quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Quimera

Eu quis um violino no telhado
e uma arara exótica no banho.
Eu quis todos os cheiros do pecado
e toda a santidade que não tenho.
Eu quis uma pintura aos pés da cama
infinita de azul e perspectiva.
Eu quis ouvir ouvir a história de Mira Burana
na hora da orgia prometida.
Eu quis uma opulência de sultana
e a miséria amarga da mendiga.
Eu quis um vinho feito de medronho
de veneno, de beijos, de suspiros.
Eu quis a morte de viver dum sonho
eu quis a sorte de morrer dum tiro.
Eu quis chorar por ti durante o sono
eu quis ao acordar fugir contigo.
Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.
Por isso fiquei só, com o meu corpo.
Eu quis uma toalha de brocado
e um pavão real do meu tamanho.

Autor : Rosa Lobato de Faria

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Ele Teme Não Ter Amor Para o Tanto que Ama


O que te faço desta alegria com que te olho?
Perder-te seria inglório, cuidar-te parece pouco.
Que faço, o que te faço,
se ultrapasso o que me sinto,
da transfusão me transbordando,
e mais temo o fracasso
de não saber chamar o nome
ao que desamo de tanto amar?

Talvez que eu em mim já não exista...
Que vivas, provas que há vida
p'ra lá de mim;
porém não podes tu apenas ser quem sejas
e seres, resplendente,
a sombra de perdão.
O que fazer às coisas que eram antes...
Que te olho de lá de mim!

Que a alegria tomou conta das alegrias,
esboroou a crosta ao pão da noite
e deu a ver o miolo azul do dia
e um girassol de luz por entre as nuvens!
Que o pouco de mim que eu era
entornou-se e se fez grande
e a baleias quis pulmões no lento mar
p’ra respirar-se em se afundar de si...

Não sei o que me faça deste tanto que me apouca.
Que fazer? Que as montanhas são tão altas!
Como dançar com gigantes?
Que loucura de se ter!
Quando me esqueceres, por Deus, não me esqueças!
O espelho fez-me novo já tão velho...
Desliga a máquina a este sonho.
O meu coração mais puro do que eu!

Autor : Daniel Jonas
Imagem : Colin Roberts

domingo, 27 de novembro de 2022

Escureço


Escureço comigo

e sei que não verás a minha escuridão
quando digo escureço, quero dizer envelheço
e não sei se é bom ou não
escurecer sem ti,


e hoje é apenas um dia…mas, é mais um dia,
e está frio.


Autor : BeatriceMar 22-11-2015
Imagem : Zhong Lin

sábado, 26 de novembro de 2022

A Eterna Ausência

 

Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo
no grande cais da vida
desse navio noturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais...

Aquela mulher-pirâmide
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.

Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza...

Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!...

Autor : António Salvado,
in "A Flor e a Noite"
Imagem : Richard Davis


[António Forte Salvado (Castelo Branco, 20 de Fevereiro de 1936) é um poeta e escritor português. Além de ser autor de uma extensa obra poética, é também autor de ensaios e antologias, tendo sido a sua obra reconhecida várias vezes com prémios nacionais e internacionais.]

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Tema Livre


Há uma parte de ti
presa às linhas férreas
aos rios e seus afluentes
e às capitais de distrito.

Há ainda em ti
quem peça
uma redacção dirigida
como aquela no alternar das estações.
Escrevíamos: os dias ficam mais curtos
e do armário retiramos as roupas de lã.

Ou
vice-versando:
os dias prolongam-se
proporcionalmente aos decotes
inversamente à altura dos vestidos.

Mas agora já não atravessas armários
como em C. S. Lewis.
Neles só encontras espectros em redenção.

Cega de liberdade
esperas, apenas,
por uma bengala.

Do outro lado da rua
a sombra
de um cão.

Autor : Ana Paula Inácio
(in Piolho, revista de poesia n.º 18)
Imagem : Karyn Teno

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

...

 

Quando me perguntaste estás bom eu
desencadeou uma conversa que ainda hoje
perdura, acontece que a conversa
não adiantou nada e nunca mais
voltei a dizer que não estava bom.
decidi dizer a verdade e disse não, o que


Mesmo dizer conversa é uma maneira
de falar, uma vez que, salvo raras
excepções, imperam mais os passos
e o silêncio. Repara, eu sou uma espécie
de legenda a passar em rodapé, com pontapés
na gramática e erros de português, deito-me
tão cedo, tão cedo, tão cedo que
quando acordo não sei se é ontem
ou amanhã, ouvi alguém, ao pequeno
almoço (ou seria o jantar?), rir-se de mim
e dizer que eu era muito bem caçado.

Também um poema mau pode romper
como qualquer bela flor espontaneamente.
Tem uma vida, é uma frágil vida
com palavras que podem ser baratas
e caras, podem ser tudo e não significam
nada, um poema mau pode representar
uma vida. Mas será que tu sabes medir
o seu valor? Tu que já nem sequer
conversas comigo, apenas me vês.

A tua marcação exacta, todavia, não era
programa, actuação premeditada, militância,
mas resultado de uma indiferença activa: cola
de sobreiro que se agarra e descola, agarra
e descola, nunca se afasta de mais, nunca
se aproxima muito, nunca se agarra de vez.

Uma conversa que ainda hoje dura, só
porque te quis explicar os defeitos
de perguntas que não são bem perguntas.
Perturbei a ordem dos cumprimentos,
sinceramente desde logo percebi o que me
esperava, não consegui contrariar a fatalidade
da atracção e por isso, quase sem querer,
mal dei por mim estava moribundo.

Autor : Helder Moura Pereira,
Imagem : Oleg Oprisco

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

...

 a Daniel Faria

caminhar sobre as palavras
com os pulsos amarrados à vida,
ainda o medo, o tempo alucinado.

vem, repara na ternura
aqui sangra o silêncio da pedra
por entre os alvéolos da luz
respirando nos pulmões
de antigos afogados.

esta é a luz que nasce de ti. Do poema.
Azul, essa luz que se ergue dos mortos
e irradia em terra de ninguém.

Autor : Maria João Cantinho
Imagem :Elizabeth Gadds

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Se Perguntas Onde Fui


Se perguntas onde fui,
devo dizer: o mar.
Estive sempre ali,
mesmo estando a mudar.

Foi ali que escrevi
tua pele, teu suor.
Ao tempo, seus faróis.
Não mudei de mudar.
2
O que mudou em mim,
senão andar mudando
sem nunca mais mudar?

Quem mudará em mim,
se não sei mudar?
3

Ou me mudei. Sou outro.
Outra ventura, outra
virtude, cadência,
remota criatura.

Então que se apresente.
Seja tenaz, plausível
esse rosto invisível
e áspero.

Mudei. Soprava o mar.
Mudei de não mudar.

Autor : Carlos Nejar, in 'Árvore do Mundo'
Imagem : Griffin Lamb

domingo, 20 de novembro de 2022

Até Sempre


como se o presente estivesse em manutenção,
esta chuva que se alaga no interior de mim,
o meu corpo seco,
seco e a amparar memórias,
que descambam em sensibilidades,
e em lágrimas (secas) que nunca ninguém verá

Os olhos que se despedem,
amedrontados,
as mãos vazias, ocupadas com nada,
vazias, apenas vazias de nós.

Autor : BeatriceM 2022-11-19
Imagem :Cristina Coral

sábado, 19 de novembro de 2022

 


Venha o sol que vier, é uma promessa
O que a manhã nos traz na sua alvura.
É outra vez a vida que começa
Abertura de inocência e de frescura.

Cipreste frio a noite, a noite! Cor impura.
Triste alegria a tinta negra impressa.
Venha o sol que vier, tem mais altura.
O sonho que se veja e que meça.

Claro como a verdade _ diz o povo.
Doce como um começo, o fruto novo
Onde reluz o laivo que o pintou.

Venha o sol que vier, é um outro dia
No límpído da fantasia.
Que a nossa escuridão iluminou.

Autor : Miguel Torga
Imagem : David Tomek

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Falsos Amigos

 

Tenho amigos que pensam confundir-me
igualando a loucura à minha ânsia.
Pobrezitos!, que tentam destruir-me
havendo de permeio esta distância.

Eu tenho pena de não ser um deles,
ao menos uma vez, por uns momentos.
Gostava de morrer um dia neles,
ressuscitando nos seus pensamentos.

Pintar-lhes-ei um dia o rosto a sério,
com talento nascido de neurose
que faça vê-los nus no baptistério
onde lavam a alma da esclerose?

Toda a gente rirá desse retrato,
e haverá certamente prò comprar
um novo-rico que lhe admire o fato
e o pendure na sala de jantar.

Hei-de pôr-Ihes uns olhos que reluzam,
mas vazios nas órbitas repletas,
profanação nos dedos que se cruzam,
num indigno repouso de poetas.

Ah, são eles que procuram destruir-me,
criticando-me as faces controversas!,
mas apenas conseguem reunir-me
nas mil forças que tenho bem dispersas.

Autor : Isabel Gouveia
Imagem : Aykurt Aydogdu

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Variaçoes Populares

Não espero pouco da vida,
se dela não espero nada.
Por isso tudo o que tenho
me sabe a coisa emprestada.

O medo que à vida a vida
nós dá de tanto a vivermos,
faz que a morte tenha medo
do medo de de não morrermos.

O tempo é medo que passa,
o medo é tempo que fica,
a esperança que não espera
e pobre de um, e mais rica.

Não espero pouco nem muito,
não quero muito nem pouco,
quero só a liberdade
de ter juízo e estar louco.

Não se é muito ou se é pouco
o que a vida me tem dado;
é sempre mais do que eu quero,
para não par'cer tirado.

Não espero pouco da vida
pois dela não espero nada.
por isso tanto desejo,
sem que a tenha contentada.

Tudo o que a vida me dá
tenho medo de perder:
e, mesmo quando não perco,
é como ter e não ter.

Autor : Jorge de Sena
Imagem : Brad Romano

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Ruínas


 Na casa onde nasci, já morriam as paredes salgadas.
O movimento dos ponteiros era lento e ferrugento.
A chaminé fumava e fumava sem intervalos.
Havia formigueiros.
Havia bolor nos biscoitos.
Havia o prolongamento da utilização.
Reconduziam-se os dias sem pensar que a casa
[estava a morrer.
Faziam-se as compotas sem percebermos que o sótão
se desmantelava, desde o cerne e desde as chagas dos pregos.
Havia um contacto físico com a consumição.
Um contacto moral com os labirintos do calendário.
Na casa onde eu nasci, também nasceu a minha mãe.
Depois, as janelas emperraram nas dobradiças.
E as tardes de sol, que só existem quando somos alegres,
[conspiraram.
Ruínas, fora das crisálidas, como toutinegras.

Autor : Alice Caetano
In “Arranja-me um Emprego”

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Solidão



A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios...


Autor:Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
Tradução de Maria João Costa Pereira

Foto:Shawreus

domingo, 13 de novembro de 2022

Destinos

  

Entre o orgulho,
ocultei todas as palavras que não disse,
talvez com o desejo de as resguardar.

O egoísmo toldou-me a razão,
agora procuro soluções e só encontro,
silêncios e sendas sem fim.

Autor : Beatrice 2022-11-12
Imagem : Michal Maciak

sábado, 12 de novembro de 2022

Águas mil

Pavel Mitkov

Regressaram as chuvas.
Outra foi a tua água e mais pura.
A minha água afasta a alegria e os pássaros.
A minha água não apaga os incêndios,
nem a loucura.


Autor: José Agostinho Baptista
In Agora e na hora da nossa morte, Lisboa: Assírio & Alvim, 1ª edição, colecção Peninsulares Literatura, nº. 53, 1998, p. 28.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

nádegas


Lembro-me e sinto tudo
novamente: passo a mão
pelo veludo das tuas calças
velhas e aperto as nádegas
firmes do passado. Não sou

só eu: as tuas roupas também
têm saudades

Autor : Maria do Rosário Pedreira
Imagem :Michelle Ellis

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Tempo Revisitado

 


O tempo a que sempre regressamos
e nos visita um instante

O tempo que depois destruímos
construímos e ali-
mentamos se nos
alimenta

O tempo onde a luz buscamos e
a morte sempre
encontramos

Autor : Casimiro de Brito
Imagem : Nikolina Petolas

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

ainda não



I

Ainda não…
É a espera.
Afirmação
do tempo que vai chegar
no tempo que está passando.

II

Ainda não…
É a promessa.
Certeza
do tempo de querer
no tempo que vai chegando.
A mulher é a terra —
terra de semear.

III
Ainda não…
O tempo disse dormindo:
Por que esperar?
Plantar, colher
no amanhecer.
Não retardar o instante
maravilhoso da colheita.

IV

Veio o semeador,
semearam juntos
e colheram
o encantamento do fruto.
Lamentaram juntos
Retardamos tanto… no tempo.

Autor : Cora Coralina
Imagem : Adrian Borda

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Já estou a ficar velho



Já estou a ficar velho, ainda que tenha
esta figura fixa sem idade,
e me mantenha em forma o aparelho
a que todos aqui somos sujeitos:
a correria cega, a suspensão elástica,
o salto em trave e trampolim de folhas,
e outras altas artes de ginástica.
Mas eu bem sei sentir além da aparência,
e já me aconteceu, ao visitar o canto
onde o mundo se acaba em chão de areia,
ali ver o meu fim anunciado.
Quando em tranquilo pouso assim medito,peso,
 e calculo tudo aquilo
que não fiz, e não tive, e não alcanço
om o rosto extravagante que me deram,
já tudo bem pensado considero
se não devo encontrar algum consolo
na ciência que conduz o feiticeiro,
e acreditar também, como me diz,
que é, esta vida, emaranhada teia
de mal fiado, mal dobado fio,
e a morte tão somente um singular casulo
de onde sairei transfigurado.
Mas não sei de que valha imaginar
um outro ser incólume e perfeito
que da minha substância seja feito
e tome, noutro mundo, o meu lugar;
se me não lembra, como serei eu?
Se for quem sou, ainda que mude a capa,
há-de voltar aqui, onde hoje estou,
viver o mesmo instante, e ver
escapar-lhe das mãos o que me escapa;
veloz embora, e exímio no salto,
o que hoje perco, há-de então perdê-lo,
e faltar-lhe outra vez o que me falta.

Autor : António Franco Alexandre
Imagem : Cocu Liu

domingo, 6 de novembro de 2022

Origens

Houve um tempo que foi nosso,
curto e enérgico,
mas ficou no passado que não se redigiu.

No presente que se escoa,
há um tempo estranho,
meu e teu e de tantos milhões.

Um futuro que não nos pertence,
variável e em contramão,
apenas com cheiros obscuros.

Autor: BeatriceM 2022-11-05
Imagem :Tyler Rayburn 

sábado, 5 de novembro de 2022

A tarde despedaçou-se

A tarde despedaçou-se
e nunca houve outro anseio
senão esta claridade sem sol,
a lenta supressão de uma morada.

Espiamos as naves que se soletram
a ouvido nenhum,
tocando um do outro
os dedos mais
sinceros.

Estamos prontos para singrar
na noite do nosso
desassossego.

Autor : Vasco Gato, Napule
Imagem : Evan Atwood

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Se ao menos a chuva

Andava às voltas
no topo de si mesmo
e do monte.

Trepara a encosta
como em pequeno
trepava às árvores:
para ver melhor.

Vivia tão longe da água
que tinha a boca seca.
Agora andava às voltas
cheio de sede
a esgotar-se, a suar.

Porque não paras?,
perguntar-lhe-ia, se pudesse
entrar neste poema.

Não havia nada no cimo de si
nem do monte
- apenas o azul e algumas aves
que respiram mais alto.

A cidade ficava a meio caminho
entre o céu e a terra
(o céu lá para cima, ainda depois do monte,
a terra cá para baixo, um pouco antes da sede).

Ele andava às voltas com a vida:
atirava-lhe pedras, gritava
(se ao menos a chuva! se ao menos a chuva!)
como quem não encontra.

Só mais tarde entendi o que procurava:
um mar.

Autor : Filipa Leal
imagem :philippe farfelan

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

quando

Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leão lá dentro.

Não é mais segredo e não o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silêncio escancara

a dantes inamovível porta
e virada a página acha-se apenas
uma moeda
que não corre já.

Autor : Júlio Pomar
Imagem : Shirin Abedinirad

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Ode Cesariny

Para todos os que amam como a estrada começa.

queria de ti um país
um arco de sol para brincar nas manhãs
a roda das tuas mãos na cintura
engravidando de deslumbre
e a urdidura dos filhos
para além da alegria.
queria que entumecesses o tempo
dentro de maçãs relidas
em poemas sobre a mesa.
no teu jeito de apertares os lábios
e me fechares numa sílaba
queria de nós um país
juntando-se a outro.
compor o tratado dos nossos beijos
na morfologia das estrelas
que encimam esta solidão
faz-me querer de ti
se não um país o coração
da tua cidade
coisa tanta e pouca
alguma coisa só

um beijo talvez
que retenha a bruma
de avançar sobre Portugal
e me tome de vez
o destino por invisível.

Autor :Ana Salomé
 in "Odes"/Editora Canto Escuro
Imagem :Eric Rubens

terça-feira, 1 de novembro de 2022

A noite em que nos sentámos no muro


A noite em que nos sentámos no muro
entre os quintais. O mundo estava aninhado
sob o tecto dos teus sentidos, recuava
à posição pouco óbvia
de um jardim.


Vinhas com o tempo certo sobre
as silvas, já punhas o amor a arder
nos canteiros. Não valia a pena explicar
uma coisa tão rara.

Autor : Rui Pires Cabral