domingo, 12 de dezembro de 2010

Gostava de ser o espelho que te olha



Ainda persiste, onde te disse adeus, aquele terrífico espaço tão lúgubre. Eu nunca digo essa palavra. Mas nesse dia, disse! Fazia frio. Esse adeus não foi definitivo, mas é o mesmo frio que me acompanha desde então. Nunca será definitivo, enquanto um de nós viver.

Respiro, imóvel, o ar da manhã cheia de nevoeiro. Sabes, há vida na laranjeira porque as flores querem desabrochar. Sinto que as pétalas me sobrevoam e os meus cabelos rebeldes esvoaçam numa luxúria alucinada de voos lunáticos. No fundo do poço há águas espantadas, sem patos a nadar, já não existem. O vento, agora, penteia-me no términos de um sono que me avassalou pelas colinas de um tempo embriagado, que me acaricia na leveza em forma de espelhos líquidos, que me percorre numa fracção de tempo esgotado, que me abraça nas asas em que me transporto para além de mim e do (teu) espelho em que te contemplas pelas manhãs.

Gostava de ser o espelho que te olha, logo pela manhã, antes de saíres para o dia agitado. Para de ti guardar os olhares, os cheiros, as cores. Tudo numa miscelânea que tu nem ninguém pode entender.
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Foto:Marta Ferreira olhares com

2 comentários:

Luna disse...

existe sempre um frio que prevalece nas despedidas e nos acompanha pelos recantos da vida
beijinhos

Manuel Veiga disse...

um texto muito belo. de uma escritora muito talentosa...

gostei muito.

beijos