terça-feira, 31 de janeiro de 2017

um não poema

kiki123

hoje é branco o poema
(conjugando as cores)
porque branca é a alma
e não tem físicas dores.
nada pertuba esta calma
neste poema sem tema.

Autor : LuísM Castanheira

domingo, 29 de janeiro de 2017

oxalá...

jenna martin

pego nas palavras, liberto-as
e a memória
ressuscita ao som do dia.
Lá fora
há uma cortina de névoa a cair sorrateira
e no horizonte uma chuva anunciada
promete lavar a praça.

oxalá lave também a alma
dos ímpios

oxalá...


Autor : BeatriceM

sábado, 28 de janeiro de 2017

Voltar a voar

Anka Zhuravlva

Voei em algum dia
Sei!
depois …perdi
as asas, não podia voar
tive de aprender
a caminhar.
Enquanto caminhava
pensei
em um dia poder
voltar a voar
Construí um par
de asas
com os sonhos
que fui juntando.
Subi ao monte mais alto
lancei-me á ilusão
e durante breve momento
senti o que era voar,
mas logo o vento
desfez minhas asas
construídas de sonhos.
Cai ao solo,
tive de voltar a caminhar.

Autor : Silvestre Raposo

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Os amantes

Laura Makabresku

Os amantes
fecham-se
um no outro
(como os punhos
do bebé
que dorme
no berço
e no útero
da mãe
como as caras
dos ícones
no escuro
das igrejas)

Autor : Adília Lopes
in 'Sete Rios Entre Campos'

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Olhar e Sentir



Leah Johnston
Olhar e sentir
por dentro do corpo a massa de que é feito o avesso dele.
Ossos músculos nervos veias
tudo o que está no corpo e mundo é
a pintura contém e depõe na tela e
se acaso aí o pintor deixou reservas
nesse sem nada o avesso do mundo se
recolhe e mostra a face.

Autor : Júlio Pomar
in "TRATAdoDITOeFEITO"

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Sem corpo nenhum

Jaroslaw Datta


como te hei de amar?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma escolheste
esse doce mal!

Sem palavra alguma,
como o hei de saber?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma desejas
o que não se vê!

Nenhuma esperança me dás,
nem te dou:
— Minha alma, minha alma,
eis toda a conquista
do mais longo amor!

Autor : Cecília Meireles
in 'Poemas (1942-1959)'

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Em todas as ruas te encontro

rosie hardy

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto     tão perto     tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Autor : Mário Cesariny
in "Pena Capital"

domingo, 22 de janeiro de 2017

Habitas

Pintura de antónio macedo
http://antoniomacedo.pt/pt-pt


Habitas no sorriso indesvendável
com que afagas o meu corpo
no estremecimento que provocas na pele
no desejo que ressurge
nos bálsamos que ficaram na alvura
dos lençóis em desalinho
e na noite que se veste e despe
em luxúria compassada.


Autor : BeatriceM

sábado, 21 de janeiro de 2017

...

Mikael Aldo

Um amigo
Há uma casa no olhar
de um amigo.
Nela entramos sacudindo a chuva.
Deixamos no cabide o casaco
fumegando ainda dos incêndios do dia.
Nas fontes e nos jardins
das palavras que trazemos
o amigo ergue o cálice
e o verão
das sementes.
Então abre as janelas das mãos para que cantem
a claridade, a água
e as pontes da sua voz
onde dançam os mais árduos esplendores.

Um amigo somos nós, atravessando o olhar
e os véus de linho sobre o rosto da vida
nas tardes de relâmpago e nos exílios,

onde a ira nómada da cidade arde
como um cego em busca da luz.

Autor : Eduardo Bettencourt Pinto
in da outra margem

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Pensar

Rosie Hardy

Pensar
é como tactear uma sombra
entrar de rastos
numa profusão de escuros

Autor : Ana Hatherly
In Fibrilações, 2005

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Adeus

Pintura de Ana Paula Lopes


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Autor : Eugénio de Andrade
in “Poesia e Prosa”

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas foi um poeta português. Tem uma biblioteca com o seu nome no Fundão.

Nascimento : 19 de janeiro de 1923,Fundão
Falecimento: 13 de junho de 2005, Porto
Fonte Wikipédia

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Tudo à volta se move


Olga Astratova

Tudo à volta se move.
É firme e seca a terra
e eu sinto que as águas me engolem.
Julguei-me o sonho
mas dele
não sou mais que a névoa.
O provável que afastas
com medo que arda.
A poeira pousada no vestido transparente
da solidão que persegues.
Baixo os braços
cansada
de ficar frente às luzes que acendes.
Uma a uma sopro-as.
A dor tacteia as paredes
mas eu sou
o escuro do quarto que a cega.
Enquanto o silêncio alucina ainda
com o gemido de outras noites
eu emerjo do fundo do poço
sem que os meus lábios beijem as águas.

Autor :Sónia M
http://soniagmicaelo.blogspot.pt/

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Se eu pudesse


Se eu pudesse
ter-te em vez dos versos,
ou ter um verso
em vez de ti,
ou ter os olhos
como os de um gato
para perscrutar a noite
onde isso se decide.

Autor : Pedro Mexia
In Avalanche, 2001.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Lembrar-te

Graça Loureiro

Lembrar-te
Num dia frio de Janeiro
Sentado a olhar o rio
E a aspirar sofregamente um cigarro
No declínio da tarde
Na cidade grande
Lembrar-te a sorrir
A sentir o calor das tuas mãos
Que em fuga eu acariciava
E de repente.  É Janeiro de outro ano
Noutra cidade que não a  tua
Que não  a minha
E sinto a lembrança
A reconfortar os dias que se formam
Nos trilhos do destino

Autor : BeaticeM

sábado, 14 de janeiro de 2017

Mãe

Leah Johnston
Mãe:
Por quem
os sinos
dobram
assim?

É por ti
ou por mim?

Autor : Albano Martins
in 'Antologia Poética'

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O nome lírico


Esta manhã
hoje
é um nome

Nem mesmo amanheceu
nem o sol
a evoca

Uma palavra
palavra só
a ergue

Com um nome
amanhece
clareia

Não do sol
mas de quem
a nomeia

Autor : Fiama Hasse Pais Brandão
in líricas portuguesas



quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Poema

lovisa ringborg rotwand

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

Autor : António José Forte
 In Uma Faca nos Dentes

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A verdadeira mão

Natália Drepina

A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se

O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita

O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende

E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta

Autor : Ana Hartherly
In O Pavão Negro(2003)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Eu não voltarei

Diggie Vitt

Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
Meu corpo estará ausente,
e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.

Ignoro se alguém me aguarda
de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.

Mas haverá estrelas, flores
e suspiros e esperanças,
e amor nas alamedas,
sob a sombra das ramagens.

E tocará esse piano
como nesta noite plácida,
não havendo quem o escute,
a pensar, nesta varanda.

Autor : Juan Ramón Jiménez

domingo, 8 de janeiro de 2017

...


Leah Johnston

eu era a estrela que te orientava,
e iluminava,
quando a luz rareava,
no nublado dos dias.


tu sabias…sabias...

BeatriceM

sábado, 7 de janeiro de 2017

Legenda

anka zhuravlva

Aproxima o teu coração Como quem sente
na legenda do presente
o fim duma história breve,
vou vivendo um sonho intacto
num pesadelo crescente
— uma luz fecunda e leve
nos olhos pardos dum gato.

Autor: Fernanda Botelho

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Primeira Palavra

anka zhuravlva
Aproxima o teu coração
e inclina o teu sangue
para que eu recolha
os teus inacessíveis frutos
para que prove da tua água
e repouse na tua fronte
Debruça o teu rosto
sobre a terra sem vestígio
prepara o teu ventre
para a anunciada visita
até que nos lábios humedeça
a primeira palavra do teu corpo

Autor : Mia Couto,
in 'Raiz de Orvalho'

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Ajuda

dara scully
Porque o amor é simples,
Vale a pena colhê-lo.
Nasce em qualquer degredo,
Cria-se em qualquer chão.
Anda, não tenhas medo!
Não deixes sem amor o coração!

Autor : Miguel Torga
in 'Diário (1945)'

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Pai, dizem que ainda te chamo

lovisa ringborg
Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono - a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aí

nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me

depois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabem

que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome - porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.

Autor : Maria do Rosário Pedreira
in 'Nenhum Nome Depois

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Lembro-me de cantar sem saber porquê

Diggie Vitt

Lembro-me de cantar sem saber porquê
de sonhar, de sorrir inocentemente, quase feliz...
Lembro-me de ti como nesses momentos
em que olhava o horizonte, curioso.

Lembro-me de como olha a criança as estrelas á noite
tentando dar-lhe nomes, tornando-as suas,
querendo voar para poder abraçá-las...
Lembro-me de correr, sentindo a brisa fresca
apenas porque naquele momento fazia sentido,
ali era quase feliz...
Lembro-me de ti como nesses momentos
e vou deambulando por entre fragmentos da memória,
quase feliz.

Lembro-me de cantar sem saber porquê,
somente cantava aquela musica...
Lembro-me de ti como nesses momentos
em que com os olhos tudo dizia, em silêncio.

Lembro-me como admirava aquele sentimento,
guardando-o como se guarda um tesouro,
protegendo-o quase como a um coração...
Lembro-me de quando o mundo parecia maior
e daquela força que me fazia avançar sem receios
fazendo dos sonhos apenas obstáculos.
Lembro-me de ti como nesses momentos
e sinto-te ao meu lado, sinto o teu abraço,
quase feliz.

E lembrando resta-me entao
pensar em ti quando nao te vejo
porque a quem gosta, só isso basta,
nesse momento em que sou quase feliz...
nesse momento em que sonho...

Autor : Tiago Oliveira 9/01/2012
http://wakeupmovement2009.blogspot.pt/

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

As Coordenadas Líricas

Diggie Vitt

Desviou-se o paralelo um quase nada
e tudo escureceu:
era luz disfarçada em madrugada
a luz que me envolveu

A geométrica forma de meus passos
procura um mar redondo.
Levo comigo, dentro dos meus braços,
oculto, todo o mundo.

Sozinha já não vou. Apenas fujo
às negras emboscadas.
Em cada esfera desenho o meu refúgio
— as minhas coordenadas.

Autor : Fernanda Botelho