domingo, 25 de dezembro de 2011

O Natal



O natal faz-me confusão, e nunca é, nem nunca foi como eu o imaginava, ou sonhava.

E na minha permanente confusão acerca disso, prefiro o meu mutismo a uma opinião mais plausível e coerente, mas, e como é Natal  para todos os seguidores e os leitores que visitam este espaço, desejo

Bom Natal de 2011
.
Foto  Tomasz Stawowy
Beatrice

domingo, 18 de dezembro de 2011

Falo de


Falo de um homem que possuía livros de poemas. Foi talvez o único real leitor. Ele abria os livros, um livro. Escolhia um poema. Era um ritual misterioso. Porque ele raspava as letras da página, cuidadosamente, como para conservar a integridade do papel. Raspava e reunia os pedaços negros. Aquecia então água com o vagar próprio da vertigem. Uma estranha ciência de vapores.

A infusão sucedia: a escura substância do poema misturava-se mais e mais com o fervor da água, até ao ponto em que tudo aquilo era vivo. O homem bebia então o poema e o poema flutuava no sangue, atingindo todos os lugares do corpo, reclamando todos os lugares do corpo. Não era previsível o efeito do poema. Cada poema dissolvido, sorvido, feito homem, trazia consigo uma possibilidade própria. O homem crescia com o poema, crescia mais para si, mais para o poema.


o homem que possuía livros de poemas, possuía uma biblioteca em branco. Páginas e páginas de poemas arrancados sem vestígios, um crime perfeito. Era uma biblioteca poética. Uma biblioteca que podia arder.

Autor : Vasco Gato
de Omertã, Quasi Edições, 2007
Imagem:-Fao

domingo, 11 de dezembro de 2011

se um dia



se um dia – alhures
olhasses para mim
num mar que não o meu – nem o teu
e para um passado - que eu queria presente
.
a minha natureza
seria uma serpente
com a língua em fogo
.
Autor: Beatrice

domingo, 4 de dezembro de 2011

-





Pedem tanto a quem ama: pedem
o amor. Ainda pedem
a solidão e a loucura.
Dizem: dá-nos a tua canção que sai da sombra fria.
E eles querem dizer: tu darás a tua existência
ardida, a pura mortalidade.
Às mulheres amadas darei as pedras voantes,
uma a uma, os pára-
-raios abertíssimos da voz.
As raízes afogadas do nascimento. Darei o sono
onde um copo fala
fusiforme
batido pelos dedos. Pedem tudo aquilo em que respiro.
Dá-nos tua ardente e sombria transformação.
E eu darei cada uma das minhas semanas transparentes,
lentamente uma sobre a outra.


.
Autor: Herberto Helder 
Foto Keita

domingo, 27 de novembro de 2011

As noites

São tão grandes as noites – na casa
É tão imenso o silêncio - consentido
Em forma de abismos

E nas mãos
Apenas repousa o nada
Entrelaçados nos pés
.
Autor : BeatriceM

domingo, 20 de novembro de 2011

Fim



faz-se tarde
e eu deixei de esperar-te.


todos os portos se fecham sobre mim
e a floresta adensa-se -


nenhuma clareira se abre à passagem dos
animais e do homem antigo.


são 4 horas na manhã de todos os relógios.

.Autor :José Agostinho Baptista
Foto::Leszek

domingo, 13 de novembro de 2011

O verdadeiro poema

O verdadeiro poema
não voa pela vida, mas acima dela.
É um falso deambular que atira
as imagens ao ar ainda não respirado
e as ata,
em braçados de palavras redondas,
no horizonte de cada olhar.
.
O verdadeiro poema
conduz mais vozes de fora para dentro
que o inverso.
É um filme ao contrário
onde a bala, que não é disparada
pela espingarda do poeta,
tem que atingir quem carregar no gatilho.
.
Mas, se o horizonte é pequeno,
não há ricochete e
o verdadeiro poema morre por fuzilamento.



Autor : Nilson Barcelli http://nimbypolis.blogspot.com/
Foto ERTU

    domingo, 6 de novembro de 2011

    Ainda


    tantas vezes – ainda
    são a memória dos teus dedos que me tocam
    que deambulam 
    e correm como um rio na procura desenfreada
    da foz
    no meu corpo
    ainda – sempre – teu.

    tantas vezes – ainda
    chega-me o cheiro verde de mentol
    do teu hálito no meu

    e o corpo – o meu
    ainda - sempre
    continua solitário - à espera do teu.
    .
    Autor :Beatrice
    Foto:Rishka

    domingo, 30 de outubro de 2011

    Nada mudou



    Nada mudou.Ao fim de tantos anos, o meu
    passado é ainda o mesmo passado –nenhum
    rosto diferente para desviar o rio da memória,
    nenhum nome depois. Para te esquecer,

    devia ter partido há muito tempo.como viajam
    as aves de verão em verão.E tentei; mas as malas
    abertas sobre a cama eram livros abertos, e eu
    nunca fechei um livro antes do fim. Por ter

    ficado, nada mudou jamais –e o meu passado é
    ainda o nosso passado; e o rosto que tinha antes
    de me deixares é o que o espelho me devolve no
    presente…

    Autor Maria do Rosário Pedreira
    Foto: anna66

    domingo, 23 de outubro de 2011

    sem rédeas


    sem rédeas
    és um potro que corre
    livre e ágil
    na planície
    em cores de palha seca.
    .
    nessa inquietação de ser
    nem tens tempo
    para que libertes
    também
    .
    a esperança que nos estorva
    a nossa própria pequenez

    Autor :Beatrice
    Foto: Dorota Dziduch

    domingo, 16 de outubro de 2011

    Fulva aberta



    Como pequena
    Sarda (in)discreta...

    .
    Ou como sulco
    Do seio
    Na meta...

    Ou como boca
    Na ponta
    Do sexo adverso...


    Ou como língua
    De fogo
    Em fornalha...



    Ou como ferida
    Na saliva
    Tonta...


    Ou como coxas
    Secretas
    Libertas...


    Ou como arados
    De beijos dos dedos
    Nas costas voltadas...


    Ou como cristal
    Em flor colhido
    Rendido...


    Ou como vulcão
    Ardente ardido
    Sem til sem medo...



    Vulcânica te quero!
    .
    Autor Senador
    Foto :Jowitaa
    •  

    domingo, 9 de outubro de 2011

    a última bebida

    era tarde. tão tarde. uma última bebida, tão tarde. uma última bebida disseste.
    tão cedo - lá fora.
    fiquei a olhar-te.
    da janela vi as ondas, no mar.  além.
    uma última bebida.
    e foi a última de todas as últimas.
    tanto tempo.
    e nunca mais te vi.
    e nunca mais te senti.
    e nunca mais bebi.

    a última de todas as últimas bebidas.

    Autor : Beatrice
    Foto: janikowski

    domingo, 2 de outubro de 2011

    ....


    Despi as máscaras
    Fiquei nu,
    Deambulei calçadas...
    Tão indecoroso me notei,
    Caminhos irregulares percorri
    Dores expostas, escondidas á mostra...
    Apesar de titubeante debrucei-me no chão.
    Pouco a pouco desamamentei os medos.
    Sujei com as lágrimas das palavras, a vida.
    Num dado instante
    Não fui eu quem falou,
    Aliás, terei sido eu? Eu...?
    Depravei em farsas
    .
    Autor :  http://loucodelisboa.blogspot.com/
    Foto:The Professor

    domingo, 25 de setembro de 2011

    Intuiçoes


    Esta é a hora da paixão. Pede-me para morrer
    e morrerei.
    O amor cegou-me os olhos da razão,  por isso
    caminho alegremente para o futuro.
    Quando o amor não é contemporâneo, só
    a um, doi a despedida.

    .
    Autor : Angela Leite
    Foto: aMaja

    domingo, 18 de setembro de 2011

    Palavra inóspita

    Talvez o caos seja apenas a rosácea

    Antes do fogo que os dedos tecem no cinzel
    E a pedra a absurda permanência da forma
    Em si fechada...


    Talvez a poalha do tempo fecunde novas cidades
    E as ínfimas coisas se ordenem e expludam
    Como corolas em delírios de cristal...


    Talvez a vontade dos homens seja excesso
    E rasgue as veias das galáxias
    E o surdo rugir do mundo inunde a consciência
    Dos escravos...


    Talvez a Palavra seja inóspita
    E os hinos sejam derrocada das muralhas...
    .
    Autor : Heretico  http://relogiodependulo.blogspot.com/
    Foto: Paddinka

    domingo, 11 de setembro de 2011

    O Verão




    Estás no verão,
    num fio de repousada água, nos espelhos perdidos sobre
    a duna. 
    Estás em mim, 
    nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome 
    pensas:
    teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó,
    sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
    És o esplendor do dia, 
    os metais incandescentes de cada dia. 
    Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
    o ardor das maçãs,
    as claras noções do pecado.
    Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas dos
    meus anos. 
    Quando me deixas, o sol encerra as suas pérolas, os 
    rituais que previ.
    Uma colmeia explode no sonho, as palmeiras estão em
    ti e inclinam-se. 
    Bebo, na clausura das tuas fontes, uma sede antiquíssima.
    Doce e cruel é setembro.
    Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.


    Autor :José Agostinho Baptista
    In Paixão e Cinzas (1992)



    Foto: The Professo

    domingo, 4 de setembro de 2011

    sonhos


    sigo um sonho – só meu
    nas cores incandescentes
    da paixão assolapada
    que dissemino 
    nas noites em branco.

    e  desmembro
    os nós que me estorvam
    os sentidos
    quando olho as cinzas diluídas
    em mim.

    Autor : BeatriceM 2011-04-09
    Foto : Vrill

    domingo, 28 de agosto de 2011

    Ao largo...e tão perto






    Chegas
    em ondas de rebentação,
    com afagos,
    afogas-me,
    no mastro erguido
    iças-te
    desnudando caminhos
    por onde as mãos
    desfazem nós
    de cabos
    que outras marés
    não dobraram
    e sem palavras
    abeiras-te da boca…

    fundeio,
    afundo-me,
    ancorado em ti.
    .
    Autor : Caminheiro http://www.calcadasentimentos.blogspot.com/
    Foto:komarek66

    domingo, 21 de agosto de 2011

    noite e margens


    Nas orlas da noite – margens em mim
    Tenho todos os segredos – em nós
    Guardo no ventre a seiva – e afogo-me
    Luxúria dos corpos - em rios
    Nas escarpas das certezas – de perigos
    E somos dois – entrelaçados
    Unos – apenas 
    .
    Autor :Beatrice
    (Nota: pode separar o poema e ler de duas maneiras)
    Foto:Stan Mare

    domingo, 14 de agosto de 2011

    Ressurgimento


    Passei o dia triste meu amor...
    Foi um domingo inteiro de agonia.
    Tudo empalidecera em mi derredor,
    ficou a latejar a dor sombria!

    Que doloroso e cálido sabor,
    nos lábios me abrasava todo o dia!
    Sentia ter bebido a própria dor,
    dor imprecisa, negra nostalgia...

    No silêncio do morno entardecer,
    bebi a angústia que me fez sofrer,
    e se fundiu em pranto, diluída...

    E agora, amor, a minha angústia acalma,
    purificada na dor, a minha alma,
    vai ressurgir de novo para a vida!

    Autor :Judith Teixeira
    Mês dos Cravos – Sol-Posto
    1920
    Foto:Graça Loureiro

    domingo, 7 de agosto de 2011

    Poema Kitsh


    Tu és o meu veneno e o meu vício
    uma forma de estar fora de mim
    sem ti o que era espera faz-se ofício
    a vontade de te ter noite sem fim
    esse tu não estares um breve indício
    de flores morrendo no jardim.

    Há um sítio em mim por habitar
    casa para sempre em construção
    há traves altos andaimes pelo ar
    estaleiro abandonado junto ao chão
    onde antes se julgava que era o mar
    não há vagas nem marés nem barcos vão.

    Se a hora de chegares fica esquecida
    não mais posso esperar tua presença
    o que antes era corpo tornou ferida
    tudo o mais reduto de indiferença
    pois onde agora a sombra estava a vida
    onde antes a luz a noite imensa.


    Autor: Bernardo Pinto de Almeida

    domingo, 31 de julho de 2011

    Caminho pelo lado da rebentação



    Caminho pelo lado da rebentação das ondas ―
    o litoral guarda segredo dos meus passos entre
    as redes de sal trazidas pelos barcos
    e o labirinto das algas ainda agora oferecidas

    à praia. Sinto-me à mercê das falésias a riscar
    o teu nome na areia; e é como se lentamente
    pronunciasse um chamamento triste a que ninguém
    acode. Fez-se tarde para os lamentos das sereias:

    agora as marés dobam novelos de espuma à roda
    dos meus pés, as águas já não transportam
    a minha voz, a perder-se sobre as dunas
    que os ventos vão desbastando devagar
    ao cair da noite. Tenho sempre medo que não voltes.

    Autor :Maria do Rosário Pedreira
     Foto:meyy

    domingo, 24 de julho de 2011

    quedas



    caiu uma folha,
    (morta?),,,colorida,
    semente-lágrima
    de vida.
    reza em vão
    marulhos de uma oração,
    de um ciclo que não finda…
    caiu uma folha,
    mão-arado,
    sangrada por chuva-dorida,
    caiu uma folha
    sozinha,,,no chão

     almaro  
    Foto: pkarws

    domingo, 17 de julho de 2011

    onde a luz se ateia




    Desde as últimas pétalas
    que não te via neste mar


    tão breve
    solidária
    pelo tempo fora

    Reconheci-te peregrina
    pelo ressoar das águas

    Trazias referências inscritas
    nas asas
    uma espécie de destino
    memórias incumpridas
    sem palavras nem repouso
    à descoberta de uma pausa
    na fissura das escarpas

    Gostei de te ver
    no cimo dos meus olhos

    onde a luz se ateia.


    .
    Autor :http://mararavel.blogspot.com/

    domingo, 10 de julho de 2011

    Foram

    Foram tantos os silêncios
    Que as palavras se perderam
    Antes mesmo de serem ditas

    Foram tantas as noites cativas
    Que os sonhos feneceram
    Quando a manhã ainda nem nascera

    Foram tantos os silêncios – tantos
    Que ainda doem no eco
    Dos sentires...

    .
    Autor :Beatrice
    Foto:Nat. S

    domingo, 3 de julho de 2011

    Sarça


    toco-te l(E)tra
    discreta sobre a blusa
    como transparência
    do sol mordendo-te
    a teta...

    de encontro à meta
    o gesto da roupa solta...
    macio o tempo da demora:
    corpo aberto como prado!...

    bravios potros
    como amoras na boca!...
    urgência dos beijos
    como faca...

    ( línguas e segredos
    o vinho e o mosto
    do teus lábios...)

    aberta no fio da curva
    secreta a vulva
    como sarça!...
    .
    Autor :Senador
    Foto:loghan

    domingo, 26 de junho de 2011

    Como é que se Esquece Alguém que se Ama?


    Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? 
    As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 
    É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. 
    Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. 
    Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. 
    O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. 

    Autor : Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume' 
    Foto: Martyna Gumuła