segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

ergue-se uma semana de saudade que assiste

Saul Landell

enquanto mais avança o ano
eu desperto deste lado do oceano
deitado num relvado de poemas
onde me falou um anjo triste
do amor que afinal existe
aqui e além das astúcias dos dilemas
num trocadilho estrepitoso
onde tudo é inverno e chuvoso
até à chegada dos diademas
tomou somente um para si
e partiu num morfema onde vivi

Autor : Henrique Caldeira dos Santos
http://aurorar.blogspot.pt/

sábado, 27 de fevereiro de 2016

O teu rosto

Jeremy Lipking
O teu rosto
é como a noite
que envolve
o cair do dia…
fecha todos os jardins
e abre a minha fantasia.

Autor : Vasco de Lima Couto

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

...

Rosie Hardy

Você sabe o amor
quando ama o ruído
o abalo
o obstáculo
a falta de sentido
e ainda é amor

Autora : Ana Peluso
do livro 70 poemas, 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Nunca o verão se demorara


assim nos lábios
e na água
-como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?

Autor : Eugénio de Andrade

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

.

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

Autor :José Luís Peixoto
in A Criança em Ruínas

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

...


Quem toca na espuma
mergulha no mar.
Assim comecei a amar-te.
Primeiro uma gota
invisível. Agora
no sexo que me abres
na saliva que me sacia
a terra toda e todos
os seus rios.

Autor : Casimiro de Brito
in AMAR A VIDA INTEIRA 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Estrela da Tarde




Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram
E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso se é pranto
É por ti que adormeço e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

Autor : Ary dos Santos
in 'As Palavras das Cantigas'

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Medo

Natália Drepina

Ouve o grande silêncio destas horas!
Há quanto tempo não dizemos nada…
Tens no sorriso uma expressão magoada,
tens lágrimas nos olhos, e não choras!

As tuas mãos nas minhas mãos demoras
numa eloquência muda, apaixonada…
Se o meu sombrio olhar de amargurada
procura o teu, sucumbes e descoras…

O momento mais triste de uma vida
é o momento fatal da despedida,
– Vê como o medo cresce em mim, latente…

Que assustadora, enorme sombra escura!
Eis afinal, amor, toda a tortura:
– vejo-te ainda, e já te sinto ausente!

Autor : Virgínia Vitorino

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Um livro é como um ninho



Christian Schloe.



Um livro é como um ninho. Faz-se
entrelaçando palavras, raminhos
de fala, pedacinhos de canto e de
sabedoria. Com a destreza
e o êxtase
da luz.

O poeta habita o livro. A casa
de versos. Nela come e dorme e sofre
com as palavras. Mas também se comove
e se diverte. Com elas saúda
as mãos, os olhos, a vida
do leitor.

Autor : Joaquim Pessoa
in "Guardar o Fogo"