Eu poderia dizer que sem a tua
boca todas as fontes hão-de secar agora,
a primavera agitar-se-á num
desespero verde,
calar-se-á para sempre o grito
azul de todas as manhãs.
,
Eu poderia dizer que sem os teus
cabelos a chuva não cairá durante séculos,
o inverno recolherá as suas
crinas de água
e semeará punhais por toda a
terra.
,
Eu poderia dizer que sem os teus
olhos nenhuma madrugada rodará o seu vestido de estrelas,
nenhum barco achará o porto,
nenhuma ave encontrará o ninho.
,
Eu poderia dizer que sem os teus
seios a loucura apagará fogueiras,
a noite enforcará todas as
rosas,
as abelhas terão a morte mais
amarga,
as dunas recusarão as mãos do
vento.
,
Eu poderia dizer que sem o teu
corpo nenhum rio chegará ao mar,
os afogados cantarão o silêncio
em todas as praias
e uma dor violenta impedirá o
sexo dos amantes.
,
Eu poderia dizer que sem as tuas
mãos não haverá uvas nem águias nem corolas,
nenhuma porta se abrirá de novo,
nenhum gesto será mais possível.
,
Oh, meu amor!,
eu poderia dizer tudo,
poderia inventar tudo. Mas não.
De ti
direi apenas que não voltas.
Ficarei
ainda e sempre e sempre e sempre
à tua espera.
.
Poema XX
.
Autor : Joaquim Pessoa
in " Os
Olhos de Isa" (1979)
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