sol que cabem nas palmas das minhas mãos
E vêm plantar esperança na seiva que corre em mim.

E na sombra da minha silhueta
Planto o silêncio que o vento afaga
Trémulas, as minhas mãos? Não!
Fazem parte do meu corpo ausente
Que adormeceu, há muito, nos braços da terra.

Autor : Cecília Vilas Boas
in O Eco do Silêncio(Esfera do Caos 2012)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

..

katia_chausheva

Cada instante é um lugar perdido em que te entregas
à passagem do tempo. A juventude é um vício
que perdemos inevitavelmente. Dizes: é breve o amor,
efémera a vida.

Somos uma estância museológica,
algo anacrónico que aprende a perdurar por medo
de morrer. Toca-me, conjuga um verbo que conheças
no presente do indicativo, soletra-o na segunda pessoa
do singular ao meu ouvido, dá-me qualquer coisa
que me pareça eterno.

Basta-me que o teu olhar me encontre.

Autor : José Rui Teixeira

domingo, 9 de outubro de 2016

há sempre

Fidel Molina

há (sempre) um vento seco
que me acaricia
e me despenteia.

há sempre uma esperança
que em mim se enlaça e segreda
amanhãs plenos de verde.

há sempre um poente
que me acalma, e embala
há sempre. sempre!

Autor  : BeatriceMar

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Julgava que te tinha dito adeus

Mira Nedyalkova

Julgava que te tinha dito adeus,
um adeus contundente, ao deitar-me,
quando pude por fim fechar os olhos,
esquecer-me de ti, dessas argúcias,
dessa tua insistência, teu mau génio,
tua capacidade de anular-me.
Julgava que te tinha dito adeus
de todo e para sempre, mas acordo,
encontro-te de novo junto a mim,
dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,
invades-me, afogas-me, diante
dos meus olhos, em frente à minha vida,
por sob a minha sombra, nas entranhas,
em cada golpe do meu sangue, entras
por meu nariz quando respiro, vês
pelas minhas pupilas, lanças fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora que faço?, como posso
desterrar-te de mim ou adaptar-me
a conviver contigo? Principie-se
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.

Autor : Amalia Bautista

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Olhos Remoçados

brooke shaden

No tempo em que crescíamos
a noite bramava tão parda
que nem parecia noite

De súbito um frémito de luz
pestanejou nos mastros do cais

o mar restolhou

e eu vi claramente
os teus olhos remoçados
alumiarem as águas

Após tantos relâmpagos vividos
julgavas estar preparada
para voar

mas os pássaros ainda aprendiam
a ter asas

Autor : Eufrázio Filipe
http://mararavel.blogspot.pt/

domingo, 2 de outubro de 2016

Apontamento

Marcos Beccari

Às vezes penso que já era estranha quando te conheci.
Sei lá!
Acho que depois fiquei pior, e nem sei se é pior ou melhor ficar ainda mais estranha, do que sempre fui. Tu dizias que eu era uma ostra, mas que também sabia ser uma gaivota. E eu sabia que ostra queria dizer, calada e gaivota queria dizer, capaz de voar sem dar explicação nenhuma a ninguém muito menos a ti. Tu também ias e vinhas, mas nunca ficavas.
Ás vezes penso que eu não sou assim estranha como tu me fazes crer que eu sou, acho que quem é estranho és tu, por isso, quando voltares, a passar na minha rua e quereres saber de mim, nem fazes ideia que eu já cruzei o oceano, e que na minha bagagem a lembrar-me de ti apenas levo aquele boneco horrível que me deste quando fomos comer um hambúrguer ao mcdonalds.
Talvez por isso eu não me importo nem um pouco que me aches estranha.
E sem querer ser normal, acho que vou guardar em mim tudo o que ainda sinto por ti e que tu nunca vais morrer nas minhas memórias.
Mas, isso, tu também não precisas de saber…
.
Autor:  BeatriceMar