quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Poética da música


Ao escrever
escrevo como quem canta
no encanto da minha imaginação
de um poema surge a canção.

E ao cantar
Não se ouve a mais pura melodia
Lêem-se apenas palavras
Que ao escrever eu não sentia.

Autor:Tiago Oliveira http://wakeupmovement2009.blogspot.com/
Foto: Ertu

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

À chegada do Inverno


Nem sempre
a vida acolhe ou alimenta
os nomes do passado, o seu abismo
repetido num sonho, na mais lenta
assombração, no mais íntimo sismo

Do que chamamos alma. Não existo
sem essa febre mansa que relembro
enquanto as nuvens cobrem tudo isto
com o frio escuro de um dezembro

Longe de mim, de ti, de qualquer lei
ou juízo a que dêmos um sentido:
o que finjo saber é o que não sei
e as palavras colam-se ao ouvido.


Autor:Fernando Pinto do Amaral
Foto:papajedi

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal


Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Autor:Manuel Alegre

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

cançao do mar


Esta mulher é formosa
como uma flor da montanha,
mas é fria, fria, e é fria
como a margem de neve
onde fria floresce.

Autor: Herberto Helder
Foto: pararirararara

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Paradoxo


Deixaste em minhas mãos o gelo da ausência
Banhaste o meu corpo de um sopro gélido
Mas, tão só, ficou a capa, a aparência.

O corpo (meu)
Continua possuído pelo calor
Do corpo (teu).
.
Autor : Helena Domingues http://orionix.blogspot.com/
Foto: tycjana

domingo, 19 de dezembro de 2010

Ausência


Meu amor, como eu sofro este tormento
da tua ausência!... Ando magoada
como a folha arrancada pelo vento
ao carinhoso anseio da ramada...

Procuro desviar o pensamento...
mas oiço ao longe a tua voz molhada e
em lágrimas, vibrando o sofrimento
da nossa vida asim, tão separada!

Os meus beijos escutam os teus beijos
exigentes - perdidos de saudade...
crispando amargamente os meus desejos!

E dia a dia essa canção de dor,
ritornelo sombrio de ansiedade,
exalta ainda mais o meu amor!


Autor Judith Teixeira in «Poemas»,
Foto:Żaba-Ewa

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

É mais fácil partir quando o silêncio


É mais fácil partir quando o silêncio
transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto - repara
como em abril as aves são tão felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde
e esquece-te do mundo.
.
Autor : Fernando Pinto do Amaral Eco de Acédia, Poesia Reunida, Lisboa, Assírio&Alvim, 1990


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Corpo de Mulher

A pele

os olhos densos
húmidos do reflexo da lua

o corpo acolhedor
materno-terno

a boca que de tão macia
se torna água

e o regaço morno
onde as mãos
um vago odor
a canela
repousam.

Autor : Angela Leite In Metáforas spbre o amor Pág 61

Foto: anchor

domingo, 12 de dezembro de 2010

Gostava de ser o espelho que te olha



Ainda persiste, onde te disse adeus, aquele terrífico espaço tão lúgubre. Eu nunca digo essa palavra. Mas nesse dia, disse! Fazia frio. Esse adeus não foi definitivo, mas é o mesmo frio que me acompanha desde então. Nunca será definitivo, enquanto um de nós viver.

Respiro, imóvel, o ar da manhã cheia de nevoeiro. Sabes, há vida na laranjeira porque as flores querem desabrochar. Sinto que as pétalas me sobrevoam e os meus cabelos rebeldes esvoaçam numa luxúria alucinada de voos lunáticos. No fundo do poço há águas espantadas, sem patos a nadar, já não existem. O vento, agora, penteia-me no términos de um sono que me avassalou pelas colinas de um tempo embriagado, que me acaricia na leveza em forma de espelhos líquidos, que me percorre numa fracção de tempo esgotado, que me abraça nas asas em que me transporto para além de mim e do (teu) espelho em que te contemplas pelas manhãs.

Gostava de ser o espelho que te olha, logo pela manhã, antes de saíres para o dia agitado. Para de ti guardar os olhares, os cheiros, as cores. Tudo numa miscelânea que tu nem ninguém pode entender.
.
Foto:Marta Ferreira olhares com

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Paixão


Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos
situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos
erguer entre eles uma parede e abrir
depois caminho à água.

Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia
de súbito em profundas minas, a memória
das suas mais lonquínquas galerias
extrai aquilo de que é feito o coração.

Ficávamos no quarto, onde por vezes
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior
paixão que pelo coração se chega à pele.
Não há então entre eles nenhum desnível.

Autor:Luís Miguel Nava
Foto:
Jowita Kubowicz

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A palavra

Ah como eu queria
encontrar a palavra
que mesmo calada
tivesse a força
de ser tudo
sem dizer nada


Autor: Isabel Solano, in Errância 15-11-207
Foto:netiee

sábado, 4 de dezembro de 2010

A voz


Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido

os dedos que me
vogam
nos cabelos

e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los...

Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos...

Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens

Autor:Maria Teresa Horta
Foto:Petrus olhares com

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

?

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dôr me fere, em busca d’um abrigo;
E apesar d’isso, crês? Nunca pensei n’um lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito,
Como a esposa sensual do Cântico dos Cantos

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua côr sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de vêr esse sorriso
Que me penetra bem, como esse sol de inverno.

Passo contigo a tarde, e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jámais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo.
Eu não sei que mudança a minha alma presente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
.
Autor:Camilo Pessanha
In «Clepsydra», Relógio d’Água
Foto:Marysia.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sonhei contigo


Sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes tu, a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefacção de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituisse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer ao amor,
quando entre mim e ti se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que faz com que
a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.
.
Autor: Nuno Júdice
Foto: PA weł

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O medo


O medo é uma brasa a arder no coração das flores
mata de sede como as searas que a chuva abandona
e o chão abre-o em fendas para que o pranto
lhe regue a colheita de mágoas.
O medo é um cardo
teve o cheiro do nardo e a sombra do trigo
antes de ser semente enlouquecida
na agonia de germinar e ganhar raíz em terra de ninguém.
O medo tem dedos como ferros
apertados na garganta sem palavras.
.
Foto:Żaba-Ewa

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Escrevo pássaros e nada sei


Escrevo pássaros e nada sei
do corpo deles nem das suas
inclinações – nada sei do amor
tão pleno de falsificações. Se canto,
se escrevo assim às escuras da noite
do meu lençol
é porque não sei incorporar
os ruídos, as veredas da casa
nem olhar para o lado
e ver por dentro
o rosto da amada, o sono
da filha – os ritmos da morte
que dão e só eles são
sabor
à passagem do tempo.


Autor :Casimiro de Brito in «Livro das Quedas

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Há quem diga


Há quem diga
que o poema só vale uma ilusão
de salvar do naufrágio a certeza
arrumada além-mar do coração.
.
Há quem jure
que a alegria vale menos que a pobreza
de carpir a presença da saudade
no sorrir macilento da tristeza.
.
Também dizem
que um poeta só vale a ingenuidade
a cuidar que é verdade o seu amar
sem julgar o que é falso ou realidade.
.
Ainda assim,
é no todo que eu busco o meu trovar
sem banir a contenda que me assola
no silêncio dos cantos por achar.

.
Autor:Nilson Barcelli http://nimbypolis.blogspot.com/
Foto:dgadzik

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

desilusão

gritei
mas ninguém
me ouviu
chamei
ninguém
respondeu

chorei
e enterrei
o sonho que me morreu



Autor:Vieira da Silva
In Marginal Pág.17
Foto: Kuszący

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

DÉDALO DE BRUMAS

Só queríamos um espaço
rasgado
onde fosse possível voar
sem olhar os pássaros
um silêncio de pavio
a preto e branco
um qualquer infinito
onde cruzássemos outros timbres
e fossemos a última folha
do outono
em pleno voo


Só queríamos afagar a nudez
em todos os póros
e foi tão pouco
que ainda hoje te procuro
neste dédalo de brumas
precisamente
no lado incerto do espelho
onde me dispo.
.
Autor: mar arável http://mararavel.blogspot.com/
Foto:mAja

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quando eu morrer


Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.
.
Autor :Maria do Rosário Pedreira
Foto:- anchor

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Tempo de Vésperas...



busco antigos sinais e exorcizo o tempo
e as entranhas da palavra que soltam o grito
e a noite com seu manto estrelado...

calam-se os nomes que soletro!...

bem sei que o galo canta noutro ritmo
que (me) dizem diurno - apenas adornos coloridos
e um céu estranho...

a alvorada não lhe pertence
nem decifra as cores
nem a mágica poção
nem o cálice
que erguemos...

deixo assim que o tempo vadio
traga o regresso - que em delírio expio!
e recolho as vestes
para em esperança nua
beber a hora (in)certa!

domingo, 7 de novembro de 2010

há-de flutuar uma cidade


pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
.
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
.
Autor: Al Berto

domingo, 31 de outubro de 2010

Cansada de ser mulher

Estou cansada de ser mulher
Esgotada de ser aquela que os homens procuram
Para viver momentos de prazer
Estou cansada de ser carne e gozo
Fatigada de ser um ser vazio e sem alma
De ser fonte de desejo e de não beijar
Estou farta de mandar embora da minha vida
Quem nunca deixei verdadeiramente entrar
Estou sem sangue frio nas veias
Para implacavelmente continuar a ser mulher

.
Autor : Madalena Palma

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Comovem-me



Comovem-me ainda os dias que se levantam
no deserto das nossas vidas.

Dos belos palácios da saudade
não resta a impressão dos dedos nas colunas
fendidas, e nada cresce nos pátios.

Muito além, depois das casas, o último
marinheiro continua sentado.
Os seus cabelos são brancos, pouco a pouco.

Aqui, tudo se resume a algumas tâmaras que
secaram ao sol,
longe do orvalho,
das fontes que pareciam nascer de um olhar
turvo sobre a sede da terra.

Comovem-me ainda as palavras que dizias
aos meus ouvidos aprisionados pela música.
Comovem-me as cadeiras vazias, no pátio.

Lembro-me sempre de ti.

Autor :José Agostinho Baptista
Esta voz é quase o ventoAssírio & Alvim, 2004
Foto:
alessandraa

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

poesia do meu corpo


Retiro do teu corpo
o meu corpo
gasto de tanto amar.
O meu corpo cego
e desarrumado
de que junto os pedaços
espalhados em ti.
Corpo em reconstrução
deitado à sombra do teu olhar.
.
Autor : António Barroso Cruz
Foto: alrune

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Antes de um lugar há o seu nome


Antes de um lugar há o seu nome. É ainda
a viagem até ele, que é um outro lugar
mais descontínuo e inominável.

Lembro-me


do quadriculado verde das colinas,
do sol entretido pelos telhado ao longe,
dos rebanhos empurrados nos carreiros,
de um cão pequeno que se atreveu à estrada.


Íamos ou vínhamos?


Autor :Maria do Rosário Pedreira A Casa e o Cheiro dos Livros2ª. Ed. Lisboa: Gótica, 2007.
Foto: LeszeK

domingo, 17 de outubro de 2010

fez-se um chão enorme no silêncio do corpo

fez-se um chão enorme no silêncio do corpo
um chão fundo de flores e campas
seco
pequenos espaços em ruína
se de repente...um sorriso
nos lábios nasce uma palavra fresca
a pureza no dia em que se morre.

Conta-me as palavras que me dizias
antes de nos conhecermos
conta-me o que dizias
quando as palavras eram mudas
encosta a cabeça na minha mão
e conta-me.

Foto: Żaba

domingo, 10 de outubro de 2010

O poema não vem



O poema não vem quando se chama
Desobediência é sua inclinação
ou seu jeito de ouvir é uma brandura
que só percebe falar de coração

Aguardarei que a pedra
lançada ao lago no anoitecer
regresse reluzente à minha mão
e se diga palavra ou vento ou amanhecer


Autor: Licínia Quitério http://sitiopoema.blogspot.com/
Foto: anikout

sábado, 9 de outubro de 2010

Solidão


Neste espaço que me consome,
Onde existo só,
Sonho que não sou eu,
Que não pertenço a lugar algum….

Sou alguém
Que não pertenço a ninguém!….

Não sei onde estou,
Perdi meus pensamentos,
Meus horizontes,
A luz do meu viver….

Olho para o céu,
Não há luz que me ilumine,
Que me guie no meu ser….

Há dentro de mim
Um ser frágil,
Que sofre com o tempo,
Receia que lhe toquem!…

Está ferido,
Não consigo sarar esta ferida,
Que não pára de sangrar,
Que se agonia, de tanto estar aqui,
Em subtil sofrimento….

Não aguento,
Não suporto mais este insuportável estar….

Estou farto,
Cansado de estar aqui,
Desta sombra que me assombra!….

Onde tudo é monotonia silenciosa
Que aos poucos me envolve,
Nesta minha melancólica existência….

Autor:Wolf

Foto:Paulo César http://www.paulocesar.eu





domingo, 3 de outubro de 2010

Nao vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo


Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.
.
Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.
.
Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.
.

Autor : Joaquim Pessoa
Foto: adamkowalski

sábado, 25 de setembro de 2010

estaçao do oriente

Passeio-me na cidade grande, entre caminhos e desencontros. Aguardo o comboio que me leva (ou devolve?) sem destino, sem tempo. Só eu me encontro imóvel ( por fora?, por dentro?, não sei! parado! cego...) Espero nesta estação de comboios, de uma arquitectura estética disfuncional, que arranha os céus em teias de aço e vidro (baço). (Catedral de namorados que segredam beijos). Olho. Oro, no silencio dos caminhos e desenho, nas nuvens (e em mim) os contornos do vazio.
.
Autor : almaro j

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ninguém

Embriaguei-me num doido
desejo
E adoeci de saudade.
Caí no vago ... no indeciso
Não me encontro, não me
vejo -
Perscruto a imensidade


E fico a tactear na escuridão
Ninguém. Ninguém
Nem eu, tão pouco!

Encontro apenas
o tumultuar dum coração
aprisionado dentro do meu
peito
aos saltos como um louco.


Autor:Judith Teixeira
Foto: Sanura

sábado, 18 de setembro de 2010

solto-me...

solto-me...

do vazio das noites .onde só restam gestos inúteis.
das palavras que se foram tornando metálicas e vazias.
de afectos que se esvaziaram de conteúdo.

varro trinta anos de estilhaços...
no susto de não me reencontrar inteira.
no medo de não mais me reconhecer.

salto.
no vazio. de mãos nuas.
para me provar que saberei recomeçar.
para descobrir se re.aprendi a voar e
se encontrei o verdadeiro "sentido do voo".

Autor:simplesmenteeu http://sentidodovoo.blogspot.com/
Foto:art-dj


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

nesse tempo



nesse tempo, deus existia ainda
e tudo quanto era frágil respirava
loucamente

no bar da escola,
as bandas tocavam
para os cleptomaníacos do coração

nas traseiras do ginásio,
treinavam-se beijos à serpente
e cigarros orientais

os rapazes cresciam
com olhos prateados
e duros totens de carne

debaixo das saias das raparigas
havia flores rasgadas
e sonhos de cavalos bravos

forever young, só o vento
— e as revoluções do amor
que beijo a beijo atraiçoávamos


Autor:João de Mancelos de oficina de poesia,nr. 3 junho 2004, Coimbra

sábado, 11 de setembro de 2010

desabrochar

Madrugadas plenas de
amor que sopram pelas nossas
fantasias carentes de paz
agora quero sonhar com as flores
lindas que alegram os campos
dádivas da natureza que Deus
assim nos presenteou.
.
Simbiose de cores
odores de mil formas
flores soltas, finas
imensas pétalas a desabrochar
a alegria da minha manhã."
.
Autor : Piedade Araújo Sol 08/04/2005

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

arte poética com melancolia

Preocupam-me ainda as coisas do passado. Escrevo como se o poema fosse uma realidade, ou dele nascessem as folhas da vida, com o verde esplêndido de uma súbita primavera. Sobreponho ao mundo a linguagem; tiro palavras de dentro do que penso e do que faço, como se elas pudessem viver aí, peixes verbais no aquário do ser. É verdade que as palavras não nascem da terra, nem trazem consigo o peso da matéria; quando muito, descem ao nível dos sentimentos, bebem o mesmo sangue com que se faz viver as emoções, e servem de alimento a outros que as lêem como se, nelas, estivesse toda a verdade do mundo. Vejo-as caírem-me das mãos como areia; tento apanhar esses restos de tempo, de vida que se perdeu numa esquina de quem fomos; e vou atrás deles, entrando nesse charco de fundos movediços a que se dá o nome de memória. Será isso a poesia? É então que surges: o teu corpo, que se confunde com o das palavras que te descrevem, hesita numa das entradas do verso. Puxo-te para o átrio da estrofe; digo o teu nome com a voz baixa do medo; e apenas ouço o vento que empurra portas e janelas, sílabas e frases, por entre as imagens inúteis que me separaram de ti.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

assusta-me


assusta-me que o
ofício da luz perca os
objectos ou estas longas
paisagens. mas farto-me das
coisas que, ao mínimo
vislumbre, parecem
reais.

Autor : valter hugo mãe
Foto:Martyna Gumula http://plfoto.com/zdjecie,przyroda,zdjecie,2099931.html

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Tão pouca é a vida


Tão pouca é a vida,
o deslumbrado delírio da vida.

No tear se tecem os fios, o desenho das rendas,a
renda dos dias.
Ignoro quantos,
quantas tardes no fluir da paixão, quanto ouro e
azul na idade das mãos,
que idade no tear das mães.

Foram belas também no sonho antigo,
passearam entre os lírios,
desatavam a cabeleira e os vestidos,
iam à beira mar.



Autor : José Agostinho Baptista
Morrer no Sul
Assírio & Alvim, 1981
Foto : Marta Szelewa

terça-feira, 31 de agosto de 2010

como a água

como a água
meu amor
também as asas nos sacodem
no final do beijo

quantas páginas faltam?

se a fronteira é das águas quem reprime a espuma
onde começa a praia?

no meu espelho o que via
era um homem de rosto voltado
de rosto voltado
para sempre
e uma linha de ombros onde as águas
e os teus lábios de espuma meu amor
me embaciavam

também ouvi chamar a isso
entardecer
idade
inclinação do sol

mas também cicatrizes ou sulcos como preferires
essa teia onde os dias marcam os seus signos
como as águas no solo meu amor
até furarem

Autor :Carlos Nogueira Fino (Inquietação da Água, 1998)
Foto:Marta Szelewa http://plfoto.com/zdjecie,portret,bez-tytulu,2102003.html