sábado, 4 de janeiro de 2025

A Tonalidade das Palavras

aynur Guçlu

As palavras também têm sábados e dores de cabeça e uma história real na construção do mundo.
As palavras entristecem com a nossa fala. E nós enlouquecemos sem elas. Porque o mundo são palavras.
As cores são palavras. A palavra primavera floresce em nossa boca. E a palavra mar faz de quem a pronuncia, uma ilha encantada.
Quando parto sem palavras, uma tristeza vai comigo a doer-me no sangue, na raiz da fala e do afecto.
Só elas podem explicar o mistério do amor.
Delas retiro o ouro, o trigo, a fala e a esperança. Nelas vive o tigre e a esmeralda. Delas sopra o vento.
São curandeiras. Feiticeiras. Mensageiras. Deusas.
São o canto da alma e a voz que falta às andorinhas.
E o sorriso do anjo. E a única coisa que Deus não inventou.
São essas palavras que ficam mudas no coração da gente para que os beijos possam dizer o que elas não dizem.


Autor : Joaquim Pessoa,
in “Guardar o Fogo”

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Ao Longe Escutava

Ao longe escutava
O vazio intacto
Um vulcão
Os jogos do azar
Escapulindo lágrimas
Ao longe um sátiro sem audição nem olfato
Os dias felizes
Ao longe
A mordidela de rochas e o avental
aquele que puseste no Natal

Ao longe eu escutava
A tua voz em tanques
Nos cucos
O vazio intacto
Os dias felizes
As areias que éramos, tristes
Os pomos os pélagos os gerúndios
(tu de paixão em riste)

Autor : Cecília Barreira

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Elegia


Teu sorriso se abriu como uma anêmona
entre as covinhas do rosto infantil.
Estavas de pijama verde,
nas almofadas verdes,
os pezinhos nus, as pernas cruzadas,
pequenina,
como um ídolo de jade
que teve por modelo uma princesa anamita.
Tuas mãos sorriam,
teus olhos sorriam,
o liso dos teus cabelos pretos sorria,
e mesmo me sorriste,
e foi a única vez…

Não pude calçar, com beijos os teus pezinhos,
e não pudeste caminhar para mim…
Mas é bem assim que os meus sonhos se possuem.

Autor : João Guimarães Rosa
Imagem : Lisa Holloway

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Sou imprudente


Adília Lopes,
Pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira,
Lisboa , 20 de Abril de 1960
Lisboa,30 de Desembro de 2024
.
Sou imprudente
como os pombos
que morrem atropelados
e complicada
como as serpentes
que se enroscam
nas árvores

Autor : Adília Lopes
Imagem : Desconheço o Autor