sábado, 23 de janeiro de 2010

Foi para ti que abriguei a chuva


Foi para ti que abriguei a chuva
que calei o vento
e derramei-me feito perfume
nos confins da terra...
Eu te garanto
não toquei em nada mas para ti foi tudo,
tudo o que escrevi!
.
Para ti, criei todas as palavra
se todas me faltaram
no minuto em que talhei a fruta mais doce
e o sabor do sempre
sempre ficar.
.
Para ti dei voz
ao meu olhar
às minhas mãos.
Para ti
abri os gomos das horas
verti as gotas do tempo
e voltei á rua
e revi a cidade ...
.
Para ti, sim, para ti
Escrevi este poema
e pensei que tudo estava em nós
desde outrora, nessa doce espera
no engano das horas
de tudo sermos donos,e nada termos....
Para ti escrevi
simplesmente porque era noite e não dormíamos...
.
Para ti dediquei
Verso por verso
Em cada prosa
A cada momento
em que eu descia em teu peito
para me procurar..


Autor : Claude Bloc

Foto:Leszek

domingo, 17 de janeiro de 2010

Não

eu sem você é assim como dedos
quebrados
e a dor de nada se mover
em qualquer direção.
eu sem você
é um vão ornado
de escuridão.
.
Foto:netiee

domingo, 10 de janeiro de 2010

Conheço o Sal


Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
.

Autor : Jorge de Sena
Foto: Mrodsi

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

"VIBRATO"

Que as palavras sejam
Canto de pássaros sob a máscara
Ainda quente de outros cantos
Recidivos...

Que se cumpram os prenúncios.
E a polpa dos dedos
Seja arrepio de pele sobre o dorso
Da vertigem...

E violoncelos tangendo a combustão
Dos corpos...

Livro de Horas
No mistério dos sentidos...

Autor: HERETICO http://relogiodependulo.blogspot.com/2009/10/vibrato.html
Foto: porsche944

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Chove.É dia de Natal


Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Autor:Fernando Pessoa

Foto:hhana

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Neste voo de escrever-te um poema


Neste voo de escrever-te um poema
um poema que falassedos rios ocultos
com cestas de astros e corais
que falasse das flautas de sol
polindo a tarde
e de picaretas de luz
que do peito à boca me ressoam


Um poema com peixes verde-prata
vindo à tona entre os juncos e as palavras
e onde os sapos surpreendidos em seus saltos
deixassem os gritos suspensos
nos cabelos das algas
com regatos de permeio


Um poema que tivesse também
um longuíssimo solo de violino
com todos os mundos que para ti inventei...
- Neste voo de escrever-te um poema
que não sei...

Autor:Victor Oliveira Mateus In "Movimento de Ninguém", Minerva, Lisboa, 1999, p 30.
Foto:Haim Zaslavsk http://plfoto.com/1967498/zdjecie.html

sábado, 12 de dezembro de 2009

...


As tuas palavras não sobem mais
os degraus da minha casa
...não as escuto
Os teus gestos fogem-me do corpo
...não mais os sinto
secam-se-me os olhos
...não te enxergo
Nas mãos conservo ainda o livro
da vida que vivemos
E me ofertaste
como despedida...
.

Autor:Helena Domingues http://orionix.blogspot.com/
Foto:mabar

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Algas

.Amar-te assim com a força da poesia
que sem querer
gravo em tudo o que faço e
souAmar-te assim ao clarear de mais um dia
em que descubro meu corpo
desnudado e
tranquilo.

Amar-te assim onde as mãos tacteiam
quais algas desavindas
perdidas nas profundezas
das águas

Amar-te...

Autor: © Piedade Araújo Sol
04/09/2005
http://olharemtonsdemaresia.blogspot.com/

Foto:glover barreto

sábado, 5 de dezembro de 2009

Há no corpo da mulher
as cordas dum violino adormecido;
Há no corpo do violino
os sonhos adormecidos duma mulher.
Quando o silêncio despe
a melancolia desafinada dos corpos,
as cordas tangem gemidos de desejo
despertando cinzas de sonos queimados
na espera de novas pautas
que escrevam melodias virgens
e despertem o repouso dos corpos.
.
Autor:PAS[Ç]SOS http://pacosdagua.blogspot.com/
Foto:Leszek

sábado, 28 de novembro de 2009

...

Deixo o rio correr,
(o som e a cor),a agua tenho-a na alma,tudo o resto é vento que rema sombras…
Não tenho fronteiras, só o universo me cabe,para lá dele
há o olhar que O inventa e O sente.

Autor:Almaro

sábado, 21 de novembro de 2009

Fatalidade


Brotam desejos em mim
Vibrantes, quentes, vistosos,
Como as papoilas vermelhas
Se recortam nos trigais!

Brotam e murcham depois,
Como a elas acontece,
Deixando indiferente o céu
Que viu seus gritos de cor
Como sangue a escorrer
Nas mãos de quem as colheu!

Também eu, mondo os desejos
Que nascem dentro de mim,
E sei que o céu indiferente
Os deixará reviver,
Garridos como as papoilas
Que alguém jamais semeou,
Mondadeiras vão colher,
E no trigo hão-de nascer!

autor:Maria José Rijo http://paula-travelho.blogs.sapo.pt/2008/03/
26 Maio 1956
Foto:Pa Wel

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

As coisas pelo nome

Eu não sou o meu nome. Eu sou o teu nome escrito do avesso. Eu sou o meu nome encostado à tua cabeça. O meu nome que foge de mim. O teu nome e o meu nome atados com cordas. O teu nome sou eu quando me debruço por cima do teu ombro. O meu nome a fazer uma pirueta. O meu nome a cair lentamente sobre a tua cama estreita de mulher. O teu nome dentro da minha boca. Sou eu a pedir-te que repitas o meu nome, sussurro a sussurro, letra a letra. Sou eu a dizer o teu nome que trago debaixo da língua. O teu nome no meu sexo estampado. O meu nome no teu sexo estrela. O meu nome é um sexo levantado. O meu nome é uma carícia que me fazes por cima da minha cicatriz. O meu nome é a cicatriz a meio do teu corpo. O meu nome plana por cima das planícies em busca do teu nome. O meu nome cai a pique junto ao teu nome. Nunca digas o meu nome. O meu nome não existe. Não vem em nenhuma página escrita. O meu nome é um cifra escrita a verde ultramarino. Verde ultramarino é a cor de que mais gostam os nossos nomes. O meu nome sobre o teu nome. O teu nome sobre o meu nome. Os nomes muito perto. Os nomes muitos. Os nomes exaltados. O meu nome em cadência lenta. O meu nome é forte como um bicho selvagem. Os nossos nomes percorrem as paisagens como cavalos endoidecidos. Quem diz o meu nome diz amor, qualquer coisa aflita. Quem diz o teu nome deseja ser atingido por um raio, elevado aos céus. O meu nome por dentro do teu nome. O teu nome a pedir perdão por tudo. O meu nome, o teu nome, agarrados por cordas, a cair num precipício. Os nossos nomes são coisas que se comem por dentro. As coisas pelos nossos nomes são aves sagradas. Nome a nome, coisa a coisa. O sol morre dentro do meu nome, na minha boca. O teu nome abriga numa mão fechada o que resta do meu nome. Nomes muito belos. Um nome sem nome. Um nome inefável, inomável. Um nome que ninguém conhece. Só o teu nome sabe o meu nome de cor. O meu nome a subir pelo teu. O teu nome repete o meu nome, nome a nome, sílaba a sílaba. As coisas pelos seus nomes. Os nomes pelas suas coisas. Cada coisa com seu nome, o nome sem fim. Cada nome com sua coisa. O nome do nome no umbigo do mundo.
.
Autor :Pedro Paixão
Foto:Bogustawsiemek

sábado, 14 de novembro de 2009

o caminho mais íngreme

o caminho mais íngreme
é melhor que se faça
sozinho.

evitemos sacrifícios
alheios

não vá a terra
despegar-se

e arrastar na avalanche
o nosso melhor amigo.


Autor: José Miguel de Oliveira
http://deliriospoeticos.blogspot.com/
Foto:Julka Toldi

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

há dias que me fitas

há dias que me fitas a partir do monitor,
e não sei se é a nudez dos teus olhos
ou dos teus ombros,ou se é um mero efeito de luz
sobre os cabelos, os lábios,
que me traz preso à tua presença
ausente, porque nunca partiste
nem chegaste, nem sei quem és,
imagem que apenas afloraste ao ecrã,
num desamparo teu e meu.

Autor:Vítor Oliveira Jorge
Foto: Moniks

terça-feira, 6 de outubro de 2009

As nossas madrugadas


As nossas madrugadas

Desperta-me de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas
o sono em que me deito

pois suspeitas

que com ele me visto e me
defendo

É raiva
então ciume
a tua boca

é dor e não
queixume
a tua espada

é rede a tua língua
em sua teia

é vício as palavras
com que falas

E tomas-me de foça
não o sendo
e deixo que o meu ventre
se trespasse

E queres-me de amor
e dás-me o tempo

a trégua
a entrega
e o disfarce

E lembras os meus ombros
docemente
na dobra do lenços que desfazes
na pressa de teres o que só sentes
e possuires de mim o que não sabes

Despertas-me de noite
com o teu corpo

tiras-me do sono
onde resvalo

e eu pouco a pouco
vou repelindo a noite

e tu dentro de mim
vais descobrindo vales.


Autor:Maria Teresa Horta
Foto:Asieek