domingo, 29 de novembro de 2015

Ainda...

Saúl Landell

Ainda... escrevo palavras que não entendes
nem lês
e ainda as pegadas que deixo na praia
são as tuas e as minhas
mesmo que não estejas comigo
eu sei que ainda dormes na minha saudade.
.
Autor : BeatriceMar

sábado, 28 de novembro de 2015

NADA ESTÁ ESCRITO !...



Christine Ellger

Na fogueira dos dias ardidos em que a cidade desmaia
Anuncia-se incerta uma luminosidade vespertina -
Destino sem rosto bem definido ainda...

Subtis prenúncios se levantam na combustão das palavras
Esventradas e nos latidos de cinza sobrevoando 
A noite como meteoritos de uma galáxia
Entretanto extinta...

O espectáculo porventura reluz e predomina
Numa embriaguez que os sentidos recolhem
Como lantejoulas de enganos no vazio exaurido
De títeres sem rosto quais vampiros de um insaciável
Sangue que lhes turba a voz e lhes empalidece a fronte... 

Nada porém está escrito que os homens não possam.
Nem as entranhas das aves são labirinto de secretas.
Fórmulas que apenas alguns decifram...

Nem o poder. Nem o tempo...

O dia e a noite seguem seu ritmo.
E respiramos. E no alvoroço das palavras reinventadas
Ateamos o fogo solar e o fulgor dos dias claros...

Nada está escrito!...

Autor : Manuel Veiga
http://relogiodependulo.blogspot.pt/

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Se procuro o teu rosto

Katerina Plotrikova

Se procuro o teu rosto
no meio do ruído das vozes
quem procura o teu rosto?

Quem fala obscuramente
em qualquer sítio das minhas palavras
ouvindo-se a si próprio?

Às vezes suspeito que me segues,
que não são meus os passos
atrás de mim.

O que está fora de ti, falando-te?
Este é o teu caminho,
e as minhas palavras os teus passos?

Quem me olha desse lado
e deste lado de mim?
As minhas dúvidas, até elas te pertencem?

Autor : Manuel António Pina

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O mar é longe, mas somos nós o vento;

Elena Vizerskaya


O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio passe e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.

Autor : Pedro Tamen
in "Daniel na Cova dos Leões"

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

na hora de pôr a mesa, éramos cinco

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

Autor : José Luís Peixoto
in 'A Criança em Ruínas'

domingo, 22 de novembro de 2015

escureço

Anna O.Photografy

Escureço comigo
e sei que não verás a minha escuridão
quando digo escureço, quero dizer envelheço
e não sei se é bom ou não
escurecer sem ti

e hoje é apenas um dia…mas, é mais um dia
e está frio

Autor : BeatriceMar

sábado, 21 de novembro de 2015

esperar que voltes é tão inútil como o

Anna O.Photografy

esperar que voltes é tão inútil como o
sorriso escancarado dos mortos na necrologia dos jornais

e no entanto de cada vez que
a noite se rasga em barulhos e
um telefone se debruça de
uma qualquer janela

sinto que ainda ficou uma
palavra minha esquecida na
tua boca e que
vais voltar
para
a
devolver

Autor : Alice Vieira

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

herança

Emily Soto
o tempo
que desconhece
tempo
é sempre

um momento.

É
sempre

uma criança
em sua eterna infância
que do universo
recebeu essa herança -
tempo


autor : joanna.franko

terça-feira, 17 de novembro de 2015

6

Eric Zener

guarda-me
adormecida para sempre no teu peito

ou deixa-me voar uma vez mais
sobre esta terra de ninguém
onde morro por qualquer coisa que me fale de ti.

há noites assim em que o silêncio se transforma
ao de leve numa lâmina que minuciosamente
rasga o linho onde ficou esquecido
o corpo que habitamos
em provisórias madrugadas felizes

depois é só abrir os braços e acreditar
que ainda faltam muitas horas para a partida
e que à-toa pelos corredores ainda escorre
uma razão primeira a trazer-me de volta.

E eu adormecida
para sempre no teu peito.

e eu acorrentada para sempre
no teu peito

e de novo entre nós aquele choro de quem
não teve tempo de preparar a despedida
com as palavras certas;
porque as palavras certas
estavam todas em histórias erradas
 que outros escreveram em lugares nublados
que nem vale a pena tentar recompor

muito ao longe uma voz desgarrada
estabelece o fim do verão

e eu adormecida para sempre
no teu peito

e eu acorrentada para sempre
 no teu peito.

© Alice Vieira
pág 64  in dois corpos tombando na água

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Felicidade


Anna O. Photography

Felicidade
é abrir-te devagar como uma porta
rangendo murmúrios
para o meu corpo entrar.

E depois, depois voltar a fechá-la atrás de mim
e caminhar em ti em ritmos certos
para que os meus passos se confundam com o
bater do teu coração.

E depois, depois semear em ti trigo novo
e soltar papoilas nuas da minha boca
para que se misturem com o teu sangue.

E depois,
depois perder-me nesse sonho sem regresso
só com a luz dos teus olhos
a levarem notícias do mundo!…

Autor : João Morgado
in RIO DE DOZE ÁGUAS, 12 POETAS, (Coisas de Ler Ed., 2012)

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Esquece-te de mim.Amor

Jantina Peperkamp

Esquece-te de mim, Amor
das delícias que vivemos
na penumbra daquela casa.
Esquece-te.
Faz por esquecer
o momento em que chegámos,
assim como eu esqueço
que partiste,
mal chegámos,
para te esqueceres de mim,
esquecido já
de alguma vez termos chegado.
.
Autor : António Mega Ferreira
in Os Princípios do Fim- Poemas (1972 – 1992),

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Ama-me

Leslie Ann O'Dell

Ama-me,
agora
antes que a palavra chegue.
Toca-me
antes que haja mundo,
Beija-me
antes que comece o beijo.
Despe-me
para que eu esqueça ter corpo.
Devolve-me
o reino onde fui deus.
Ama-me
até não sermos dois.
Ama-me.
E tudo será depois.

Autor © Mia Couto

domingo, 8 de novembro de 2015

Teu corpo

Christine Elgger

Teu corpo é um livro
Que folheio e leio
Releio
E nunca me canso de ler
Há sempre algo novo
Que eu releio e quero voltar
A reler

BeatriceMar

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O breve amor do tempo

Eric Zenner

venho dormir junto de ti
e o meu corpo é uma coisa diferente
do que se vê ou toca ou sente;
é, fora de mim, essa coluna de ar onde respiro,
olhos que beijam o teu corpo exacto,
as muitas mãos que dobram o teu rosto.
Um deus que dorme, um deus que dança, e mais
que um mero deus, o breve amor do tempo.


Autor  : António Franco Alexandre

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sou-te ninho

Jaroslaw Datta

No teu rosto
repousa a madrugada
de fatigados pássaros

Poisas a cabeça
no meu peito
onde ainda há pouco
o vento cantava

e os meus seios eram eco
de teus incontidos desejos

Sou-te ninho


Autor : Fátima Guimarães

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Os teus seios


Os teus io


Os teus seios na palma da mão
são duas laranjas novembrinas
como aromáticas concubinas
a mentir desejos e amor não.

Sorvo o sumo doce e laranjeiro,
prostituido, sim, mas com paixão
os frutos rijos do pomareiro.

Os teus seios na palma da mão.

Autor : José Félix