sábado, 28 de fevereiro de 2009

A Mulher Mais Bonita do Mundo



estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
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entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.
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entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
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há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
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estás tão bonita hoje.
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os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.
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os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
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de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.
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Autor:José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

E tudo o que levas contigo

Não estou chateado por teres partido. Guardo com o mesmo carinho todas as palavras com que gastamos os papeis das nossas cartas, não rasguei nenhuma das fotos que pensávamos guardar para sempre, continuo a lembrar-me das palavras de amor com as quais fizemos eco pelas ruas da cidade, guardo até as lágrimas que derramei quando partiste. Guardo por ser feliz ao guardá-las. Se calhar, até as guardo por raiva, não por teres partido, mas por tudo aquilo que levas contigo.

Fugiste e contigo fugiu um bocadinho de mim, que desapareceu para sempre, não te iludas: nunca o conseguirás devolver. Acredito que até me queiras devolver tudo aquilo que roubaste, mas não é preciso. Ao partires resgataste parte do meu ser, talvez me tenha tornado mais livre, mas a única certeza é de que me tornei mais só. Não penses assim - não me tornei mais só por estar sem ti, tornei-me mais só, repito, por causa de tudo aquilo o que levas contigo. Partiste e partiram amizades, choros, risos, lembranças e o pior de tudo, sim o pior de tudo, partiu a esperança, a causa, se quiseres a meta, o objectivo, o ideal, o único dos fins. Mais do que os fins, partiram os propósitos, os rumos e o resto, tudo o resto que levas contigo ao partir.

Mas tens culpa? Claro que não tens culpa. Foste onde o teu pensamento te levou, talvez a culpa até tenha sido minha. Sim claro, foi minha. Eu sei que foi minha. Pensava e dizia, sem reflectir agia, perseguia o sonho com maior velocidade do que a vida me perseguia a mim. E depois? Depois tentava fazer-te feliz, fazendo-me também a mim. Claro! Foi aí que eu errei. Se eu te queria fazer feliz, não podia ser egoísta ao ponto de me querer fazer também a mim. Fui estúpido. Justiça? Qual justiça? Não há coisa mais justa do que ser feliz e eu era feliz se te tivesse feito feliz. E o que é isso da felicidade? É apenas tudo o que levas contigo.

Desculpa por teres partido.

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Foto:kiloff jeden

domingo, 22 de fevereiro de 2009

REPOUSO

(tuas asas silentes levemente pousam
sobre meus olhos
e encobrem meus medos)
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lá fora é a rua;
há um grito de cal
estridente como uma buzina
e cabeças passam
esfaqueadas pelo sol
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aqui - tuas asas
enormes e vaporosas
apaziguam o clima...
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há uma guerra lá fora;
o nosso amor contra a guerra?
- sangue jovem de pé
pelo nosso amor
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ah, tuas asas tranquilas me protegem;

Autor:Joao de Melo
Foto:woytass

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

medidas (in) variáveis

Só há distância na presença da luz, a que se sente no escuro, tem a exacta dimensão da nossa inquietação…
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Autor: almaro
Foto:Gedeah

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

a respiraçao do mar

Errantes as palavras, as janelas,
respiração à flor do mar no côncavo da arca,
ombro imenso que não encerra, todo o espaço
como um só corpo onde o vento começa.

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.Autor:António Ramos Rosa
Foto:Utibione

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

É segunda-feira.
Há árvores céu e estradas sem fim.
Existe uma normalidade rectilínea em tudo o que me cerca e no entanto choro.
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Choro lágrimas anormalmente rectilíneas
vazias de árvores céu e estradas sem fim.
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Autor:Luís Rodrigues

Foto:JP Sousa