domingo, 25 de setembro de 2011

Intuiçoes


Esta é a hora da paixão. Pede-me para morrer
e morrerei.
O amor cegou-me os olhos da razão,  por isso
caminho alegremente para o futuro.
Quando o amor não é contemporâneo, só
a um, doi a despedida.

.
Autor : Angela Leite
Foto: aMaja

domingo, 18 de setembro de 2011

Palavra inóspita

Talvez o caos seja apenas a rosácea

Antes do fogo que os dedos tecem no cinzel
E a pedra a absurda permanência da forma
Em si fechada...


Talvez a poalha do tempo fecunde novas cidades
E as ínfimas coisas se ordenem e expludam
Como corolas em delírios de cristal...


Talvez a vontade dos homens seja excesso
E rasgue as veias das galáxias
E o surdo rugir do mundo inunde a consciência
Dos escravos...


Talvez a Palavra seja inóspita
E os hinos sejam derrocada das muralhas...
.
Autor : Heretico  http://relogiodependulo.blogspot.com/
Foto: Paddinka

domingo, 11 de setembro de 2011

O Verão




Estás no verão,
num fio de repousada água, nos espelhos perdidos sobre
a duna. 
Estás em mim, 
nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome 
pensas:
teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó,
sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
És o esplendor do dia, 
os metais incandescentes de cada dia. 
Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
o ardor das maçãs,
as claras noções do pecado.
Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas dos
meus anos. 
Quando me deixas, o sol encerra as suas pérolas, os 
rituais que previ.
Uma colmeia explode no sonho, as palmeiras estão em
ti e inclinam-se. 
Bebo, na clausura das tuas fontes, uma sede antiquíssima.
Doce e cruel é setembro.
Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.


Autor :José Agostinho Baptista
In Paixão e Cinzas (1992)



Foto: The Professo

domingo, 4 de setembro de 2011

sonhos


sigo um sonho – só meu
nas cores incandescentes
da paixão assolapada
que dissemino 
nas noites em branco.

e  desmembro
os nós que me estorvam
os sentidos
quando olho as cinzas diluídas
em mim.

Autor : BeatriceM 2011-04-09
Foto : Vrill

domingo, 28 de agosto de 2011

Ao largo...e tão perto






Chegas
em ondas de rebentação,
com afagos,
afogas-me,
no mastro erguido
iças-te
desnudando caminhos
por onde as mãos
desfazem nós
de cabos
que outras marés
não dobraram
e sem palavras
abeiras-te da boca…

fundeio,
afundo-me,
ancorado em ti.
.
Autor : Caminheiro http://www.calcadasentimentos.blogspot.com/
Foto:komarek66

domingo, 21 de agosto de 2011

noite e margens


Nas orlas da noite – margens em mim
Tenho todos os segredos – em nós
Guardo no ventre a seiva – e afogo-me
Luxúria dos corpos - em rios
Nas escarpas das certezas – de perigos
E somos dois – entrelaçados
Unos – apenas 
.
Autor :Beatrice
(Nota: pode separar o poema e ler de duas maneiras)
Foto:Stan Mare

domingo, 14 de agosto de 2011

Ressurgimento


Passei o dia triste meu amor...
Foi um domingo inteiro de agonia.
Tudo empalidecera em mi derredor,
ficou a latejar a dor sombria!

Que doloroso e cálido sabor,
nos lábios me abrasava todo o dia!
Sentia ter bebido a própria dor,
dor imprecisa, negra nostalgia...

No silêncio do morno entardecer,
bebi a angústia que me fez sofrer,
e se fundiu em pranto, diluída...

E agora, amor, a minha angústia acalma,
purificada na dor, a minha alma,
vai ressurgir de novo para a vida!

Autor :Judith Teixeira
Mês dos Cravos – Sol-Posto
1920
Foto:Graça Loureiro

domingo, 7 de agosto de 2011

Poema Kitsh


Tu és o meu veneno e o meu vício
uma forma de estar fora de mim
sem ti o que era espera faz-se ofício
a vontade de te ter noite sem fim
esse tu não estares um breve indício
de flores morrendo no jardim.

Há um sítio em mim por habitar
casa para sempre em construção
há traves altos andaimes pelo ar
estaleiro abandonado junto ao chão
onde antes se julgava que era o mar
não há vagas nem marés nem barcos vão.

Se a hora de chegares fica esquecida
não mais posso esperar tua presença
o que antes era corpo tornou ferida
tudo o mais reduto de indiferença
pois onde agora a sombra estava a vida
onde antes a luz a noite imensa.


Autor: Bernardo Pinto de Almeida

domingo, 31 de julho de 2011

Caminho pelo lado da rebentação



Caminho pelo lado da rebentação das ondas ―
o litoral guarda segredo dos meus passos entre
as redes de sal trazidas pelos barcos
e o labirinto das algas ainda agora oferecidas

à praia. Sinto-me à mercê das falésias a riscar
o teu nome na areia; e é como se lentamente
pronunciasse um chamamento triste a que ninguém
acode. Fez-se tarde para os lamentos das sereias:

agora as marés dobam novelos de espuma à roda
dos meus pés, as águas já não transportam
a minha voz, a perder-se sobre as dunas
que os ventos vão desbastando devagar
ao cair da noite. Tenho sempre medo que não voltes.

Autor :Maria do Rosário Pedreira
 Foto:meyy

domingo, 24 de julho de 2011

quedas



caiu uma folha,
(morta?),,,colorida,
semente-lágrima
de vida.
reza em vão
marulhos de uma oração,
de um ciclo que não finda…
caiu uma folha,
mão-arado,
sangrada por chuva-dorida,
caiu uma folha
sozinha,,,no chão

 almaro  
Foto: pkarws

domingo, 17 de julho de 2011

onde a luz se ateia




Desde as últimas pétalas
que não te via neste mar


tão breve
solidária
pelo tempo fora

Reconheci-te peregrina
pelo ressoar das águas

Trazias referências inscritas
nas asas
uma espécie de destino
memórias incumpridas
sem palavras nem repouso
à descoberta de uma pausa
na fissura das escarpas

Gostei de te ver
no cimo dos meus olhos

onde a luz se ateia.


.
Autor :http://mararavel.blogspot.com/

domingo, 10 de julho de 2011

Foram

Foram tantos os silêncios
Que as palavras se perderam
Antes mesmo de serem ditas

Foram tantas as noites cativas
Que os sonhos feneceram
Quando a manhã ainda nem nascera

Foram tantos os silêncios – tantos
Que ainda doem no eco
Dos sentires...

.
Autor :Beatrice
Foto:Nat. S

domingo, 3 de julho de 2011

Sarça


toco-te l(E)tra
discreta sobre a blusa
como transparência
do sol mordendo-te
a teta...

de encontro à meta
o gesto da roupa solta...
macio o tempo da demora:
corpo aberto como prado!...

bravios potros
como amoras na boca!...
urgência dos beijos
como faca...

( línguas e segredos
o vinho e o mosto
do teus lábios...)

aberta no fio da curva
secreta a vulva
como sarça!...
.
Autor :Senador
Foto:loghan

domingo, 26 de junho de 2011

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?


Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? 
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. 
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. 
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. 
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. 

Autor : Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume' 
Foto: Martyna Gumuła

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Seria o amor português




Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.


Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.

Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
"Que me importa que batam à porta..."
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta.
.
Autor Fernando Assis Pacheco
Foto . Marek W