sábado, 27 de abril de 2024

Cansaço

Estou cansado
sei que estas palavras são como um choro
sobre o mapa da vida
estas palavras têm o mesmo valor
quando suspiro depois
do desejo consumado e digo
estou cansado!

este corpo que corre a afogar-se
na memória absurda do que foi o abandono
confessa em silêncio
estou cansado!

Autor : Luís Rodrigues
https://brancasnuvensnegras.blogspot.com/
Imagem : Mikko Lagerstedt

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Ela e a Fortuna

Acaso é a flor
que se desfolha em sua mão,
o pássaro que foge
pela janela aberta,
o vento
que de repente infla suas velas,
porém sendo vento
ele passa e voa.
Ah a Fortuna
é para ela
o resplendor fugitivo
de uma manhã de sol,
de uma hora,
de um arco-íris
trêmulo e evanescente
que se estende
sobre um abismo deslumbrado…
A Fortuna é o que não se tem,
e é tão perfeita
tão rica e esplêndida
a sua imagem,
que empobrece
as pequenas alegrias
de todos os dias:
os frutos de sua horta
onde não crescem
laranjas de ouro,
as rosas
de seu modesto jardim,
que logo murcham,
o timbre claro das vozes
que por vezes estão próximas,
e até mesmo o riso
que se apaga em seus lábios
dissipado
por um invisível sopro.

Autor : Alaíde Foppa
Imagem : Andrea Kiss

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Liberdade


-- Liberdade, que estais no céu…
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

-- Liberdade, que estais na terra…
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
-- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Autor : Miguel Torga

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Atar-se aos segredos dos dias gémeos

Atar-se aos segredos dos dias gémeos
não é tarefa fácil para o meu pobre amigo.

Vem às vezes ver-me,
para partir o silêncio de uma lenta agonia
que na memória guarda.

Atar-se tantos nós não servia para nada.

Di-lo com os olhos afundados na chuva
e assim nasce a sua sombra
no céu quebrado que esconde o abandono.

Autor :Ana Merino
trad. joaquim manuel magalhães(relógio d´água2000)
Imagem :Anthony Garcia

terça-feira, 23 de abril de 2024

Só o amor

Só o amor pára o tempo (só
ele detém a voragem)
rasgámos cidades a meio
(cruzámos rios e lagos)
disponíveis para lugares com nomes
impronunciáveis. É preciso conhecer os mapas mais ao acaso
(jamais evitar fronteiras
nunca ficar para trás)
tudo nos deve assombrar como
neve
em Abril. Só o amor pára o tempo só
nele perdura o enigma
lançar pedras sem forma e o lago
devolver círculos).

Autor : João Luís Barreto Guimarães
in Nómada
Imagem : Kristin Edmundson

domingo, 21 de abril de 2024

poalhas vagas

 

somos incompatíveis,
nos dias,
nos gostos,
nos acertos que são sempre desacertos,
somos seres díspares,
onde só somos compatíveis,
na paixão assoberbada pela calada da noite…

Autor : BeatriceM 2024-04-20
Imagem :Masha Raymers 

sábado, 20 de abril de 2024

Dois Poemas

Antonio Curnetta

Em que idioma te direi
este amor sem nome
que é servo e rei?

Como o direi?
Como o calarei?

É como se a noite se molhasse
repentinamente, quando choras.
É como se o dia se demorasse,
quando te espero e tu te demoras.

Autor : Albano Martins

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Ser e não ser

Entre mim e os livros na estante,
no espaço ocupado pela luz,
dão-se transformações
a que assisto quieta e calada.

Depois de olhar o ar,
cada palavra reflecte
o lugar invisível de onde veio o poema
ou o silêncio que passou pela casa.

A alma não escolhe a estação
nem prevê o detalhe do infinito.

Reparo com espanto infante
nos vestígios deste ritual,
os livros que não li
sabem de mim
e não dormem nunca.

Autor Marta Chaves
In Avalanche

quinta-feira, 18 de abril de 2024

O nome das árvores


Há quem olhe as árvores como quem olha as árvores e
guarda no bolso dois nomes para cada árvore. As
árvores não morrem no interior da sombra.

Quem é que sabe que saber até ao fim do mundo é
pouco mais do que nada. Quem sabe que as palavras
são só uma nesga da paisagem. Quem caminha assim
por dentro dos caminhos. O nome das árvores é o
silêncio.

Há quem olhe as árvores como quem procura pássaros
dentro das árvores e o céu por cima das árvores. As
árvores não morrem no interior da sede.

Quem é que sabe que o destino é tão lento e está tão
perto. Por quem se demora o vento quando o vento se
demora. Quem é que sabe que sonhar é o princípio da
respiração. As árvores são o lume quando os caminhos
se acendem.

Há quem olhe as árvores como quem olha as árvores
ou como quem olha as casas ao cair da noite. As
árvores não morrem no interior do medo.

Quem é que sabe que viver é viver para lá da última
folha. Quem é capaz de morrer e depois de morrer não
morrer ainda. Quem habita os lugares invisíveis. As
árvores caminham no descuidado caminhar do tempo.

Há quem olhe as árvores como quem olha as árvores
com os olhos súbitos e incendiados do amor. As
árvores não morrem no interior da chama.

Tudo nas árvores é o coração das árvores. Por quem os
pássaros esquecem as asas quando os pássaros
esquecem as asas. Quem sabe devagar amadurecer um
fruto. Quem é capaz de amar assim até às raízes.

Rui Miguel Fragas
In O Nome das Árvores
Imagem :Janek Sedlar

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Caixinha de Música

impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de
cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos
laços
abraços fitas ou fios transparentes

em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhada em véus de seda e brocado

encantada a serpente a flauta o mago
senhor toca
e quando me toca
o corpo eu abro

caixinha de música
dentro
com bailarina que dança

Autor : Ana Mafalda Leite

terça-feira, 16 de abril de 2024

BÚSSOLAS DA VIDA

 

Observo o ciclo da vida feita ao redor de mim
Estonteio-me com a noção do tanto não feito
E gelo-me nesse pensar do que não disse
No zelo do que não consegui escrever no vazio.

Sintonias de prazeres e hiatos de saudades cor
Polvilhados hoje de branco no entardecer lógico
Rugas sulcadas por rios de lágrimas recorrentes
No procurar de mansinho do mar que não se agita.

Sons redutores de anseios que se apagam no areal
Passos na falésia à beira de si..."cardume" floral
E até as gaivotas perderam o medo do próximo.

Volteios em círculos de rectas secantes e infinitas
Geografias amputadas em planisférios políticos
E as bússolas perderam o magnetismo do sorrir!

Autor: José Luis Outono
in MEMÓRIAS - by OUTONO 2009
( direitos autorais – S. P.A. – 106402 )

domingo, 14 de abril de 2024

Verbos

Flutua no ar o livre arbítrio
Transformado em algo
Que o verbo se conjuga no passado

Porque no futuro
Não o sei conjugar
E nem com palavras renovadas

Se no presente faz coesão
Porque já as despi integralmente
Do meu sentir

Autor : BeatriceM 2024-04-13
Imagem :Anna Derhanovskaya 

sábado, 13 de abril de 2024

O Poeta

 

O que resta
Ao poeta
Senão viver
Inconformado
E não vergado
Embora
Em voz silenciada
Ninguém conseguir
Calar a voz do verbo.

Autor : Delmar Maia Gonçalves
Imagem : Martin Stranka
.

sexta-feira, 12 de abril de 2024

O tamanho impensável das flores

O tamanho impensável das flores
Prende-me ao chão

E não serve de nada encontrar um lugar
Onde possa ser outra coisa qualquer.

Autor : Sandra Costa
Imagem : Marie Meister

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Poema

Eu não sabia então -
nem sei se mesmo hoje saberei -
que a poesia era para isto
falar das coisas miseráveis
- a memória do que é miúdo, o que é rasteiro -
o sono escombros que o mar devolve à terra.

Ou então lembrar meu Pai
suas mãos secas tisnadas do sol
sua vasta alma camponesa rosto de terra
coração de menino olhos ingénuos
um chapéu protegendo-lhe a cabeça
caminhando entre folhas de videira
suavemente falando aos que trabalhavam na colheita
[se acercassem de um outro campo mais acima
para colher sob sol braseiro
uvas que eu ia devorando
até do sumo doce fartar minha boca.

Ou lembrar meu avô
que conduzia mal
levando o carro pelo meio da estrada de província
a buzinar longamente em cada curva
afugentando galinhas ovelhas
crianças ranhosas
filhas do álcool.

Lembrá-lo agora como quem evoca um sabor cheiro
[da infância
não chegando para me humedecer os olhos
(não sou especialmente dado à comoção)
leva-me a um outro tempo:
um tempo de girassóis e de pão farto e doce
a encher-me a boca miúda
momentos coincidentes com o agora:
a guerra na Palestina as eleições em França
a notícia de um óbito no jornal do dia
a graça do pivô a fechar outro telejornal
ou tão-somente essa presença intensa
teu perfil recortado no ecrã dos meus olhos.

Tudo acontecendo ao mesmo tempo numa linha
[horizontal
em simultâneo como se de fora
como se fosse um outro
desconhecendo sempre
o lugar exacto a que pertenço.

Autor : Bernardo Pinto de Almeida
Imagem:Erik Johansson 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Ombros

Agora, que o gelo se derreteu nos
ramos preguiçosos dos teixos e as
águas sossegaram no caudal dos
rios; que o frio deixou de apunhalar
o coração dos campos, e as aranhas
voltaram a emergir das feridas dos
muros _ escrevo para preservar a
alegria, que é o que me mantém acesa
a luz do amor. Por isso, quando te
pergunto se achas que, com os anos
e o mundo, me tornei cínica, por favor,
não encolhas os ombros: as minhas
gargalhadas ainda não têm sangue.

Autor : Maria do Rosário Pedreira
In :O meu corpo humano pág. 85.
Imagem : Omar Ortiz

terça-feira, 9 de abril de 2024

....


O casal da mesa do lado tocou nas palavras durante o
pequeno-almoço. Cumpriu-o indiferente sem incomodar o silêncio,
sem ter provado sequer uma curta vez que fosse do dissabor das
palavras.
O casal da mesa do lado já deve ter dito tudo.

João Luís Barreto Guimarães
in Poesia Reunida (Quetzal)

domingo, 7 de abril de 2024

talvez

 

talvez que o teu silêncio,
seja uma prova de que a ausência,
é uma partida inadiável,
e um corte com a mágoa,
transformada em saudade .

Autor : BeatriceM 2024-04-06
Imagem : Zach Alan

sábado, 6 de abril de 2024

É nos teus olhos

Esther Bayer

É nos teus olhos que o mundo inteiro cabe,
mesmo quando as suas voltas me levam para longe de ti;
e se outras voltas me fazem ver nos teus
os meus olhos, não é porque o mundo parou,mas
porque esse breve olhar nos fez imaginar que
só nós é que o fazemos andar.
.
Autor : Nuno Júdice

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Título por haver

Anka Zhuravleva

No meu poema ficaste
de pernas para
o ar
(mas também eu
já estive tantas vezes)

Por entre versos vejo-te as mãos
no chão
do meu poema
e os pés tocando o título
(a haver quando eu
quiser)

Enquanto o meu desejo assim serás:
incómodo estatuto:
preciso de escrever-te
do avesso
para te amar em excesso

Autor : Ana Luísa Amaral

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Resposta


Alma: não tiveste um lugar. Assim,
te foste ao reino prometido, e dobras-te
agora em quanta solidão venceste,
impelida num mundo de retorno.

Nem a razão expectante permitiu
o maior pensamento de certezas!
Alma: da terra ao céu o traço fino
da tua directriz — mais não ficou...

Eis a vida — pó cruel, ansiedade
que deu a forma à tua acção perfeita
em sombras de tristeza e dia a dia.

Desvendado segredo! A dor que seja
o fogo, tua lembrança encontrou
nesse vazio a única palavra...

Autor : António Salvado

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Noite

a angústia dos teus lábios
esvoaça
pelo meu corpo
como fria aragem…

e toda a música
que os meus ouvidos ouvem
não é mais
que a dos loucos búzios enganadores

cerro as mãos
para guardar
esse murmúrio
quasi nada…

e com elas cerradas
permaneço até
que a madrugada
rompa…

Autor : Alda Lara
Imagem : Anna Heimkreiter

terça-feira, 2 de abril de 2024

Que porém,

Gratificar o sol
com algumas excepções:
a ave que porém não cai
o grilo que porém não canta.

Autor : António Mega Ferreira
Imagem : Kiara Rose

domingo, 31 de março de 2024

Oração


E ao terceiro dia Tu ressuscitaste
E eu perdida no mundo, até de mim
Solitária
Dentro deste templo, que é a Tua casa
Peço-Te encarecidamente
Com a fé que me assiste momentaneamente
Amansa os líderes do rebanho cada vez mais tresmalhado
Ensina o caminho para a luminosidade
A quem pensa que é o dono da verdade
Ajuda-nos a merecer uma imensidão de Paz
Para que a harmonia reine entre todos nós

Autor BeatriceM 2024-03-31

sábado, 30 de março de 2024

Sobre esta página


Há quem não leia para além do que vai escrito.
Tudo tem de ser literal: chão rua noite e casa,
cama mesa e roupa lavada. Nem silêncio nem grito,
consoante as penas que se transporta em cada asa.

Guarda o talento para ti, não mudes de página.
Há gente capaz de se negar à própria evidência
e de te acusar de mundos e reinos criados por álgida
imaginação, de asno com excesso de inteligência.

A nada e ninguém repliques. O segredo
só a ti pertence, tão único como tu. Lês
por dentro o que escreves, sozinho na noite
qual condenado às trevas do seu degredo.

Caminha sobre a página. Mudarás não o sentido
nem o ritmo nem a música nem a voz do poema,
e sim o verbo que te levará à vista do infinito.

Autor : João de Melo
In Longos Versos Longos.
Imagem : Marie Meister

sexta-feira, 29 de março de 2024

Quando imaginei que podias partir


Quando imaginei que podias partir
senti no corpo o gosto de uma voz distante.
Era voz de pinheiro negra como as estrelas
desprendia do acaso de um frio rarefeito
e já perdida na sua inexistência
como a pedra mais côncava
do mais profundo silêncio da terra.

Era uma voz de hora profunda e rouca
vinda dos ventres espumosos do tempo
ressoando como o rumo incerto de aves negras
crepusculares vértices tristes
sobre campos ausentes.

Vivi um pranto de fadiga indecisa
em lenta pausa de violências ocultas
e a tempestade apagou-se em círculos de brandura
nos rios de ondas pálidas do olhar de inverno
como uma velha nostalgia perdida
adormecida em sabor de ameixa triste.

Era uma fadiga de deuses errantes
vinda da hora perdida da canção de um naufrágio
espalhando-se na alma das árvores doridas
solta na vastidão de planícies de vidro
em entardecer áspero de sal.

Num abraço delgado e transparente
encostei a cabeça ao ombro da parede
marquei o limite da minha boca vacilante.
Era boca sem raiz ou fim de tarde
murmúrio arrastado ou sonolento
orvalho perseguido no país dos naufrágios
lucidez de riso afogado num cais.

Um riso a completar na tua inexistência
na ausência de quem não pode partir.
Um riso a completar na transgressão da incerteza
na despedida inventada por inventar
amanhã
ou hoje
devagar
em silêncio.

Autor : Ana Margarida Falcão

quinta-feira, 28 de março de 2024

Cada Poema


Cada poema um pássaro que foge
do local indicado pela praga.

Cada poema um traje da morte
pelas ruas e praças inundadas
na cera mortal dos vencidos.

Cada poema é um passo até a morte,
uma moeda falsa de resgate,
um tiroteio no meio da noite
perfurando as pontes sobre o rio,
cujas águas adormecidas viajam
da cidade velha para os campos
onde o dia prepara suas fogueiras.

Cada poema um toque rígido
daquele que jaz na lousa das clínicas,
um ávido gancho que percorre
o lodo macio dos túmulos.

Cada poema um lento naufrágio do desejo,
um rangido dos mastros e cordames
que sustentam o peso da vida.

Cada poema um estrondo de telas que desabam
sobre o rugido congelado das águas
o cordame branco da vela.

Cada poema invadindo e rasgando
a amarga teia do tédio.

Todo poema nasce de uma sentinela cega
que grita nas profundezas da noite
o lema de seu infortúnio.

Água do sonho, fonte de cinza,
pedra porosa dos matadouros,
madeira à sombra das sempre-vivas,
metal que dobra pelos condenados,
óleo funeral de dois gumes,
mortalha diária do poeta,
cada poema espalha pelo mundo
o cereal azedo da agonia.

Autor :Alvaro Mutis
Imagem : Remi Rebillard

quarta-feira, 27 de março de 2024

Um dia

Este céu nublado
de tempestade oculta
e chuva pressentida
me pesa;
este ar denso e quieto.

Que sequer move
a folha leve
do jasmim florescido,
me afoga
esta espera
de algo que não chega
me cansa.

Quisera estar longe,
onde ninguém
me conhecesse:
nova como a relva fresca,
suave,
sem o peso
dos dias mortos
e libre
ir por caminhos ignorados
até um céu aberto.

Autor :Alaíde Foppa
Imagem : Coco Liu

terça-feira, 26 de março de 2024

Insónia

Oleg Oprisco

Perguntarás aos peixes
como se dorme
de olhos abertos. Porque o sono
dos vivos é um fosso
de víboras
insones. E precisas
por isso
de estar atento. De dormir
acordado.

Autor : Albano Martins

domingo, 24 de março de 2024

Livros

Gosto de ler
E transformar-me
Na protagonista do livro

Muitas vezes empolgada
Já nem sei se sou ela
Se o livro existe ou não

Uso roupas diferentes
Pinto os lábios de vermelho
E mudo minha personalidade

Outro dia
Quando o livro acabou
Mudei meu nome para o da personagem

Só então me lembrei
Que não podia ser ela
Detesto andar de comboio

Autor : BeatriceM 2024-03-23
Imagem :Gina Vasquez

sábado, 23 de março de 2024

Primavera


 
A Primavera vem dançando
com os seus dedos de mistério e turquesa
Vem vestida de meio dia e vem valsando
entre os braços dum vento sem firmeza

Nu como a água o teu corpo quieto e ausente
Só este inquieto esvoaçar do teu sorriso
Loiro o rosto o olhar não sei se mente
se de tão negro e parado é um aviso
do destino que me fixa finalmente

Ai, a Primavera vai passando
com os seus dedos de mistério e de turquesa
Segue Primavera vai cantando
Que será do nosso amor nesta praia de incerteza

Autor : Urbano Tavares Rodrigues
Imagem: Laura Zalenga

sexta-feira, 22 de março de 2024

Cenas

 
As pessoas são exímias a transformar-se
no pior que delas se espera.
A sugestão tem o poder
de fazê-las actuar sob o seu efeito.
Nem os espelhos familiares
as reconhecem.
Persistem como amadoras na novidade,
desempenham papéis que decoraram sem ler.
Depois, ficam soterradas na vergonha
de algo que lhes parece alheio.
Tão estranho e falso
real e assustado
o modo como se livram da dor.

Autor : Marta Chaves
In Avalanche
Imagem Korinne Bisig

quinta-feira, 21 de março de 2024

O dia nasceu chuvoso

 


O dia nasceu choroso,
Pediu que não sem palavras.
Rompeu enfim.
Deixou duplicar-lhe os redemoinhos da cabeça,
Sem aspereza;
Só esse dia,
Só dessa vez.

Autor : André Rosa
Imagem : Emerico Imre Toth

quarta-feira, 20 de março de 2024

Saudade

o que me mata
é o silêncio
e o beijo
não ser na boca

o que me mata
é a falta
de seus olhos
nos meus

o que me mata
é a ausência
de mãos
e palavras

o que me mata
é esse breu.

Autor : Martha Galrão
Imagem : Amy Haslehurst

terça-feira, 19 de março de 2024

O Pai


Terra de semeadura inculta e brava,
terra que não tem estreitos nem sendas,
minha vida sob o sol treme e alarga.

Pai, os teus olhos doces nada podem,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as fontes.

O mal de amor cegou a minha vista
e nesta fonte doce do meu sonho
refletiu-se outra água estremecida.

Depois… Pergunta a Deus por que me deram
o que me deram e por que depois
soube da solidão de terra e céu.

Olha, minha juventude foi broto
puro que ficou sem abrir, perdeu
sua doçura de sangues e de sucos.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de beijá-la… E sendo outono,
Pai, os teus olhos na podem.

Escutarei na noite tuas palavras:
menino, meu menino…
e na noite imensa seguirei
com as minhas e as tuas chagas.

Autor : Pablo Neruda

domingo, 17 de março de 2024

Será que a Paz

Mariam Sitchinava

Será que a paz?
num futuro muito próximo,
será apenas uma utopia,
ou os caminhos estão contaminados,
por criaturas __ que sendo da raça humana,
parecem não ser.

Será que a ganância,
só vê os lucros que a guerra traz,
e que a paz não compensa,.

Será que acordei,
com pensamentos danosos.
Ou não?

Autor : BeatriceM 2024-03-16

sábado, 16 de março de 2024

...

Mikeila Borgia

O mar foi ontem 
o que o idioma pode ser hoje,
basta vencer alguns Adamastores.

Autor : Mia Couto

sexta-feira, 15 de março de 2024

O Tempo

Johan Messely

O tempo tem aspectos misteriosos:
Um ano passa a toda a velocidade,
E um minuto, se estamos ansiosos
Parece, às vezes, uma eternidade.

Um dia ou é veloz ou pachorrento
-depende do que está a contecer-
O tempo de estudar, pode ser lento.
O tempo de brincar, passa a correr.

E aquela terrível arrelia
Que até te fez chorar, por ser tão má,
deixa passar o tempo. Por magia,
Quando olhamos para trás, já lá não está.

Autor : Rosa Lobato Faria

quinta-feira, 14 de março de 2024

Noite Escura


sobre a curva do rio cuanza
o sol mergulha
vermelho
recortando no horizonte sombras de palmeiras
ai, é tão triste a noite sem estrelas!

um dia
o meu sol caiu no mar
e me anoiteceu

um dia começou uma noite sem estrelas.

mas na noite escura
os corações se erguem

ah!é tão alegre a madrugada!

Autor :Agostinho Neto
Imagem :Adrian Borda

quarta-feira, 13 de março de 2024

Menina Perdida

Menina perdida
no bosque da vida.

Os olhos desertos,
os gestos errados,
os passos incertos,
os sonhos cansados.

Menina perdida,
desaparecida
nos longos caminhos
de pedras e espinhos.

Cabelos molhados,
pés nús, alma exangue,
vestidos rasgados,
mãos frias, em sangue.

Menina encontrada
na berma da estrada.
Andava perdida
mas já foi achada,
de branco vestida,
de branco calçada.

Menina perdida
no bosque da vida.

Autor : Fernanda de Castro
imagem :Aleah Michele