domingo, 19 de maio de 2019

Demora a tua mão

Omar Ortiz.
Demora a tua mão em mim
Porque a mão é só a mão
E
Depois em mim terei o teu hálito
A tua língua
Com sabor às madrugadas
Plenas
E
Depois do grito em uníssono
E quando apenas o silencio existir
Em mim e em ti
Repousará o sorriso.
.
Autor :BeatriceM 15/05/2011 reeditado

sábado, 18 de maio de 2019

Condiçoes Atmosféricas


A noite permanece triste

no subúrbio.
Os animais humanizam os cartazes
de propaganda.
É de barro a passagem dos meses.
Pouco sabemos
do tempo vindouro.
As névoas
movimentam-se entre rochedos.

Tão indelicada
a chuva
fora de hora...

Autor : Fernando Paixao

sexta-feira, 17 de maio de 2019

...

Fábio Selvatici.
.
Estendo na cama o corpo que há-de ser
o porto a que esta noite vais chegar.
E entre névoas e ventos hei-de ver
o barco dos teus dedos ancorar
na margem mais secreta do desejo.
E há-de haver um mapa ali por perto
que te leve à enseada do meu beijo
e à fogueira de tudo o que está certo.
E na respiração da tua boca
bebo o grito da terra sempre pouca
para a noite em que ficarmos sós.
Mas o corpo descansa apaziguado:
sei que o sol já repousa do meu lado
e que o teu rio já chegou à foz.

Autor: Alice Vieira

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Quando eu sonhava

Joan Carol.
.
Quando eu sonhava, era assim 
Que nos meus sonhos a via; 
E era assim que me fugia, 
Apenas eu despertava, 
Essa imagem fugidia 
Que nunca pude alcançar. 
Agora, que estou desperto, 
Agora a vejo fixar... 
Para quê? - Quando era vaga, 
Uma ideia, um pensamento, 
Um raio de estrela incerto 
No imenso firmamento, 
Uma quimera, um vão sonho, 
Eu sonhava - mas vivia: 
Prazer não sabia o que era, 
Mas dor, não na conhecia ... 

Almeida Garrett
 in 'Folhas Caídas'

quarta-feira, 15 de maio de 2019

"No fundo dos relógios"

"Demoro-me neste país indeciso
que ainda procura o amor
no fundo dos relógios,
que se abre
como se abrisse os poros solitários
para que neles caiam ossos, vidros, pão.
Demoro-me
no ventre desta cidade
que nenhum navio abandonou
porque lhe faltou a água para a partida,
como por vezes desaparece a estrada
que nos conduz aos lugares
e ali temos que ficar."

Autor : Filipa Leal
in - A Cidade Líquida e outras texturas_ 2006 (p. 22)

terça-feira, 14 de maio de 2019

Pedra de Sisifo II.


Agora medirei o tempo
Pela vara erguida ao meio-dia
Pela areia a descer o coração
E o sono

Pela cinza no cabelo de Jacob
Pelas agulhas no colo de Penélope

Agora lavarei a minha face
Sem perturbar os círculos da água
Medirei o tempo pelo peso da pedra
De Sísifo, perto do cimo
E pelo musgo que dificulta
A firmeza dos seus pés

Partirei sozinho na viagem
Sem nenhuma pedra ou senda repetida
E no tempo repetido acharei uma saída
Uma manhã depois de uma manhã

Autor : Daniel Faria
 Poesia

domingo, 12 de maio de 2019

Espera

Brooke Shaden
.
 Doí-me a ambiguidade,
do encontro que não marcamos,
e vai doer até ao momento da chegada.

BeatriceM 08/05/2014 (reeditado)

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Lya Luft

Anya Anti

Lembro-me de ti
Nesse instante absoluto,
A vida conduzida por um fio de música.
Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo
Onde tudo será permitido.

Se é só isso que podemos ter,
Que seja forte. Que seja único.
Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia,
Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.

Autor: Lya Luft

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Ressalva

Brooke Shaden.
.
Este livro foi escrito
por uma mulher
que no tarde da Vida
recria a poetiza sua própria
Vida.

Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da 
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.

Este livro:
Versos... Não.
Poesia... Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.

Autor :Cora Coralina 
Os versos acima inauguram o livro Poemas dos Becos de Goiás e Estorias Mais, lançado pela primeira vez em 1965.

terça-feira, 7 de maio de 2019

O Livro Fechado

Quebrada a vara, fechei o livro
e não será por incúria ou descuido
que algumas páginas se reabram
e os mesmos fantasmas me visitem.
Fechei o livro, Senhor, fechei-o,

mas os mortos e a sua memória,
os vivos e sua presença podem mais
que o álcool de todos os esquecimentos.
Abjurado, recusei-o e cumpro,
na gangrena do corpo que me coube,

em lugar que lhe não compete,
o dia a dia de um destino tolerado.
Na raça de estranhos em que mudei,
é entre estranhos da mesma raça
que, dissimulado e obediente, o sofro.

Aventureiro, ou não, servidor apenas
de qualquer missão remota ao sol poente,
em amanuense me tornei do horizonte
severo e restrito que me não pertence,
lavrador vergado sobre solo alheio

onde não cai, nem vinga, desmobilizada,
a sombra elíptica do guerreiro.
Fechei o livro, calei todas as vozes,
contas de longe cobradas em nada.
Fale, somente, o silêncio que lhes sucede.

Autor : Rui Knopfli
in "O Corpo de Atena"

domingo, 5 de maio de 2019

pela janela

karen hollingsworth.
.
pela janela da sala vislumbro a paisagem à minha frente
e deleito-me com a visão sobre o mar,
que me alimenta como uma espécie de vitamina
estou novamente na minha zona de conforto.

E sonho com os olhos bem abertos sobre o mar.

Autor : BeatriceM 2019-05-04

sábado, 4 de maio de 2019

Só me resta agora

Só me resta agora 
Esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro.

Ouço agora o rumor 
Das raízes da noite, 
Também o das formigas 
Imensas, numerosas, 
Que estão, todas, corroendo 
As rosas e as espigas.

Sou um ramo seco 
Onde duas palavras 
Gorjeiam. Mais nada. 
E sei que já não ouves 
Estas vãs palavras.

Um universo espesso 
Dói em mim com raízes 
De tristeza e alegria. 
Mas só lhe vejo a face 
Da noite e a do dia.

Não te dei o desgosto 
De ter partido antes. 
Não te gelei o lábio 
Com o frio do meu rosto.

O destino foi sábio: 
Entre a dor de quem parte 
E a maior — de quem fica — 
Deu-me a que, por mais longa, 
Eu não quisera dar-te.

Que me importa saber 
Se por trás das estrelas 
haverá outros mundos 
Ou se cada uma delas 
É uma luz ou um charco?

O universo, em arco, 
Cintila, alto e complexo. 
E em meio disso tudo 
E de todos os sóis, 
Diurnos, ou noturnos, 
Só uma coisa existe.

É esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro.

É uma lápide negra 
Sobre a qual, dia e noite, 
Brilha uma chama verde

Autor : Cassiano Ricardo

sexta-feira, 3 de maio de 2019

deixarei

deixarei,
que encontres
tua paz
em outros braços
outros espaços
sem esquecer
que tua face
na madrugada
entre meus dedos
eu acolhi..

serei
teu barco
aportado
no cais
no silêncio
depois da ultima revoada..

terei apenas
a liberdade
de escolher.

deixar ficar
te ver surgir
e depois partir.

Se não és minha
eu não sou teu.
e sem tristeza
e nenhum lamento
podemos ser
apenas
adeus

nos teus sonhos
de amanhecer..

autor : joanna.franko
foto: Tullius Heuer ( cria manipulações digitais que parecem interagir com o mundo real.)

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Tempo das Chuvas


katie eleanor.
.

Antes que venham as primeiras chuvas
                                                        acender

Amarelas flores entre os rochedos
E o céu se torne móvel de compridos pássaros
E todo o chão se cubra do verde novo
Do capim

Saberás pelo vento que chegaste ao fim.


Autor:José Eduardo Agualusa

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Dia do Trabalhador


O trabalho é a melhor e a pior das coisas: a melhor, se for livre; a pior, se for escravo.

Autor : Émile-Auguste Chartier