quinta-feira, 4 de julho de 2024

Não há tempo

Não há tempo
há horas

Não há um relógio
hábitos que
me habitam

O poema dói
o ponteiro corta
a hora que queima
a morte simula

respira
para não me distrair

Autor : Fernando Lemos,
 in 'A única real tradição viva - antologia da poesia surrealista portuguesa'

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Se

 

se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra

eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto

ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio

daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...

Autor : Alice Ruiz

segunda-feira, 1 de julho de 2024

O barco vai de saída

 

Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias
Fausto, nome artístico
26 de Novembro de 1948 (Oceano Atlântico, registado em Vila Franca das Naves)
01 de Julho de 2024Lisboa


O barco vai de saída
Adeus ó cais de alfama
Se agora vou de partida
Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor
Lembra-te de mim nesta aventura
Pra lá da loucura
Pra lá do Equador
Ah! mas que ingrata ventura bem me posso queixar
Da pátria a pouca fartura
Cheia de mágoas ai quebra mar
Com tantos perigos ai minha vida
Com tantos medos e sobressaltos
Que eu já vou aos saltos
Que eu vou de fugida
Sem contar essa história escondida
Por servir de criado a essa senhora
Serviu-se ela também tão sedutora
Foi pecado, foi pecado
E foi pecado sim senhor
Que a vida boa era a de Lisboa
Gingão de roda batida
Corsário sem cruzadod
Ao som do baile mandado
Em terras de pimenta e maravilha
Com sonhos de prata e fantasia
Com sonhos da cor do arco-íris
Desvairas se os vires
Desvairas magia
Já tenho a vela enfunada
Marrano sem vergonha
Judeu sem coisa nem fronha
Vou de viagem ai que largada
Só vejo cores ai que alegria
Só vejo piratas e tesouros
São pratas são ouros
São noites são dias
Vou no espantoso trono das águas
Vou no tremendo assopro dos ventos
Vou por cima dos meus pensamentos
Arrepia, arrepia
E arrepia sim senhor
Que a vida boa era a de Lisboa
O mar das águas ardendo
O delírio dos céus
A fúria do barlavento
Arreia a vela e vai marujo ao leme
Vira o barco e cai marujo ao mar
Vira o barco na curva da morte
Olha a minha sorte
Olha o meu azar
E depois do barco virado
Grandes urros e gritos
Na salvação dos aflitos
Esfola, mata, agarra
Ai quem me ajuda
Reza, implora, escapa
Ai que pagode
Reza tremem heróis e eunucos
São mouros são turcos
São mouros acode
Aquilo é uma tempestade medonha
Aquilo vai pra lá do que é eterno
Aquilo era o retrato do inferno
Vai ao fundo, vai ao fundo
E vai ao fundo sim senhor
Que a vida boa era a de Lisboa
Que a vida boa era a de Lisboa