sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Declaração

Cheline Sanuan
Declaro que te espero
nos dias em que a chuva me mitiga o fogo
nas noites em que o corpo em rebuliço
se entretém em danças e litanias solitárias.
Não venhas se me temes
ou se a tua fornalha não anseia pelo meu mar interno.
Tenho em mim a telúrica força de uma valquíria
e ouso defrontar o teu guerreiro altivo de canto rouco
e a tua espada acesa a queimar-me desde a boca
até ao vórtice onde o desejo renasce
num devorar repetitivo e lancinante.
Declaro que te espero
e sempre te esperei.
Esta música da pele tem um travo doce de devaneio juvenil
e a carência vivida das inclementes horas.
Declaro que te quero
assim, neste final que chega manso e louco.
Por isso
antes que os deuses te roubem ao insano desejo
vem.

Autor : © Margarida Piloto Garcia.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

As Facas


Mladen Penev


Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.
.
Autor : Manuel Alegre
.


Sei

 Ivan Favre

Sei que ando bem longe,
Distante de tudo,
Os olhos nos rostos,
Mas vendo outros mundos,
Sei que estou por aqui,
Mas sempre adiante,
Perdida no tempo,
Me perco  no instante.

Sei que às vezes não escuto
Se solicitada,
Por vezes, me calo,
Pensando no nada...
O passo estancado,
A vida parada,
Um olho entreaberto
E o outro, fechado.

Perdoa-me o tempo
Em que perco tempo,
Perdoa-me o toque
Às vezes vazio,
Sei que ando tão longe,
Mas nunca te esqueço,
É que ando pensando,
Me olhando do avesso...

Autor : Ana Bailune

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Beijo



quando te beijo o beijo que tu me beijas
é que a flor envolve a terra que toca a flor

e é só a forma de os meus lábios dizerem que sim
e de os teus lábios dizerem que não
que não houve tempo antes de nós


Autor : Vasco Gato
in «Um Mover de Mão», pág. 24

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

....

xelomy

 Há quantos anos me sento
a ver o mar? Amor

sem falhas


Autor : Casimiro de Brito

domingo, 22 de fevereiro de 2015

...


Svitlana Clerk Raichuk


...não sabe que horas são, não sabe que dia é, encolhe o corpo e deixa-se, sonhar.
.
Autor : BeatriceMar

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Percursos



Eu sei quanto me amaste
mas o silêncio tolheu-te
a palavra
de mudez

Um na frente do outro
nenhum deu o primeiro passo
sempre da outra margem
nos olhámos

Em que ponto
lugar
e circustância
se tornou pedra o desencontro?
ou será que nunca foi vento e sopro?

Como ilhas
juntos caminhámos
cada um cercando o outro
e o cerco do outro
o outro vigiando

Mil vezes me tiveste
e eu te tive
e nelas não me tiveste
nem te tive
insatisfeito e amargo
o fim de cada abraço

Desespero, grito, raiva
explodindo em soluços
na garganta cortada
tudo sabendo um do outro
e impossível a fala
  
As vozes que habitavam em nós
foram caladas
Tanto e tão mal nos amámos
vício do sofrimento
que apenas a morte de um
pode quebrar. 

 Autor : Angela Leite

in «Metáforas Sobre o Amor»

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Apelo


Atravessa os campos da noite
e vem.

A minha pele
ainda cálida de sol
te será margem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra rumorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos da noite
e vem.

 Autor : Luísa Dacosta
in «Cem  Poemas Portugueses no Feminino»,

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

....

Arseny Semyonov

Para voar,
o vento não precisa
de ter asas.


Autor : Albano Martins

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Fim de tarde


Tisi Ramos
Hoje apetece-lhe alguém
que lhe ame o corpo
sem sorrisos doces
sem palavras a enganarem os sentidos.
Anula a alma,
um estorvo que carrega
como o peso de uma mala vazia
ou um pássaro morto.
Precisa de urgências
porque não quer sentir.
Apenas deseja ser um animal
no cio da primavera.
Hoje apetece-lhe
que nada lhe apeteça
e o dia finde.

Autor : Margarida Piloto Garcia

sábado, 14 de fevereiro de 2015

e agora o silêncio

Kam Kan

e agora o silêncio!

a madrugada foi cúmplice dos teus lábios nos meus, brotando mel.

e agora este silêncio.

as minhas mãos em forma de concha, vagabundeiam ao luar, querendo apanhar a luz retraída que a lua penetrando por entre as frinchas da janela entreaberta, embirra em repartir ocultamente sobre o teu corpo adormecido.

e agora o silencio.

lá fora a alvorada rompe para mais um dia metamorfoseado em dialecto de gestos inactivos. talvez vá chover, nunca te disse que gosto de sentir a chuva cair sobre a minha pele. não disse tanta coisa. não te digo tanta coisa. nem sequer que me magoa este silêncio.

o teu corpo sossegado, sorri, talvez navegue agora num sonho feito um rio de pétalas desordenadas no leito que te ampara.
vou embora!

e agora?! que faço do silêncio!


Autor  ©Piedade Araújo Sol, in Poiesis,pag 157

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Tudo!

Michael Vincent Manalo

Perdoas-me?
Tudo!
O que não consegui dizer-te com os meus silêncios.

De nós anseio apenas o beijo desesperado
Aquele que nunca demos na praia nossa
Onde nunca fomos
Num dia igual ao de hoje
O temporal com sabor a salgado
De nuvens carregadas de saudade húmida!

Um beijo confundido com as lágrimas
E o sal do rosto
Olhos fechados
O corpo apertado um abraço aflito.

O ruído das velas gastas nas vergas soltas
O balouçar do convés a desequilibrar-nos
Os braços cansados deste abraço que somos ainda
Os olhos cerrados que não vêem os rostos fechados de agora
E o navio é demasiado grande para nós que já não somos
A praia açoitada pelo vento de norte
Deserta!
Definha na memória

Perdoas-me?
O desistir de ti


Autor : João marinheiro, 2008

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Nunca soube o teu nome.


Souichi-Furusho

Nunca soube o teu nome. Entraste numa tarde,
por engano, a perguntar se eu era outra pessoa -
um sol que de repente acrescentava cal aos muros,
um incêndio capaz de devorar o coração do mundo.

Não te menti; levantei-me e fui levar-te à porta certa
como um veleiro arrasta os sonhos para o mar; mas,
antes de te deixar, disse-te ainda que nessa tarde
bem teria gostado de chamar-me outra coisa - ou
de ser gato, para poder ter mais do que uma vida.

Autor : Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Silêncio


 Ermese-Durcka Lake

Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou no
teu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se essa voz de dor que já era a tua
voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.

Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.
.
Autor : José Agostinho Baptista

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Lábios



Fervem os lábios enquanto brilham na espera
e eu amo-te tanto
que não sei porque as bocas estremecem
no medo de se darem
Perdem-se as bocas em línguas de fogo
e eu amo-te ainda mais
mas não posso dizer-to
Se os lábios se envolvem num espasmo desmedido
eu rasgo-me louca na polpa agridoce
Neles se tocam os seios e os sexos
as palavras e os silêncios
neles se enredam histórias e estremecem estrelas
e as explosões dão-se em eternos segundos
Por isso amo-te
mas guardo na boca fechada o teu nome

porque ele é um segredo a florir nos lábios

Autor : Margarida Piloto Garcia

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

...

Julie de Waroquier

Na folha vazia,
Onde escorre a tinta das letras,
Existe a voz de um silêncio inacabável
No qual me deito e sonho.
.

Autor : Luís Ferreira

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Eras o poema


laura zalenga

Escrevi um poema numa folha perene
veio o vento e o poema levou

Escrevi um outro num pergaminho
mas o tempo impiedoso o apagou

Nas asas de Ícaro escrevi um outro
que o sol implacável queimou

Tentei um último na vela de um barco
mas o mar enfurecido o rasgou

Escrevi então o meu corpo no teu
e o poema até hoje ficou.


Autor: Fátima Guimarães

no livro "A voz do nó"

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Fantasmas

Rebekah W

Erguem-se os fantasmas lá na rua
com suas vestes brancas a adejar...
Deslizam mudas à ténue luz da lua
como chamas de vela a tremular...

Autor : Maria Helena Amaro

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Como se mágoa fora!...

Ricardo Fernandez Ortega

Desfolho a pétala
Que o vaivém da onda
Nega como se fora
E não fora...

Sorvo o vento
No búzio do tempo
Glória sem eco
Que me devora...

Alinho ternura
No arco sem volta
De qualquer procura...

Denso perfume
Que se acende em lume
Na ilusão de ser…

Ausência rola
Como se mágoa fora
Fingindo não ser...


Autor : Herético 2010-11-14
http://relogiodependulo.blogspot.pt/

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Desfolhada

Birdcam Italia


Soltei um pássaro
que me pousou no texto
mas não lhe evitei
o menear das pétalas
Só mais tarde
tão tarde
que já adormeciam as palavras
ouvi espargir irrepreensíveis
metáforas
na folha de papel
Soltei uma rosa
que se exala
quando a sopro para voar
mas sempre regressa
desfolhada
como um pássaro

.
Autor :Eufrázio Filipe mar arável 2010-01-01
http://mararavel.blogspot.pt/

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O coração todo teu


Michael Vincent Manalo

Agora que sabes que te amo
O coração todo teu
Para lá do tempo


Envolves-te no manto do silêncio
Eu aqui na angustia da espera

Tardas

Envelheço nas curvas dos dias
Sem memória já
do teu corpo inalcançável
e fico adormecido


este amor
tão doloroso de ausente
como ausente sou sempre
das noticias tuas que tardam


a ausência esse lugar dos destroços
agora que sabes que te amo
o coração todo teu


Autor : João marinheiro 2008

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A esta hora


" A esta hora a que te escrevo , amor , não sei nada sequer de ti .Talvez sejas lágrimas .Talvez tenhas nas mãos tuas, as rosas que aí deixei . Não sei se és nua ...Não sei se és lua... Nem carta tua me chegou . Carta que me falasse de amor e de rosas . Ontem , falavas-me tanto dos sonhos quando abraçavas as rosas . E à hora a que te escrevo , nem mãos , nem rosas , nem carta tua me chegou . Mas eu quero-te amor em lua e nua. E quero as tuas mãos a esta hora a que te escrevo ."
.
Autor Armindo Lima de Carvalho

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Fragor



E vêm daí as marcas da sombra:
a trança solta ao sol de fevereiro,
uma mão cheia de vento sobre o teu ombro,
e o cão do crepúsculo a correr adiante de nós.
Como um destino,
leva consigo as últimas palavras
antes da noite.

Autor : Eduardo Bettencourt Pinto