sábado, 30 de setembro de 2023

Procuro-me


Tento encontrar a minha boca 

na tua boca 

porque me ficaste com as palavras 

quase todas

porque levaste a mão à boca 

depois do beijo 

porque respiras na cadência 

com que eu respiro 


tento encontrar as minhas mãos 

nas tuas mãos 

porque me ficaste com as carícias

quase todas

porque deixei os meus dedos 

nos teus dedos 

porque respiras na cadência 

com que eu respiro


tento encontrar o meu sexo 

no teu sexo 

porque me ficaste com o meu lume 

quase todo

porque me deixaste abrigar-me

nesse céu 

porque respiras na cadência 

com que eu respiro


Nasço do mistério 

do beijo 

da carícia 

das tuas entranhas.


Autor :  Luís Rodrigues 2023-09-26
Imagem : Katharina Jung
https://brancasnuvensnegras.blogspot.com/

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

É tarde meu amor


É tarde, meu amor
É muito tarde.
O tempo implacável me consome
E destrói o vigor do corpo moço:
Apagou o fulgor do meu olhar
Roubou a altivez do seio cheio
Secou o rio manso do meu ventre
Cobriu de pergaminho a minha mão
É tarde, muito tarde
Mas… por dentro
Ainda bate, por ti, o coração.

Aurora Augusta Figueiredo de Carvalho Homem, que usou os pseudónimos literários de Maria Aurora e de Maria Aurora Carvalho Homem, nasceu em Sátão (Viseu), 13 de novembro de 1937 - m. no Funchal, 11 de junho de 2010.

(in Discurso Amoroso, Porto 2006)

Imagem :Adam Bird

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Miopia

São a janela para a alma, tu disseste, esses olhos;
e que dizes agora, quando a luz os esculpe,

células se dispersam, e a miopia parece sonho,
cortina, sombra de sombra, velo que a luz

fez violentar, lembrado apenas?

Eu atravesso a estrada sem óculos;
da ciência, a sua crença recuperada.

Tu acenas, nitidamente.

Autor : Luís Quintais
In a Noite Imóvel

domingo, 24 de setembro de 2023

_._

Andar ludibriada, saber que um dia qualquer
não serei mais eu, mas apenas uma sombra
circunscrevida a pó, quando a dor ficar mais potente
e não saber se é dia ou noite, e só sentir a dor forte
cada vez mais forte...

Autor : BeatriceM 2023-09-23
Imagem : Kindra Nikole

sábado, 23 de setembro de 2023

...


Quando na delicadeza daquela manhã
acordei com a espuma do teu mar
senti na pele o grito das gaivotas e
a tua fome infindável de voar na vertigem
dos álamos através das janelas do corpo.
Senti o pranto das giestas no orvalho
desnudado da tua boca, o húmus
aceso do perfume lento onde cantam
as tílias e as névoas todas despidas.
Tive em ti o mastro, os escombros
do meu cais e o teu corpo semeou-me
pomares de desejos aonde a palavra
Amor sorriu nos braços das frutas.
Amei a sede dos teus sonhos em
escarlate e cinza, o mosto da tua
pele decifrada e toda a mudez
penetrante das paredes dos teus
olhos como dois jacintos suspensos
nos pequenos lábios das águas.
Por ti, os lugares da lua voltaram
de novo e no teu corpo ficou quieto
o resto da minha vida e a noite que vem.

Autor : © António Carlos Santos
Imagem : Nicole Burton

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Cântico de Barro

Inquieta chuva, inquieta me dispersa,
esquecida a tradição e o cansado som.

Dentro e fora de mim tudo é deserto
como se as ervas fossem arrancadas
ou se esgotasse a dor por que se chora.

Na grande solidão me basta, e a contemplo
para o sonho interior que me resolve!
Tão fácil é esperar, que já nem sinto
o que vem a dormir ou a morrer
na mesma angústia que o silêncio envolve.

Autor : Maria Alberta Menéres
Imagem : cocu liu

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Retrato

A pele era o que de mais solitário havia no seu corpo.
Há quem, tendo-a metida
num cofre até às mais fundas raízes,
simule não ter pele, quando
de facto ela não está
senão um pouco atrasada em relação ao coração.
Com ele porém não era assim.
A pele ia imitando o céu como podia.
Pequena, solitária, era uma pele metida
consigo mesma e que servia
de poço, onde além de água ele procurara protecção.

Autor : Luís Miguel Nava
Imagem : David Talley

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Aceitar o dia .O que vier

Aceitar o dia. O que vier.

Atravessar mais ruas do que casas,
mais gente do que ruas. Atravessar
a pele até ao outro lado. Enquanto
faço e desfaço o dia. O teu coração
dorme comigo. Agasalha-me as noites
e as manhãs são frias quando me levanto.
E pergunto sempre onde estás e porque
as ruas deixaram de ser rios. Às vezes
uma gota de água cai ao chão
como se fosse uma lágrima. Às vezes
não há chão que baste para a enxugar.

Autor : Rosa Alice Branco
Imagem : Amy Spanos

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Pele


Temos a mesma pele,
descobri anos depois.
É isso que nos impele
a sermos um, sendo dois.
Amar é ter a mesma pele,
o resto vem depois.
(E não falo da cor,
que é indiferente no amor).

Autor : Torquato da Luz
Imagem : Evan Atwood

domingo, 17 de setembro de 2023

hoje as estrelas,

 

hoje as estrelas, são apenas pequenas cintilações
o céu está desprotegido
e a lua escondida atravancada
pelas nuvens espessas e negras.

este vento que me amarrota a roupa
e me despenteia os cabelos
é como um rio sem foz
derrama sua força sobre o meu ser.

porquê estou desmoralizada
perante a natureza
se não temos força para a contrariar
nem poder para isso.

porquê esta ingratidão que sinto
e sei que não devia sentir
temos de aceitar e agradecer
por estarmos vivos.

Autor :BeatriceM 2023-09-16
Imagem : Jimmy Lawlor

sábado, 16 de setembro de 2023

A Questão deste Corpo


A questão deste corpo está hoje no esquecimento
dogma sobre ele erguido há muito tempo: é
um corpo flutuante confuso próximo de
um conhecimento verbal
questão em si mesmo questionando teoria
opinião tradicional.

Contamos histórias
renunciamos a determinar-lhe origem
recurso a outro corpo perguntando reclamando
a perder de vista.

Se interrogo retenho a questão quotidiana
o defeito do corpo disponível
ante toda a constatação todo o exame.

(Esta a coragem das mãos ao pensamento
lenta e solitária
no silêncio da pedra disparada
do alto do tempo.)

Autor : João Miguel Fernandes Jorge
Imagem : Taylor Rayburn

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Setembro


Não sei se te conheci em Setembro!
A memória já me trai,
mas gostava que tivesse sido…
Setembro, o meu mês preferido,
lânguido, sereno, quando a folha cai
e o ocaso da vida vai vencendo.
Setembro ,
árvores vestidas de tons dourados,
um pôr de sol de sonho,
um poema que componho
olhando as folhas no chão
com um frio no coração.
Setembro,
eu amo-te mesmo assim,
és o meu futuro Outono,
minha vida ao abandono,
és o principio do fim…
E no tempo que me falta,
vou revivendo
os Setembros que vivi…
Breve passaram os anos,
E agora, neste meu doce Setembro
uma dúvida me assalta!
Será que te conheci?

Autor : Alcina Viegas
Imagem : Diggie Vitt

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Não sei,

Federico
 Erra

Não sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intemida em que me esqueces.

Não sei, amor, se as lavas do vulcão
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. Não que sintas

outra coisa de mais que nos feneça;
mas só não sei, amor, se tu não sabes
que sei de certo a malha que nos teça,

o vento que nos leves ou nos traves,
a mão que te nos dê ou te nos peça,
o princípio de sol que nos acabes.

Autor:Pedro Tamen

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

ver o nome real do poema


O logo é já amanhã.
Não controlo este vazio
de te amar
como quem parte
outra vez com os ventos.
Sedenta estou
da água dos teus lábios
da frescura calmante
das tuas mãos
nestes dias de setembro.
Tão longe estou do teu olhar
daquela noite
em que todas as estrelas,
como pétalas,
se voltaram para nós.
Vazio, vazio, este gesto
de prender entre os meus dedos,
branca e húmida a tua pele.
Desejo o mar.
Que venha cingir as nossas vozes,
meu amor.
.
Autor : Lília Tavares
 in Parto com os Ventos

terça-feira, 12 de setembro de 2023

saudade

 

 Tal como és, assim te quero, e sempre
diverso cada dia do que foste;
cada imperfeito gesto que inventares
me fará desejar-te em outro verso.

Da arte do soneto feito mestre
no concurso sem regra da floresta,
na mais pequena folha te descubro
e no caule do vento é que te perco.

Da turva luz já retirei o emblema
que me sirva de rosto permanente
e venha o cabeçalho do poema;

e pedirei à noite que me empreste
um farrapo do manto incandescente
de que se veste, agora, para ter-te.

Autor : António Franco Alexandre
Imagem :  Ziqian Liu

domingo, 10 de setembro de 2023

penso...

penso que deves andar por aí
na tua zona de conforto, onde nada te estremece
tão aqui, tão além.

devem ser os desacertos no tempo
porque não mais nos cruzamos
a não ser em pensamentos.

Autor: BeatriceM 2023-09-09
Imagem : Nicolas Bruno

domingo, 3 de setembro de 2023

Tenho memórias

 



Tenho memórias, que não são de uma vida tão curta,
podem ser apenas divagações, que não sei situar no tempo,que foi meu ou talvez não, em mim carrego um caos de coincidências,ou serei que vivi outra vida e não me lembro?

Todavia a vida que me foi ofertada,
é para viver com as memórias, ou os sonhos que protejo,
ainda e sempre,
dentro do caos que edifiquei, dentro de mim.

Autor : Beatrice 2023-09-03

sábado, 2 de setembro de 2023

De Setembro

Por ti escrevo o desenho do sol
sobre as macieiras,
o destino da minha sombra
na terra.

Estás longe,
no fulminante calendário
das emoções.

As folhas que pisaste
no último outono
ardem agora,
rutilantes e húmidas,
na tarde vazia.

Cantas na memória
como no primeiro dia,
os dedos cegos como frutos.

Sabes?

O odor dos eucaliptos
é setembro a beijar
a cor dos teus olhos.

Autor : Eduardo Bettencourt Pinto
Imagem : Andrea Hubner

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O profundo azul da noite

Brooke Shaden

O azul que me veste as mãos por dentro
é ainda o profundo azul da noite
em que bebi no sal da tua pele
o branco aceso do meu corpo
e o silêncio da aragem miúda
que antes da chegada do vento
te havia de romper os olhos
em lágrimas de espanto e sede
pela sombra dos meus dedos.

Autor : Ana Oliveira